Laudos feitos por peritos do Ministério Público (MP) da Bahia e do Rio questionam a versão de que o miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega, o capitão Adriano, foi morto após reagir à bala à prisão, no interior baiano, em fevereiro de 2020.
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Miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega foi baleado a pelo menos 1,5mMulher que alugou casa para miliciano morto na Bahia é investigadaMiliciano morto na Bahia teria transferido mais de R$ 400 mil para QueirozBaseado em duas necropsias, o resultado da análise diverge do inquérito da Polícia Civil da Bahia. A investigação concluiu que o acusado de chefiar o Escritório do Crime e também citado no caso das "rachadinhas" no gabinete do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) morreu em confronto.
A ex-mulher e a mãe de Adriano eram assessoras presumivelmente fantasmas do parlamentar, no suposto esquema para desviar salários para o próprio deputado, quando era deputado estadual. Por ele, Flávio foi denunciado à Justiça, com outras 16 pessoas, por peculato (desvio de dinheiro por servidor), organização criminosa, lavagem de dinheiro e apropriação indébita.
O inquérito policial concluído em agosto do ano passado também descartou qualquer hipótese de que Adriano tenha sido torturado antes de ser executado. Segundo a polícia baiana, um corte na cabeça usado para questionar se ele teria sofrido coronhadas de armas dos policiais seria, na verdade, um ferimento produzido após a queda dele já baleado. O ex-PM teria batido em algum objeto - que pode ser uma quina, por exemplo.
Em depoimento ao Fantástico, o perito e professor titular de Medicina Legal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Nelson Massini, disse que em três aspectos a versão dos policiais não bate com a da perícia.
"Há um disparo que entra tangencialmente pela lateral do tórax do abdômen, segue o trajeto sai daqui e reentra no corpo e é um tiro que provavelmente a vítima já estava deitada. Isso tem que ser esclarecido. Esse tiro, deveria entrar e sair numa posição paralela ao solo", diz o perito Nelson Massini, destacando que o trajeto do projétil é incompatível com a posição declarada dos atiradores e da vítima.
O outro ponto diz respeito à ausência de vestígios de pólvora nas mãos de Adriano. Massini afirma que é muito pouco provável que ele tenha dado sete tiros e nada tenha sido encontrado. "Foi feito um exame não apropriado que é um exame químico para verificação do resíduo de pólvora e não se usa mais. Hoje o exame é apropriado é uma microscopia de varredura. Isso fala a favor de que ele não atirou a princípio, mas é preciso justificar o porquê dessa negatividade", diz.
O perito trata ainda das lesões que o ex-policial tinha na região da cabeça. Massini diz que elas geraram reação vital, e teriam ocorrido enquanto o miliciano estava vivo, o que não foi explicado. "Em que momento isso foi feito? Por que, se você teve a oportunidade de se aproximar dele e dar essas pancadas na cabeça, por que não prender?".
A Secretaria de Segurança da Bahia disse ao Fantástico em nota que não recebeu os novos questionamentos feitos pelo Ministério Público da Bahia. Já o MP afirmou que já enviou as perguntas sobre o laudo de necropsia. A Secretaria não comentou a ação dos policiais militares que resultou na morte de Adriano da Nóbrega.
Condecorado por Flávio Bolsonaro
Quando estava preso, em 2005, Adriano recebeu, por iniciativa de Flávio Bolsonaro, a Medalha Tiradentes, mais alta condecoração da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). Na semana passada o Ministério Público do Rio de Janeiro deflagrou a Operação Gárgula para desmantelar uma suposta organização criminosa responsável pela movimentação financeira e lavagem de dinheiro de Adriano.
O objetivo era cumprir mandados de prisão preventiva contra a viúva de Adriano, Julia Emilia Mello Lotufo, o soldado da PM Rodrigo Bitencourt Fernandes Pereira do Rego e Daniel Haddad Bittencourt Fernandes Leal.
A Justiça do Rio também determinou o sequestro do Haras Fazenda Modelo e de automóveis, além do bloqueio de R$ 8,4 milhões, correspondentes ao valor constatado em movimentações dos investigados. De acordo com o Fantástico, a quadrilha do miliciano tinha lucro de cerca de R$ 2 milhões por mês.
Ao todo, nove pessoas foram denunciadas à 1ª Vara Criminal Especializada da Capital por crimes de associação criminosa, agiotagem e lavagem de dinheiro,. Os acusados são integrantes da rede de apoio de Capitão Adriano, responsáveis por lavar o dinheiro obtido pelo miliciano.
Apontada como chefe da organização que geria o dinheiro de Adriano, a mulher dele, Julia, segue foragida. "A gente não tem informação de onde ela está, nem se está morta ou viva", disse ao programa o promotor Bruno Gangoni, coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado, o Gaeco.
Flávio Bolsonaro nega que houvesse "rachadinha" em seu gabinete. A condecoração a Adriano teria sido concedida em homenagem à sua atuação como policial, em uma época em que supostas ligações do suspeito com atividades criminosas não eram conhecidas.