As ofensivas do presidente Jair Bolsonaro contra governadores e prefeitos em torno do combate à covid-19 mudaram de patamar com a CPI criada pelo Senado para apurar a atuação do Executivo na pandemia e repasses da União às unidades da Federação. Minoria entre os integrantes do colegiado, aliados do Planalto fazem pressão para que indícios de desvios de recursos por estados e municípios tenham alta prioridade nas investigações.
Na reunião inaugural da CPI, ontem, o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), destacou que 45 senadores — mais da metade do total de 81 — assinaram o requerimento de Eduardo Girão (Podemos-CE) que possibilitou a inclusão de governadores e prefeitos entre possíveis investigados pela comissão.
“Lembro que a apuração de desvios na aplicação de recursos federais repassados a estados e municípios, ressalvadas as matérias de competência estadual e municipal, recebeu o apoiamento de 45 senadores desta Casa e merece, portanto, a atuação dos membros desta comissão”, disse Fernando Bezerra.
Na reunião de ontem, Girão destacou que o requerimento, que ampliou o alcance das investigações, recebeu 13 assinaturas a mais do que o apresentado anteriormente, do oposicionista Randolfe Rodrigues (Rede-AP), cujo foco são apenas as ações do governo federal. Os dois documentos foram levados em consideração pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), quando ele determinou a instalação da CPI.
Girão disse, também, que as várias operações executadas pela Polícia Federal em estados e municípios demonstram que a CPI deve se debruçar sobre possíveis desvios cometidos por gestores locais. “No nosso requerimento, que é a maioria dos senadores, nós relacionamos as operações da Polícia Federal. São fatos determinados que lá estão. Esses fatos são do conhecimento de todos vocês. São operações do ano passado, e isso precisa ser olhado. A gente não pode minimizar isso em um plano de trabalho”, argumentou.
O senador acrescentou que considera importante a CPI tomar os depoimentos do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e dos ex-titulares da pasta deste governo, Luiz Henrique Mandetta, Nelson Teich e Eduardo Pazuello, mas ouvir, também, a Procuradoria-Geral da República (PGR), que tem apurado indícios de irregularidades na aplicação de recursos da União pelas unidades da Federação. O parlamentar frisou que essas prioridades estão no plano de trabalho que ele vai apresentar à comissão.
“Gostaríamos de ouvir a PGR, a subprocuradora Lindora Araújo, que pediu aos governadores explicações sobre os hospitais de campanha. Eles demoraram, mas quando mandaram, ela já disse na imprensa que houve irregularidade. A gente precisa ouvir”, ressaltou Girão.
Vacinas
Já na oposição, o plano de trabalho do vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues, prevê a convocação de alguns dos principais nomes do governo Bolsonaro para esclarecerem, por exemplo, a dificuldade de acesso do Brasil a vacinas.
Além de Pazuello, Mandetta, Teich e Queiroga, a lista inclui o ex-secretário de Comunicação do governo Fabio Wajngarten, que, em entrevista à revista Veja, atribuiu à “incompetência” da equipe técnica do Ministério da Saúde as dificuldades do Brasil para adquirir imunizantes. Outro nome da lista é o do chefe de Comunicação do Ministério da Saúde, Cadu Fonseca, responsável por elaborar campanhas de mídia sobre a pandemia.
O plano de trabalho do vice-presidente da CPI também propõe a oitiva de gestores locais, como o prefeito de Manaus (AM), David Almeida. Como a crise no sistema de saúde da capital amazonense é uma das prioridades da comissão, a oposição avalia que ele poderá confirmar que Pazuello foi omisso ao não tomar providências ante a escassez de oxigênio que provocou a morte de mais de 30 pacientes com covid-19 no município.
A reportagem tentou contato com Wellington Dias, presidente do Fórum Nacional de Governadores e gestor do Piauí, mas não obteve resposta.
Os integrantes
Veja quem compõe a CPI da Covid
Presidente
Omar Aziz (PSD-AM)
» Como presidente da comissão, suas principais funções serão ordenar e dirigir os trabalhos, dar-lhe conhecimento de toda a matéria recebida, ser o elemento de comunicação do colegiado com a Mesa, as outras comissões e suas respectivas subcomissões e os líderes. Também é função dele desempatar as votações, entre outras.
Vice-presidente
Randolfe Rodrigues (Rede-AP)
» No caso de ausência de Omar Aziz, assumirá as funções que cabem ao presidente do colegiado. Nas demais situações, atua apenas como mais um membro do colegiado.
Relator
Renan Calheiros (MDB-AL)
» É o senador com a função mais importante do colegiado, pois caberá a ele consolidar um parecer com todas as informações coletadas ao longo dos trabalhos da CPI. O texto do relator indica à comissão qual decisão deve ser tomada, mas é sujeito a alterações. Para ser aprovado, o documento precisa dos votos favoráveis da maioria do colegiado. Para apresentar o parecer, o relator tem a metade do prazo atribuído à comissão. A CPI da Covid, especificamente, durará 90 dias, inicialmente.
Demais integrantes*
» Eduardo Girão (Podemos-CE) — governista
» Marcos Rogério (DEM-RO) — governista
» Jorginho Mello (PL-SC) — governista
» Ciro Nogueira (PP-PI) — governista
» Humberto Costa (PT-PE) — oposição
» Otto Alencar (PSD-BA) — independente
» Eduardo Braga (MDB-AM) — independente
» Tasso Jereissati (PSDB-CE) — independente
*Todos podem apresentar requerimentos à presidência da CPI sugerindo o interrogatório de quaisquer autoridades públicas e também propor emendas ao texto do relator para acrescentar ou modificar o parecer final do colegiado sobre o assunto em discussão.