Em seu primeiro discurso após decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin que anulou as suas condenações, o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva (PT) falou menos sobre o processo ao qual responde na Justiça — que costumava ser o foco de suas últimas declarações — e mais sobre a situação do país.
"Se tem um brasileiro que tem razão de ter muitas e profundas magoas sou eu. Mas não tenho", disse. "O sofrimento do povo brasileiro é maior do que qualquer crime que tenham cometido contra mim."
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Lula falou sobre a pandemia, a importância da vacinação, agradeceu aos trabalhadores do Sistema Único de Saúde (SUS), fez acenos às Forças Armadas e à Polícia, agradeceu a líderes internacionais, falou sobre economia e distribuição de renda.
O ex-presidente teve um discurso mais conciliário do que os que fez após sair da prisão e se aproximou de sua postura de quando era candidato — "Não tenham medo de mim", afirmou. "Eu sou radical porque quero ir na raiz dos problemas deste país" —, embora tenha dito que "é cedo" para pensar em candidatura para 2022.
Mesmo assim, Lula não poupou críticas ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e se posicionou como sua antítese.
O líder petista também contou histórias de quando estava na prisão. Disse que as marmitas enviadas por sua namorada chegavam frias, mas que "um operário de chão de fábrica" sabe como esquentar marmita.
Confira abaixo os destaques.
Pandemia, vacina e SUS
Lula lembrou que está com 75 anos e disse que pretende se vacinar contra o coronavírus com qualquer vacina que esteja à disposição.
"Na semana que vem, eu vou tomar a minha vacina, não me importa de que país, não me importa se é uma ou duas, eu vou tomar minha vacina, e quero fazer propaganda para o povo brasileiro", afirmou.
"Não siga nenhuma decisão imbecil do presidente da República e do ministro da Saúde, tome vacina. Tome vacina, porque a vacina é uma das coisas que pode livrar você do covid."
"E não ache que você possa tomar a vacina e já tirar a camisa, ir pro boteco, pedir uma cerveja gelada e ficar conversando, não! Você precisa continuar fazendo o isolamento, e você precisa continuar usando máscara e utilizando álcool em gel."
O ex-presidente também agradeceu "os heróis do SUS" pelo seu trabalho e lamentou o fechamento de negócios na pandemia, dizendo que é responsabilidade do governo encontrar uma solução para esse problema.
Lula diz também que precisa "montar uma frente ampla para combater a pandemia, para as vacinas" e que não é hora de "gastar energia" pensando em disputa eleitoral.
Armamento, Forças Armadas e Polícia
O ex-presidente se posicionou contra o armamento da população e fez um aceno à Polícia e às Forças Armadas.
"Quem está precisando de arma são as nossas Forças Armadas. Quem está precisando de arma é a nossa Polícia, que muitas vezes sai para combater o crime com um 38 velho enferrujado", afirmou.
Disse que defende as Forças Armadas muito bem preparadas e muito bem treinadas.
"Em oito anos de presidência, nunca tive problema com os militares", afirmou, acrescentando que foi o presidente que mais investiu no Exército, na Marinha e na Aeronáutica.
Questionado sobre nota do Clube Militar criticando a decisão de Fachin de anular suas condenações, Lula minimizou a fala de militares da reserva e disse ser possível ter uma boa relação com as Forças Armadas.
No entanto, ele criticou a manifestação do general Eduardo Villas Bôas, que em 2018, quando comandava o Exército, publicou um tuíte pressionando o STF a não conceder habeas corpus a Lula — manifestação que este ano foi repreendida por Fachin.
"Eu acho que o Villas Boas errou grave, e o Fachin errou de demorar três anos para comentar a pressão que ele fez. Mas eu acho que é plenamente possível a gente estabelecer uma relação democrática, muito civilizada, com os militares, para definir o que eles vão fazer na Constituição. E a gente pode trabalhar muito tranquilamente", disse.
"Por isso que não podemos ficar preocupados com um ou outro discursinho de pessoas que já estão aposentadas", afirmou, em relação a manifestações de militares da reserva.
Críticas a Bolsonaro
Lula afirmou que as fake news elegeram o presidente Jair Bolsonaro. "Esse país não tem governo", disse o petista.
"Esse país não cuida da economia, não cuida do emprego, do salário, da Saúde, do meio ambiente, da Educação, do jovem, da menina da periferia. Ou seja, do que que eles cuidam?", questionou.
