Brasília – Antes mesmo de começar a funcionar, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado que vai apurar a atuação do governo ao longo da pandemia de COVID-19 e os repasses federais para estados e municípios produziu efeitos imediatos. Alguns são preocupantes, como o aumento da tensão entre os poderes e novas ameaças à estabilidade democrática.
A partir do início das investigações, que deve ocorrer nesta semana, o Brasil voltará a viver uma experiência que, em outros momentos da história nacional, foi marcada por graves repercussões políticas e jurídicas. Não deve ser diferente desta vez, diante de um acervo de provas e indícios à disposição para os senadores apurarem as responsabilidades pelo fracasso brasileiro no combate ao novo coronavírus.
A partir do início das investigações, que deve ocorrer nesta semana, o Brasil voltará a viver uma experiência que, em outros momentos da história nacional, foi marcada por graves repercussões políticas e jurídicas. Não deve ser diferente desta vez, diante de um acervo de provas e indícios à disposição para os senadores apurarem as responsabilidades pelo fracasso brasileiro no combate ao novo coronavírus.
A CPI – instalada na semana passada, no pior momento da pandemia no país, com média diária de mortes causadas acima de 3 mil – será o principal desafio político do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) desde a posse no cargo. É a repercussão mais grave da opção que ele fez de politizar as discussões sobre as medidas de combate à disseminação do coronavírus, em confrontos com governadores, o Supremo Tribunal Federal (STF) e a comunidade científica.
A ordem do ministro Luis Roberto Barroso, do STF, para a instalação imediata da comissão de inquérito, atendendo a mandado de segurança dos senadores Jorge Kajuru (Cidadania-Go) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE), rompeu a blindagem de Bolsonaro no Congresso, até então representada pelos presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), eleitos para os cargos com o apoio do governo. Após a decisão judicial, o chefe do Executivo voltou a atacar o STF e a ameaçar com a possível adoção de “medidas duras”, sem explicar, no entanto, do que se trata.
Alvo de mais de 100 processos de impeachment protocolados na Câmara, Bolsonaro tem pela frente os desgastes com o funcionamento, por pelo menos 90 dias, de uma comissão parlamentar que vai apurar a falta de rumos do governo no enfrentamento da pandemia. A grave crise na rede de saúde de Manaus (AM), ocorrida em janeiro, quando cerca de 30 pacientes com COVID-19 morreram por falta de oxigênio nos hospitais, é um dos focos prioritários da CPI. Nesse caso, um conjunto de fatores aponta para responsabilidades do então ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello.
Em um momento de alta polarização política, as investigações serão realizadas por uma CPI formada, majoritariamente, por senadores não alinhados ao governo. Dos 11 titulares, apenas quatro são aliados do presidente Bolsonaro. Outro ponto desfavorável é que o MDB, que tem a maior bancada no Senado, indicou Renan Calheiros (AL) para ser o relator da comissão. O parlamentar alagoano ainda não conseguiu engolir a manobra orquestrada pelo Planalto, que levou o partido a abandonar a candidatura própria na eleição à presidência do Senado, em fevereiro, o que favoreceu a vitória de Rodrigo Pacheco.
Calheiros faz parte da chamada ala independente da CPI, formada por senadores que votam a favor de projetos de interesse do Executivo, sem deixar de lado, porém, críticas à atuação federal na pandemia. Desse grupo também fazem parte Omar Aziz, escolhido para presidir o colegiado; Eduardo Braga (MDB-AM), Otto Alencar (PSD-BA) e Tasso Jereissati (PSDB-CE). A oposição, por sua vez, conta com Humberto Costa (PT-PE) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP), autor do requerimento de criação da comissão. A ala bolsonarista é formada pelos senadores Ciro Nogueira (PP-PI), Marcos Rogério (DEM-RO), Jorginho Mello (PL-SC) e Eduardo Girão (Podemos-CE).
Com poderes de investigação próprios das autoridades judiciais assegurados pela Constituição, a CPI poderá convocar investigados e testemunhas para depoimentos, requisitar informações e documentos sigilosos, entre outras diligências. Também tem competência para quebrar o sigilo bancário, fiscal e telefônico de alvos da investigação. Concluídos os trabalhos, é apresentado um relatório final, que pode incluir propostas de lei e envio das investigações ao Ministério Público, para responsabilizações cíveis e criminais. Do ponto de vista político, as repercussões, dependendo das conclusões da CPI, podem colocar em risco os mandatos das autoridades envolvidas.
Disputas
O advogado Cláudio Timm, especialista em direito administrativo, sócio do TozziniFreire Advogados, considera que a comissão parlamentar terá à disposição um amplo acervo probatório – documentos e declarações públicas de autoridades – para a apuração de responsabilidades também nos estados e municípios. Na semana passada, por exemplo, um relatório de 94 páginas da unidade técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) levou o ministro Benjamin Zymler, do órgão de controle, a propor a abertura de processo para apurar indícios de omissão do Ministério da Saúde na elaboração de uma política de assistência farmacêutica voltada a estados e municípios.
“Entendo que a CPI da Pandemia conseguirá, sim, reunir um bom acervo probatório para conduzir suas investigações. As CPIs têm poderes para reunir grande volume de documentos e informações”, disse o advogado. Para o cientista político André Pereira César, da Hold Assessoria Legislativa, a inclusão dos governadores como potenciais investigados, além de desviar o foco do governo federal, pode também antecipar as disputas para as eleições estaduais do ano que vem. Quanto ao pleito presidencial, observa, “os embates foram antecipados por Bolsonaro desde o início da crise sanitária e, com a CPI, devem se agravar ainda mais”.