Brasília - A primeira reunião no Senado da comissão parlamentar de inquérito (CPI) que vai investigar a atuação do governo federal no combate à pandemia de COVID-19 e o repasse de recursos para estados e municípios, prevista para amanhã, deve ser marcada por disputas pela presidência e pela relatoria do colegiado.
O senador cearense, por sua vez, tem defendido o nome de Marcos Rogério (DEM-RO) para a relatoria, em lugar de Renan Calheiros (MDB-AL). O senador Otto Alencar (PSD-BA), como membro mais idoso entre os titulares da comissão, presidirá a reunião inaugural da comissão.
Como Omar Aziz, Eduardo Girão integra a ala independente da CPI, mas tem a simpatia do Planalto por ser autor do requerimento que incluiu entre os alvos da comissão o uso de recursos federais por estados e municípios.
Girão também é um forte opositor do acordo de membros da CPI que resultou na indicação de Renan Calheiros para a relatoria – como o MDB tem a maior bancada do Senado, o partido teve a preferência para reivindicar a função. O senador alagoano, visto pelo governo como adversário, tem enfrentado ações judiciais e uma onda de ataques de bolsonaristas nas redes sociais.
Apesar de Calheiros contar com o apoio da maioria dos membros da comissão, Girão tem reafirmado que o colega deve ser declarado suspeito para assumir a relatoria da comissão, por ser pai do governador de Alagoas, Renan Filho (MDB). Em uma tentativa de frear as resistências, Calheiros publicou nas redes sociais, na sexta-feira, que se declara impedido de analisar qualquer caso envolvendo o governo de Alagoas.
O senador Humberto Costa (PT-PE), da ala oposicionista da CPI, critica a interferência do governo na comissão. Segundo ele, isso demonstra o temor do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e de aliados com a possível confirmação, pelas investigações, de uma série de falhas do Executivo no combate à pandemia.
“Eu acho que essa pressão do governo não vai ter efeito nenhum, porque a maioria dos integrantes da CPI tem o entendimento de que a comissão deve ser independente.
A indicação de Omar Aziz como presidente e de Renan Calheiros como relator representa essa independência”, disse o senador pernambucano. Ele acrescenta que “a pressão do governo não vai ter eco, porque são dois senadores na plenitude das prerrogativas da função parlamentar”.
IMUNIDADE DE REBANHO
Humberto Costa, que já foi ministro da Saúde, falou também sobre temas que devem ter prioridade nas investigações. “A CPI precisa investigar a fundo por que o governo federal não adotou a tempo providências necessárias para a aquisição de vacinas. Para isso, vamos convocar o ministro da Saúde, o presidente da Anvisa e outros atores importantes nessa questão”, disse o senador pernambucano.
O parlamentar também considera prioritária uma apuração para saber se o governo federal atuou deliberadamente para permitir a disseminação do novo coronavírus, com o objetivo de promover a chamada imunidade de rebanho na população. “Precisamos investigar se o governo adotou essa opção, em detrimento da adoção de medidas restritivas e da compra de vacinas. Isso, se confirmado, será um crime”, afirmou o parlamentar.
Costa também defende que a comissão convoque o ex-secretário de Comunicação do governo Fábio Wajngarten. Em entrevista à revista Veja, na semana passada, ele atribuiu à “incompetência” da equipe técnica do Ministério da Saúde pelo atraso na aquisição de vacinas.
Wajngarten, porém, não citou o nome do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello – o general, que deve ser um dos primeiros a depor na CPI, é apontado como um dos principais responsáveis pela crise sanitária, incluindo as mortes de pacientes com COVID causadas pela falta de oxigênio em Manaus.
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) já avisou que apresentará requerimento não só para convocação de Wajngarten, como também para fazer acareação entre ele e Pazuello para esclarecer as informações do ex-secretário de Comunicação.
Para o cientista político André Pereira César, da Hold Assessoria Legislativa, a primeira reunião da CPI promete ser muito tensa, em razão das pressões do governo. Ele considera quase improvável que vá ocorrer mudanças na presidência e na relatoria, já que houve um acordo nesse sentido.
“Mudanças nesses postos só vão ocorrer se houver traições, seria a única hipótese. Se isso ocorrer, será um acidente muito grave, e o Senado vai enfrentar uma crise interna sem precedentes”, diz o analista
Senadora defende compartilhar dados
Brasília – A comissão parlamentar de inquérito (CPI) da pandemia de COVID já começará com outras solicitações, além da disputa pelo comando do colegiado. A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) já requereu que a CPI atue em coordenação com a Comissão Temporária da COVID-19 do Senado, que acompanha ações de saúde pública relacionadas à pandemia.
Ela solicita que a comissão compartilhe documentos e informações com a CPI e que sejam realizadas audiências públicas conjuntas, quando isso for conveniente.
A comissão temporária vai ouvir hoje o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. A audiência pública remota tem como finalidade debater questões relacionadas ao Plano Nacional de Imunização, como o cumprimento dos prazos previstos para a vacinação no país, além de discutir sobre medidas de combate à pandemia.
Criada em fevereiro, o colegiado é composto por 12 membros titulares e igual número de suplentes e conta com prazo de 120 dias de funcionamento. O presidente do colegiado e o vice-presidente são os senadores Confúcio Moura (MDB-RO) e Styvenson Valentim (Podemos-RN), respectivamente. O relator é o senador Wellington Fagundes (PL-MT).
Outra medida em análise é o acesso da CPI a documentos sigilosos já obtidos pela CPI Mista das Fake News, caso eles sejam relevantes para a investigação. A CPMI já se debruçou sobre denúncias de notícias falsas a respeito a eficácia da vacinação, por exemplo.
Para que esse compartilhamento ocorra, a CPI da pandemia deverá aprovar requerimentos específicos para cada documento de interesse, com fundamentação para cada um. Após a aprovação, caberá ao presidente da CPI das Fake News, senador Angelo Coronel (PSD-BA), autorizar ou não a liberação dos documentos em questão.
Segundo o Regimento Interno do Senado, documentos sigilosos recebidos pelas comissões não podem ser transcritos e devem ser apreciados em sessão secreta. Caso eles sejam encaminhados para a instrução de alguma matéria, ficarão em envelope lacrado e sua tramitação será acompanhada sempre pelo presidente da comissão.
Além de solicitarem documentos de órgãos públicos, CPIS podem requerer quebras de sigilos fiscal, bancário e de dados. Essas informações dependem de atos fundamentados e devem ser mantidas em sigilo pela comissão.
CUIDADOS
Depois da instalação e da escolha dos nomes do presidente e do relator, os integrantes do colegiado vão decidir se os próximos compromissos serão presenciais, virtuais ou mistos. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, avalia que algumas atividades da comissão terão de ser realizadas exclusivamente em reuniões presenciais.
“Uma CPI impõe atos como interrogatórios, inquirição de testemunhas incomunicáveis, reunião e exame de documentos sigilosos, perícias. Tudo isso recomenda que, por ser um trabalho investigativo, seja feito presencialmente”, afirmou ele o último dia 13, quando a comissão foi criada.
Para a reunião de amanhã, várias precauções sanitárias foram tomadas. O acesso ao plenário será reservado aos senadores e a um número restrito de servidores, inclusive com limitação de cadeiras no espaço físico. A captação de imagens da reunião será feita apenas pelos profissionais dos órgãos de comunicação do Senado.