"Há quantos anos vocês não ouvem as palavras 'investimento', 'desenvolvimento' e 'distribuição de renda'?
O petista disse ainda que Bolsonaro "não sabe o que é ser presidente da República." "A vida inteira ele não foi nada. Ele nem era capitão, era tenente, foi promovido porque se aposentou."
Também afirmou que defende a Ciência: "O planeta é redondo. [O Bolsonaro] tem um astronauta no seu governo, ele voou num foguete quando eu era presidente. Se ele não dormiu, ele viu que a Terra é redonda", afirmou.
Fachin, Moro e Dallagnoll
Lula agradeceu o ministro Fachin por sua decisão que anulou as condenações e voltou a afirmar sua inocência. "Fiquei feliz com a verdade", afirmou.
Disse que sempre soube que esse dia chegaria e que chegou quando Fachin "reconheceu que nunca teve crime cometido por mim".
Na verdade, Fachin reconheceu apenas que Curitiba não tem competência para julgar o seu caso. Não tomou nenhuma decisão sobre mérito.
Lula também chamou os procuradores da Lava Jato de "quadrilha" e disse que o ex-juiz Sergio Moro e o promotor Deltan Dallagnol devem estar sofrendo mais que ele.
"Moro sabia que a única forma de me pegar era pela Lava Jato. Eles tinham como obsessão, queriam criar um partido político. Mas a verdade prevaleceu", afirmou.
Liberdade de imprensa
Lula criticou o tratamento dado a ele pela mídia, mas defendeu a liberdade de imprensa. "Nem o Roberto Marinho [fundador do grupo Globo] gosta mais da imprensa do que eu", disse.
"É para isso que nós precisamos de imprensa livre. Não é uma imprensa que divulgue o que ela, ideologicamente, quer. A ideologia tem que ficar no cantinho, num editorial"
Brasil na cena internacional
Lula agradeceu a líderes internacionais que o apoiaram e afirmou que o presidente argentino, Alberto Fernandes, foi a primeira pessoa a lhe telefonar após a decisão de Fachin.
Também falou de economia e da posição do Brasil no mundo, dizendo que, quando governava, "o país era internacionalmente respeitado e tinha um projeto de nação".
"No tempo em que o PT governava esse país chegou a ser a sexta economia do mundo. Eu brincava com a França e a Inglaterra: eu já passei vocês, agora quero passar a Alemanha."
Economia
Lula disse que é contra a autonomia do Banco Central, que isso "não interessa ao trabalhador", mas afirmou que não sabe "qual mercado" está receoso que ele se candidate.
"O que o mercado quer? O mercado quer ganhar dinheiro investindo em coisas produtivas? O mercado tem que gostar de mim. O mercado quer ganhar dinheiro com a população consumindo? Tem que gostar de mim. Mas se o mercado quer ganhar dinheiro às custas da venda do patrimônio nacional, é melhor ter medo mesmo."
"Eu até gostaria de ver um dia esse mercado dizendo 'esse demônio Lula', de quem eles puxaram o saco durante tanto tempo", afirmou. "Eu nunca tive medo de conversar com eles. Vamos pegar os dados econômicos de quando eu entrei no governo e de quando eu sai."
Ciro Gomes e eleições
Questionado sobre a possibilidade de formar uma frente ampla com Ciro Gomes (PDT), disse que ele "precisa amadurecer".
Após a decisão de Fachin, Gomes afirmou que, "no caso de Moro, Lula é inocente, mas não dá para dizer que ele é honesto".
"Se o Ciro quer ser presidente desse país, ele precisa amadurecer. Ele tem [quase] 64 anos e não pode ficar falando a meninices que ele achava que era engraçado quando ele era jovem", afirmou.
"Se ele continuar com essas grosserias todas, ele não vai ter apoio da esquerda, não vai ter o respeito da direta e vai ter menos votos do que teve na eleição de 2018", afirmou o ex-presidente, criticando o tratamento dado pelo pedetista à ex-presidente Dilma Rousseff, a quem se referiu como um "aborto".
"Se ele quiser ganhar confiança e responsabilidade, ele precisa aprender a tratar as pessoas com respeito", disse.
Também afirmou que aliança com partidos como PSDB e PCdoB "não é frente ampla", mas "frente de esquerda", o que já é feito há anos. "Precisamos falar com mais setores", disse.
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