Brasília - A nova escalada de mortes e infecções pelo novo coronavírus no Brasil trouxe de volta os embates do presidente Jair Bolsonaro com governadores e prefeitos, e a tendência é de que os líderes estaduais e municipais endureçam o confronto por causa da tentativa do chefe do Executivo federal de se eximir dos impactos sociais e econômicos causados pela pandemia. Além de declarações públicas e processos na Justiça contra o presidente, os governantes se mobilizam para buscar soluções contra a COVID-19, em especial a aquisição de vacinas.
O principal movimento nesse sentido tem sido liderado pela Frente Nacional dos Prefeitos (FNP). A entidade espera lançar neste mês um consórcio público para a compra de imunizantes anticovid pelas prefeituras. A iniciativa, batizada de Conectar (Consórcio Nacional de Vacinas das Cidades Brasileiras), já tem a adesão de pelo menos 1.703 cidades do país, incluindo 24 capitais, que correspondem a mais de 125 milhões de brasileiros.
O consórcio, segundo a FNP, dará suporte aos municípios caso o Programa Nacional de Imunização (PNI) não consiga suprir a demanda nacional. Para uma cidade ser autorizada a integrar o consórcio, a respectiva Câmara Municipal terá de aprovar um projeto de lei que dê aval à adesão do município à iniciativa. O prazo para que a cópia da lei municipal seja enviada à FNP é até 19 de março. No dia 22, está prevista a realização de uma assembleia para marcar a instalação do consórcio.
Na avaliação do presidente da FNP, Jonas Donizette, a criação do consórcio “é uma articulação que, mesmo antes de formalizada, já coleciona conquistas”. “Eu acredito que a movimentação dos prefeitos e a atenção da imprensa por essa pauta fez com que o governo federal repensasse seu papel. A quantidade que vamos comprar é a que estiver disponível. Se acontecer de o governo requisitar as doses, para nós está de bom tamanho, porque elas vão chegar à população e é isso o que queremos. A palavra é colaboração, e não enfrentamento”, afirmou, em coletiva à imprensa na última sexta.
De acordo com Donizette, “a nossa luta é para que, neste ano, toda a população adulta esteja vacinada”. “Só vamos conseguir resguardar vidas e retomar a economia a partir do momento em que tivermos um grande número de brasileiros imunizados. Aí, poderemos abrir comércio, restaurantes, bares. Tenho certeza de que esse é o desejo de todos os prefeitos, ver a economia funcionando novamente”, destacou.
GOVERNADORES
Enquanto tentam conter a circulação de pessoas nas ruas e evitar aglomerações com a imposição de medidas restritivas nos estados, os governadores buscam sensibilizar Bolsonaro a concluir os processos de compra de mais vacinas e trazer mais segurança à sociedade. O receio dos líderes estaduais é pela proliferação ao redor do país da variante brasileira do novo coronavírus, mais transmissível e letal.
“Reconhecemos que, neste grave momento, há no mundo uma extraordinária procura por vacinas, junto a diferentes fornecedores.
Acompanhamos o anúncio de novas aquisições pelo Ministério da Saúde, mas também percebemos que é preciso agilizar mecanismos de compra, explorar e concretizar todos os meios de aquisição disponíveis, para vacinar, no menor espaço de tempo possível, a maior quantidade de brasileiros. Se não tivermos pressa, o futuro não nos julgará com benevolência”, diz uma carta assinada por 14 governadores enviada a Bolsonaro na última semana.
Ao mesmo tempo, entretanto, os governadores sabem que terão de ter pulso firme na relação com Bolsonaro. Nos últimos dias, o mandatário voltou a fazer pouco caso da pandemia e reclamou da pressão que tem sofrido para adquirir vacinas, além de criticar os governantes que impuseram políticas de isolamento social para tentar conter a COVID-19. Por mais que queiram evitar o combate, os políticos não vão se calar.
"O Bolsonaro é um ditador. Por isso, não gosta de nenhum tipo de contraste. Dentro do governo, quando alguém se opõe a ele, ele demite. Foi assim com o presidente da Petrobras. O sonho dele é governar ao lado dos filhos. Os governadores são um obstáculo ao seu sonho ditatorial. Ele nos vê como um limite ao poder e tenta nos desmoralizar. Essa é a razão da agressão, para se livrar desse limite", ponderou o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB).
Na semana passada, Dino e o governador da Bahia, Rui Costa (PT), ingressaram com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) acusando o mandatário de propagar fake news para jogar a população contra os estados. A demanda foi provocada por conta de publicações nas redes sociais feitas por Bolsonaro em que ele detalha os valores que teriam sido repassados pela União às 27 unidades da Federação no ano passado.
Os governadores alegam que os números apresentados foram superdimensionados e pediram a remoção das publicações feitas por Bolsonaro, bem como a divulgação com clareza e precisão da composição das receitas mencionadas. “A tentativa da Presidência da República de se isentar de qualquer responsabilidade no combate à pandemia do novo coronavírus e de transferir todos os ônus e insucessos na busca de solução dos problemas para as administrações estaduais e municipais prejudica a imagem de seus respectivos gestores perante a população e compromete a adesão social às políticas públicas de âmbito local e regional”, diz o pedido. O STF ainda não decidiu sobre o caso e deu até terça-feira para a Advocacia-Geral da União (AGU) se manifestar.