Herança do ordenamento jurídico ditadura, a Lei de Segurança Nacional (LSN) tem reacendido debates na esteira da explosão de investigações abertas pela Polícia Federal (PF) com base no dispositivo no governo Jair Bolsonaro. Um levantamento do Estadão mostrou que o número de procedimentos aumentou 285% nos primeiros dois anos da gestão bolsonarista em comparação com o mesmo período dos governos Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB).
Além de ter gerado uma corrida ao Supremo Tribunal Federal (STF), com ações apresentadas por partidos de oposição, centro e até da base do governo para derrubar trechos da legislação, o desenterro da LSN também provocou reação do lado oposto da Praça dos Três Poderes: há pelo menos 23 projetos de lei protocolados no Congresso que voltaram a repercutir nas Casas Legislativas.
Os mais recentes foram formalizados pelo senador Cid Gomes (PDT-CE), que propõe a derrubada da lei e, para evitar uma lacuna na legislação, a aprovação novos mecanismos de preservação da ordem e da democracia na forma de um estatuto mais enxuto, e pelo deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP), que sugere a criação da Lei em Defesa do Estado Democrático de Direito no lugar da LSN
Herança ditatorial
A Lei da Segurança Nacional foi sancionada pelo presidente João Figueiredo em 1983 para listar crimes que afetem a ordem política e social - incluindo aqueles cometidos contra a democracia, a soberania nacional, as instituições e a pessoa do presidente da República.
Entre juristas, a avaliação é a de que a lei carrega uma herança ditatorial desde seu nascedouro. "A Lei de Segurança Nacional, editada na ditadura militar, tem que ser revogada, porque o conceito de segurança nacional está marcado pelo cunho da perseguição política, como agora, quando a lei vem sendo usada como instrumento de intimidação aos críticos do governo", defendeu a professora de Direito Internacional da UFRJ Carol Proner, que ajudou a elaborar o PL apresentado por Paulo Pimenta na Câmara, em seminário virtual promovido pelo Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) para discutir a lei.
"No Brasil, o histórico da LSN tem sido o de reprimir os adversários políticos do regime", lembrou a acadêmica. "A primeira LSN, editada em 1935, transferiu os crimes de ameaça ao Estado para a nova lei, no intuito de dar mais instrumentos de intimidação aos opositores da ditadura de Vargas", acrescentou.
O IAB tem se engajado nas propostas de reforma da lei e, além do ciclo de debates com especialistas, formalizou um pedido para entrar como parte interessada ("amicus curiae") nas ações em curso no Supremo. "A advocacia precisa agir para conter o desmonte do Estado social, o esvaziamento das políticas públicas e as ameaças ao estado democrático de direito que marcam os tempos atuais", disse a presidente do instituto, Rita Cortez, no evento.
Assessor da Presidência do IAB para Assuntos Legislativos, o advogado e ex-deputado federal constituinte Miro Teixeira fez críticas ao Supremo Tribunal Federal ao comentar a ordem de prisão do deputado federal bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ) com base na lei. "O uso da LSN tem ocorrido porque o Supremo, absurdamente, recorreu a ela para a instauração do inquérito que investiga as fake news", lembrou. "Temos visto absurdos e sucessivos atos e manifestações de desrespeito à Constituição Federal e à democracia".
Francisco Carlos Teixeira da Silva, fundador do Laboratório de Estudos do Tempo Presente, também criticou a manutenção da LSN. Na avaliação do pesquisador, o uso da lei para enquadrar opositores do governo é uma espécie de cortina de fumaça. "Para desviar a sua incapacidade administrativa e ocultar essa montanha de corpos formada por mais de 310 mil mortos, o presidente vive criando crises", disse.
Na mesma linha, o criminalista e ex-defensor público da Justiça Militar Federal, Nélio Machado, criticou a postura de Bolsonaro e defendeu a reforma da lei. "O Brasil tem hoje um presidente que recorre à LSN para tentar intimidar os seus críticos, mas que infringiu essa mesma lei, razão pela qual foi expulso do Exército, por planejar explodir bombas em quartéis, em protesto contra os baixos salários dos militares", disparou.
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