Brasília – Após sobreviver a uma reforma ministerial apesar da pressão pela demissão, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles,se mantém no cargo após a Cúpula dos Líderes sobre o Clima na semana passada, convocada pelo presidente dos EUA, Joe Biden.
Depois da saída do chanceler Ernesto Araújo, figura importante na ala ideológica do governo, as apostas se voltaram contra Salles. Araújo já era alvo de muitas críticas pela postura ideológica, rusgas com a embaixada chinesa, mas o fator preponderante para sua saída partiu do Congresso Nacional.
A situação do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello foi parecida: o general já era criticado havia meses pela condução das ações do governo no âmbito da pandemia e acabou exonerado após grande pressão do Centrão, apesar de ser prestigiado por Bolsonaro; que cumpria o que o chefe desejava. Enquanto isso, Salles continuou: mesmo após falar em "passar a boiada" e enfrentar o ano de maior queimada do Pantanal, fato que gerou críticas internacionais.
Nos bastidores do Congresso, o que se fala é que havia unanimidade em relação às críticas sobre a atuação de Ernesto Araújo. A gestão de Salles é rechaçada por ambientalistas, por pessoas ligadas ao agronegócio, como a senadora Kátia Abreu (PP-TO), e pela oposição. Mas as críticas a ele não são unanimidade no Legislativo: além dos parlamentares da base, há quem o defenda. Além disso, conforme um integrante do PP na Câmara, na condição de anonimato, não há um nome ou mesmo uma legenda especificamente interessada no cargo do MMA, pasta vista como "espinhosa".
Apesar disso, há diversas críticas a Salles no do Centrão. O vice-presidente da Câmara, por exemplo, Marcelo Ramos (PL-AM), já atacou várias vezes a gestão ambiental do governo, dizendo que o país corre risco de lidar com barreiras comerciais. Ele cobra ação enérgica do governo em relação ao ministro, alvo de uma notícia-crime apresentada ao Supremo Tribunal Federal (STF) pela Polícia Federal dias antes da cúpula.
No mesmo dia em que a peça foi enviada, a PF anunciou a mudança do superintendente da corporação no Amazonas, Alexandre Saraiva. Ele acusa Salles de "organização criminosa" e por tentar "obstar investigação", e disse que o ministro teria atuado para proteger madeireiros ilegais ao apoiar desmate e tráfico de 200 mil metros cúbicos de madeira. O material está avaliado em R$ 130 milhões.
Vice-líder do governo, o deputado Evair Vieira de Melo (PP-ES), da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), defende que Salles está consolidado na Esplanada. "Ele tem posições conhecidas por nós. A crítica é de quem não é da base do governo, de quem acha que o modelo é outro. Mas ele está tocando a pauta, faz o enfrentamento necessário de algumas agendas", opinou.
O deputado federal e líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ), ressalta que o suporte ao ministro vem do alinhamento com Bolsonaro e do apoio da bancada ruralista. “Ele faz tudo o que o chefe manda.
Tem ainda a bancada ruralista que o apoia e não entendeu o tamanho do prejuízo que ele traz ao agronegócio e às nossas exportações. O agronegócio mais moderno sabe que ele é um problema, mas o tradicional ainda não entendeu. Vamos continuar lutando para que ele saia. É um antiministro por decisão própria, porque teria todas as condições para ser bom ministro, mas escolheu fazer o que o chefe manda”, apontou.
“Não é marinheiro de primeira viagem”
Brasília - Sociólogo e cientista político da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Paulo Baía afirma que, diferentemente do ex-chanceler Ernesto Araújo, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. tem tradição de ocupar cargos públicos, já tendo sido secretário de Meio Ambiente do governo de São Paulo, na gestão de Geraldo Alckmin (PSDB).
Baía diz que a pressão contra o titular da pasta é grande por uma parcela do agronegócio que observa os prejuízos internacionais que o país enfrenta com a gestão. Mas que o ministro tem o apoio do setor empresarial de São Paulo, o que ajuda a mantê-lo na posição. "Salles tem uma trajetória na gestão do meio ambiente enfrentando o meio ambiente, que não se inaugurou no governo Bolsonaro. Ele não é marinheiro de primeira viagem", avalia.
Analista político do portal Inteligência Política, Melillo Dinis afirma que Salles se mantém no cargo por três movimentos: por cumprir a agenda do presidente; por ter apoio de um segmento do agro ligado a madeireiros e grileiros (que trabalham com o ilícito ambiental), e porque não há uma hipótese forte de um substituto. “Salles cumpre uma agenda de desmatador de aluguel com um cinismo que raramente se vê, exceto no próprio presidente, portanto funciona como espelho”, diz.
Para o cientista político da Universidade Presbiteriana Mackenzie Rodrigo Prando, Salles mostra-se resiliente. "O ministro tem enorme identificação com o governo, com as ideias do presidente de que a natureza deve ser explorada para gerar recursos econômicos, fora as questões ideológicas.
Salles também tem apoio de bancadas no Congresso, mas isso pode mudar. Temos o exemplo da saída do chanceler que em termos de bolsonarismo tinha identificação forte também e foi demitido. Pode acontecer com Salles se a notícia-crime prosseguir e a situação ficar insustentável."