O Orçamento de 2021 foi finalmente sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro, privilegiando a política em detrimento de despesas com a máquina pública que podem custar caro aos brasileiros. O corte de R$ 29,1 bilhões em emendas parlamentares e despesas não obrigatórias por meio de vetos e bloqueios ajudaram a apaziguar os ânimos da base aliada, mas não resolverá os problemas das contas públicas deste ano. O quadro não é nada animador, segundo dados da Nota Técnica 47 da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado Federal, divulgada, ontem. A entidade alerta para o aumento do risco de apagão da máquina pública, prejudicando serviços para a população.
Leia Mais
Polícia Federal apura uso de R$ 2,2 bi do SUS em 23 estadosTasso admite que gostaria de ser o 'Biden brasileiro'Programa social de Michelle Bolsonaro gasta mais do que arrecada em doaçõesParlamentares de MG buscam driblar cortes no orçamento para garantir obrasCongresso quer derrubar vetos de Bolsonaro ao Orçamento para manter obrasConforme o levantamento feito pelos economistas Felipe Salto, Daniel Couri e Pedro Henrique Souza, analisando os cortes na Lei Orçamentária Anual (LOA) deste ano e as atuais projeções fiscais do governo, as despesas discricionárias do Poder Executivo, atingiram “o menor nível da série”, de R$ 74,6 bilhões. Para os economistas da IFI, o risco de shutdown será uma ameaça constante ao longo do ano e não deve parar apenas com o cancelamento do Censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
“O que nossa nota fez foi mostrar os dados fiscais após os cortes no Orçamento, de um lado, e as áreas afetadas, com detalhamento dentro de cada ministério, de outro. A situação é bastante preocupante. Ainda que tenha diminuído o risco de romper o teto de gastos, aumentou o risco de shutdown. E essa paralisação da máquina não acontece de uma hora para outra. Ela já está acontecendo. O caso emblemático é o do Censo do IBGE. Mas, como este, poderá haver muitos”, alertou Felipe Salto, diretor-executivo da IFI.
As despesas discricionárias são aquelas que podem ser cortadas no Orçamento, mas são fundamentais para o funcionamento da máquina pública. Para a sanção da LOA, o presidente vetou R$ 19,8 bilhões em emendas parlamentares (R$ 11,9 bilhões) e em supressão de despesas discricionárias (R$ 7,9 bilhões). Além disso, bloqueou R$ 9,3 bilhões de gastos não obrigatórios do Executivo via decreto de contingenciamento. Com esses cortes, considerando os demais Poderes, as despesas discricionárias prevista na LOA ficaram em R$ 84,4 bilhões, e, incluindo as emendas parlamentares, passaram para R$ 101,1 bilhões.
Ao ser questionado na sexta-feira (23) durante a breve entrevista sobre a LOA de 2021, o secretário especial da Fazenda, Waldery Rodrigues, descartou o risco de shutdown no funcionalismo e, ao mesmo tempo, anunciou o cancelamento do Censo neste ano. Logo, não convenceu.
Desobediência
A procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo, Élida Graziane Pinto, criticou a suspensão do Censo, pesquisa feita a cada 10 anos para ajudar no mapeamento do país e no desenvolvimento de políticas públicas para os governos federal e regionais e que está prevista na Constituição. “Vejo uma forma errada de tratar as despesas definidas em lei como obrigações, como o Censo, que tem previsão legal para sua realização decenal. A fila de espera do Bolsa Família e o cancelamento do Censo são ilegais nesse sentido”, alertou. Para ela, o Executivo está descumprindo o que a Constituição determina. “O Censo uma despesa obrigatória que foi negligenciada. E há outros serviços que podem ser afetados, inclusive, os repasses aos municípios via Fundo de Participação dos Municípios (FPM) dependem dos dados do Censo”, acrescentou.
Dos R$ 49,2 bilhões de emendas parlamentares aprovadas no autógrafo do Congresso, Bolsonaro vetou R$ 11,9 bilhões, sendo R$ 10,5 bilhões do relator e R$1,4 bilhão de comissões. E uma das principais polêmicas do Orçamento de 2021 foram as emendas do relator-geral, o senador Márcio Bittar (MDB-AC), que somaram R$ 29 bilhões, partindo, inclusive, de cortes de R$ 26,5 bilhões de despesas obrigatórias, incluindo aposentadorias.
O relatório da IFI destacou que o Ministério do Desenvolvimento Regional foi a pasta que sofreu os maiores cortes das emendas do relator, de R$ 5,5 bilhões dos R$ 11,6 bilhões em emendas adicionais com a aprovação da LOA. “Mesmo com esse volume de cortes, o ministério ainda apresenta o segundo maior valor em emendas de relator-geral (R$ 6 bilhões)”, destacou o relatório. Foram vetadas todas as emendas de cinco ministérios: Justiça e Segurança Pública, Infraestrutura, Comunicações, Meio Ambiente e Turismo. Juntos, estes vetos somam R$ 2,3 bilhões (21,2% do total de vetos). Assim, o total de emendas de relator-geral após sanção ficou em R$ 18,5 bilhões.
Apesar das promessas de Bolsonaro da Cúpula do Clima de dobrar os recursos para a fiscalização contra o desmatamento, no Meio Ambiente os cortes acabaram se concentrando no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e no Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), mas acabaram sendo recompostos pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Sales, após as críticas. O montante pedido por Salles foi divido em R$ 72 milhões para o ICMBio, R$ 56 milhões de recomposição orçamentária para o Ibama e outros R$ 142 milhões para reforço adicional para ações de fiscalização também do Ibama.
Pelos cálculos da IFI, os dados do autógrafo do Congresso para a LOA apontavam um estouro de R$ 31,9 bilhões no limite do teto de gastos—emenda constitucional que limita o aumento de despesas à inflação do ano anterior —, mas, apesar de o corte anunciado ter sido inferior, o governo o risco de rompimento do teto neste ano é “moderado”.
Vale lembrar que o Congresso alterou a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), retirando da regra do teto novos gastos extraordinários relacionados à pandemia, mas especialista reconhecem que há incertezas se emendas que foram cortadas poderiam ser incluídas nessa exceção.
Após críticas sobre os cortes do Orçamento, o Ministério da Economia emitiu uma nota, ontem, negando falta de recursos para a compra de vacina. Segundo a pasta, “não há nenhuma relação entre os créditos extraordinários para a Saúde e os recursos previstos para o custeio da máquina da pasta no Orçamento sancionado na quinta-feira (22)”.