Instalada em março, a comissão parlamentar de inquérito (CPI) criada pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais para apurar suspeita de vacinação irregular contra a COVID-19 de servidores da Secretaria de Estado de Saúde (SES) ganhou novos elementos no sábado.
Apuração preliminar feita pela Controladoria-Geral do Estado (CGE) aponta indícios de irregularidades na imunização, o que resultou em processos administrativos contra três funcionários da pasta.
“A partir de agora, temos que identificar os responsáveis”. Os parlamentares se debruçam também sobre áudio revelado na quinta-feira passada, que aponta possíveis combinações de servidores da pasta para tentar driblar a sindicância.
Exonerado pelo governador Romeu Zema (Novo) após a conversa vir a público, o ex-chefe de gabinete da pasta João Pinho, é apontado como o funcionário que propõe a subordinados deixar o regime de home office e retornar ao trabalho presencial.
A estratégia, argumenta, poderia justificar a mudança de documentos pedidos por CPI e Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) sobre o expediente adotado pelos servidores vacinados à época da aplicação das doses.
O episódio também gerou a demissão de Everton Souza do comando da assessoria de comunicação. “O que eles tentam fazer, na verdade, é dissimular irregularidades e ludibriar o Ministério Público e a Assembleia”, afirma João Vítor.
A CPI se prepara para ouvir os envolvidos na reunião. João Pinho e Everton Souza foram convocados a prestar depoimento como investigados. As explicações do ex-secretário de Saúde Carlos Eduardo Amaral, pivô do escândalo, serão dadas adiante.
Os trabalhos da CPI, que tem poderes de Justiça, foram “divididos”. Após os suspeitos de furar fila, os deputados vão tratar dos recursos aplicados pelo governo estadual no enfrentamento à pandemia.
“Todos os estados do Brasil aumentaram os investimentos em saúde no ano passado, exceto Minas Gerais. Queremos entender porque isso aconteceu”, explica João Vitor Xavier. A vacinação de trabalhadores do Legislativo também é investigada, bem como o caso do deputado estadual Professor Irineu (PSL), imunizado em Betim, na região metropolitana, mesmo fora da faixa etária contemplada à época.
Os deputados foram surpreendidos com o áudio de uma reunião em que servidores da SES articulam formas de mudar documentos para obstruir os trabalhos da CPI. Como isso altera o curso das investigações?
É muito grave o que aconteceu. Estamos falando de servidores que tentavam combinar uma versão para enganar uma CPI e o Ministério Público. Isso impacta de maneira profunda na CPI. Nos obrigou a transformar mais pessoas em investigados, a fazer novas oitivas e a ampliar o raio de ação que tínhamos. Isso também não deixa de confirmar aquilo que era a suspeita que levou à abertura da CPI, que irregularidades vinham acontecendo nesse processo de vacinação. O que eles tentam fazer, na verdade, é dissimular irregularidades e ludibriar o Ministério Público e a Assembleia.
Como os resultados obtidos pela Controladoria-Geral do Estado vão ser utilizados pelos deputados?
(As conclusões) só reforçam o que a Assembleia tem afirmado desde o início das investigações e da apuração da CPI: que há indícios muito robustos de irregularidades e que era preciso uma investigação. Está cada vez mais claro que, de fato, aconteceu processo de furar fila. Mas a investigação só vai ser concluída quando tivermos nomes e responsabilidades de cada um nesse processo. Assim que eles (a CGE) nos mandarem todos os dados, poderão colaborar para nossa investigação — e (as informações) serão utilizadas. Certamente, as pessoas identificadas pela Controladoria do Estado serão também investigadas pela Assembleia. (Colaborou Natasha Werneck)
Já é possível apontar conclusões obtidas pela CPI até este momento?
É muito claro que, de fato, tivemos falhas graves no processo de vacinação. É muito claro que tivemos pessoas vacinadas no momento inadequado, o que gera prejuízos para o processo de imunização de todo o estado. E, agora, fica mais claro ainda com os áudios que vieram a público. O que temos de fazer é uma conclusão indicando quem são os responsáveis por tais atos. Quem cometeu qual tipo de irregularidade. É nisso que estamos afunilando o trabalho. Irregularidades aconteceram — e isso é claro. A partir de agora, temos que identificar os responsáveis.
No centro das investigações, está Carlos Eduardo Amaral, ex-secretário de Saúde. Já há data para a oitiva dele?
Carlos Eduardo Amaral foi a mola propulsora desta CPI. Desde o primeiro momento, ele é tido como investigado. É natural que a oitiva dele fique para o final, até para que, como investigado, possa se defender de eventuais denúncias. Vamos, nesta semana, ouvir algumas testemunhas que já estavam marcadas. Vamos começar a ouvir os novos investigados elencados a partir do processo detonado ontem (quinta, dia da divulgação do áudio). Na sequência, pretendemos ouvir o ex-secretário e o ex-secretário adjunto (Luiz Marcelo Cabral Tavares).
Há algumas semanas, o senhor se queixou de uma superintendente da Saúde que se esquivou das perguntas durante o depoimento. Essa tem sido uma prática recorrente?
O áudio que veio a público mostra, claramente, que há uma articulação de pessoas da Secretaria de Estado de Saúde para blindar o processo. Algumas pessoas tentaram fazer uma organização e outras tiveram atitudes criminosas como as que ouvimos. Mas que há uma organização para tentar que as pessoas cheguem com um discurso pensado e defensivo, me parece muito claro. Isso aparece a toda hora. Mais do que nas oitivas, é o retrato da gravação. Há um processo deliberado para tentar esconder e minimizar fatos.
A CPI foi criada para investigar também questões ligadas à aplicação de recursos no sistema de saúde do estado. Já há direcionamentos para abordar esse ponto?
Cássio Soares (do PSD, relator da CPI) começou a preparar requerimentos que ele considera importantes de serem aprovados. Assim que terminarem as oitivas e análise de documentos (sobre a possível vacinação irregular de servidores), vamos para a segunda parte. Há um dado muito importante: todos os estados do Brasil aumentaram os investimentos em saúde no ano passado, exceto Minas Gerais. Queremos entender porque isso aconteceu. Em um momento de pandemia, onde o mundo inteiro investe mais em saúde, Minas investiu menos. Isso é o principal — e precisa ser esclarecido. Estamos falando da vida das pessoas no momento em que a sociedade mais precisa de saúde pública. Nunca os gastos com hospitais, CTIs, remédios, vacinas e servidores públicos foram tão grandes. O que aconteceu que, aqui, se gastou menos que no ano anterior enquanto todo mundo gastou mais? Todos os outros são incompetentes ou Minas Gerais é que optou em não investir em saúde no momento mais grave de sua história?
A CPI também apura possíveis irregularidades na vacinação de profissionais do Legislativo. A prefeitura de Betim confirmou que um deputado, Professor Irineu, se vacinou antes da hora. Como esse caso será tratado pela comissão?
Tratamos esse caso com a mesma importância dada a todos os outros. Aconteceu no âmbito de uma prefeitura - quem investiga as prefeituras são as câmaras municipais. Mas, por se tratar de um deputado e tudo o que isso representa simbolicamente, não queremos, e não seremos, omissos. Pedimos, respeitando a autonomia da Prefeitura de Betim - que só pode ser investigada pela Câmara Municipal da cidade - o compartilhamento das informações para que possamos ter os dados do que foi apurado. O que apurarmos por meio desta investigação feita com a Prefeitura de Betim será encaminhado às autoridades competentes: Ministério Público e, por tratar-se de um deputado, o Conselho de Ética da Assembleia.