"Vem-nos da Constituição Federal, do artigo 37, que atos administrativos, como no caso o ato do cartório, são públicos, visando ao acompanhamento pelos contribuintes e a busca de fiscalização. É incompreensível a omissão. E por que omitir? Há alguma coisa realmente que motiva esse ato, porque nada surge sem uma causa."
Leia também: Veja imagens da mansão de R$ 6 milhões que Flávio Bolsonaro comprou
Na cópia da escritura obtida pela reportagem no cartório, foram omitidas informações como os números dos documentos de identidade, CPF e CNPJ de partes envolvidas, bem como a renda de Flávio e de sua mulher, a dentista Fernanda Antunes Figueira Bolsonaro.
Marco Aurélio Mello questionou a atitude do senador, de optar por um cartório em Brazlândia, região administrativa que fica a 50 km do centro de Brasília. "É estranho que não se tenha feito a escritura num cartório de Brasília propriamente dita", comentou.
Ministros de tribunais superiores ouvidos reservadamente também condenaram a atitude do cartório. Para eles, a omissão dos dados em uma escritura pública pode caracterizar improbidade administrativa e ser investigada pelo Tribunal de Justiça do DF e Territórios e pelo Conselho Nacional de Justiça. Integrantes do CNJ consultados pelo Estadão, no entanto, observam que o assunto deve ser levado à Corregedoria do próprio TJDFT. Segundo eles, uma eventual ação do conselho deveria ser excepcional, apenas quando o tribunal não agir.
Financiamento
Para comprar o imóvel, o filho "01" de Bolsonaro financiou R$ 3,1 milhões no Banco de Brasília (BRB), com parcelas mensais de R$ 18,7 mil. Como revelou o Estadão, as prestações representam 70% do salário líquido de Flávio - R$ 24,7 mil.
Na última sexta-feira, o titular do cartório de Brazlândia, Allan Guerra Nunes, disse que escondeu as informações da escritura para preservar dados pessoais do casal. Nunes é presidente da Associação dos Notários e Registradores do Distrito Federal (Anoreg-DF).
Segundo ele, esta foi a primeira vez em que tal procedimento foi adotado. "Zero de motivação política, nenhuma. Quem decidiu colocar a tarja fui eu."
Leia também: Flávio Bolsonaro ataca imprensa por divulgar compra de imóvel
Em nota, o Conselho Federal do Colégio Notarial do Brasil informou que o tabelião de Brazlândia levou em conta a entrada em vigor a Lei Geral de Proteção de Dados ao esconder as informações.
A lei, no entanto, não foi mencionada pelo próprio tabelião nas duas ocasiões em que conversou com a reportagem. De acordo com a entidade, o caso será enviado pelo próprio tabelião para análise da Vara de Registros Públicos do TJ.
Para o tabelião Ivanildo Figueiredo, professor de Direito Notarial na Faculdade de Direito do Recife, a posição do Conselho "se revela como meramente corporativista, sem qualquer conteúdo crítico com relação à censura de uma escritura pública". "A autonomia e independência do tabelião se resume a gerenciamento administrativo e financeiro, e não ao conteúdo ou forma dos atos notariais." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.