Uma reunião para tratar das investigações sobre possíveis irregularidades na vacinação contra a COVID-19 de servidores da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) pode ter sido palco de articulações para obstruir investigações sobre o caso.
O áudio do encontro, obtido pelo Estado de Minas, dá indícios de que profissionais do setor mudaram subordinados do home office para o trabalho presencial como forma de protegê-los ante apurações feitas pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e pela Assembleia Legislativa.
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O conteúdo da gravação foi revelado, primeiramente, pela Rádio Itatiaia. Ao EM, o presidente da CPI da Assembleia, João Vítor Xavier (CPI), disse que um servidor da saúde estadual, responsável por fazer a interlocução entre Legislativo e o governo estadual, confirmou a veracidade do áudio.
O João ouvido na gravação cita que a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) criada pela Assembleia para investigar possíveis “fura-filas” e o MPMG solicitaram documentos detalhando se os imunizados estavam em home office ou em trabalho de campo à época da aplicação das injeções.
Os órgãos de investigação pedem, ainda, que seja informado o regime de trabalho dos vacinados à época da reunião.
Ele, então, sugere que funcionários vacinados em home office voltem ao trabalho presencial para que ele possa alterar o documento a ser enviado às autoridades.
“Acho que seria mais seguro para vocês se passassem a ter regime presencial e que o documento indicasse isso”, diz.
O interlocutor sugere aos demais participantes que façam expediente presencial durante a maior parte dos dias úteis. “Eu não manteria o regime de teletrabalho, de forma alguma. Passaria a vir quatro vezes por semana, no mínimo. Se fosse eu, particularmente, até viria todos os dias da semana, por precaução, mesmo que em alguns dias venha (por) menos horas”, pontua.
A proposta recebe a concordância de um dos ouvintes. “Se é a saída mais segura, vamos nela”.
Durante o encontro, ocorrido em uma sexta-feira sem data detalhada no áudio, um dos participantes confirma ter recebido a segunda dose da vacina três dias antes.
Eles tratam, ainda, de estratégias para explicar que, mesmo com o retorno ao regime presencial, alguns trabalharam de casa em certas ocasiões por causa de motivos como o agravamento da pandemia e a troca de comando na Secretaria de Saúde – por conta do escândalo, Carlos Eduardo Amaral foi substituído por Fábio Baccheretti, em 13 de março.
Os servidores relatam, também, os constrangimentos sofridos por constarem na lista de investigados. Mais de 800 profissionais da Saúde estadual que trabalham na Cidade Administrativa estão na mira de MPMG e ALMG. Há, ainda, 1.852 lotados no interior, cuja situação também é apurada.
A divulgação do áudio fez o chefe de gabinete, João Pinho, e o chefe da assessoria de comunicação da Saúde, Everton Souza, que estava na reunião, serem exonerados.
Os desligamentos vão constar na edição desta sexta-feira (23/4) do Diário Oficial do Estado. (Leia a nota do governo estadual ao fim deste texto).
CPI vai apressar depoimento de chefe de gabinete
A manobra indignou os deputados que compõem a CPI dos Fura-fila. “Além de ilegal, é absolutamente imoral”, disparou João Vítor Xavier. “Se alguém tinha dúvida do motivo da CPI, depois dessa gravação não precisa mais ter”, sustentou.O grupo se reúne em caráter extraordinário nesta sexta. O objetivo é aprovar a convocação de João Pinho para depor como investigado.
O áudio conta, também, com trechos em que os participantes da conferência falam que a postura do governador Romeu Zema (Novo), ao admitir que pessoas em home office foram vacinadas, foi prejudicial.
“Servidores da Saúde do estado admitem que orientaram o governador para que ele não continuasse dizendo a verdade. Quando o governador admitiu que pessoas em home office tomaram a vacina, isso incomodou as pessoas na secretaria”, criticou João Vítor Xavier.
Vacinação não considerou diretrizes do governo federal
Nesta quinta (22), os integrantes da CPI ouviram Janaína Passos, subsecretária de Vigilância em Saúde. Segundo ela, as chefias de cada subsecretaria ficaram responsáveis por definir os servidores vacinados.
Janaína explicou que, após isso, não houve quem conferisse se os profissionais citados nos documentos tinham, de fato, direito às doses naquele momento, conforme as diretrizes do Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação.
Ao estruturar a vacinação de seus profissionais, a SES-MG observou apenas os critérios de um memorando interno.
“Não foi feito o crivo se estava certo ou errado, não sei informar o que ocorreu ou se houve algum erro. Apenas filtramos a planilha de acordo com o memorando e determinamos a ordem de vacinação daquelas pessoas que foram solicitadas, fizemos o escalonamento das pessoas cuja vacinação nos foi pedida”, falou.
Nota do governo mineiro sobre o caso
O Governo de Minas informa que o chefe de Gabinete da Secretaria de Estado de Saúde (SES), João Pinho, e o assessor-chefe de comunicação da SES, Everton Souza, terão suas exonerações publicadas na edição de sexta-feira (23) do Diário Oficial. O Governo de Minas reitera seu compromisso com a transparência e reafirma que todas as denúncias relativas ao processo de vacinação de servidores são apuradas por órgãos de controle, com total colaboração do governo estadual.