Jornal Estado de Minas

CPI DA COVID

Expectativa: O raio-X da gestão da pandemia no governo Bolsonaro

Prédio do Congresso Nacional, em Brasília (foto: Flickr)

Após apresentar seu plano de trabalho, definir metas e superar tentativas de intervenção por parte do governo federal e seus aliados, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da COVID-19 realiza nesta semana as oitivas das primeiras testemunhas.



Ex-ministros da saúde, que tiveram papel crucial durante o avanço da pandemia de coronavírus pelo país, prestam depoimento aos senadores que integram o grupo de investigação. General do Exército e ex-titular do Ministério da Saúde, Eduardo Pazuello é considerado peça chave no quebra-cabeça para entender o que ocorreu com o país em meio a maior pandemia do século.

O militar deve ser o último a ser ouvido entre os ex-ocupantes da pasta. A oitiva dele está marcada para ocorrer na quarta-feira. Ele, que ainda é aliado do presidente Jair Bolsonaro, pode ser enquadrado como investigado, caso não consiga deixar claro as responsabilidades do presidente, e fracasse em demonstrar que as ordens que podem ter aprofundado a pandemia vieram de cima. Por outro lado, o governo terá de fazer uma escolha: se fica ao lado do ex-ministro e coloca todo o Executivo em risco, ou se joga em Pazuello o peso dos erros que ocorreram nos últimos meses.

Para responsabilizar Bolsonaro e a alta cúpula do Planalto, a oposição tem nas mãos o próprio pronunciamento público de Pazuello admitindo: “um manda e o outro obedece”. A frase dita em outubro, quando o general se recuperava da COVID-19, justificou o fato do então ministro ter voltado atrás nas negociações em relação à CoronaVac. À época, o imunizante tinha um peso político forte, sobretudo com a afirmação de Bolsonaro de que esta seria a “vacina de Doria”.





Mesmo que Pazuello adote uma postura menos comprometedora para o governo, O primeiro ministro da Saúde da gestão Bolsonaro, Luiz Henrique Mandetta, é quem deve dar um tom mais ríspido contra Bolsonaro. Ao final da gestão, o médico de formação declarou oposição contra o posicionamento adotado pelo mandatário na forma de conduzir a pandemia.

As divergências quanto ao distanciamento social, restrições de atividades, uso de máscaras e recomendação da cloroquina como remédio para tratar COVID-19 foram os temas chaves de embate entre o líder do Executivo e seu subordinado da Saúde, que, mesmo no cargo de confiança, começou a fazer frente ao chefe (veja mais na linha cronológica).

A divergência é interpretada como jogo com fins eleitoreiros, já que Mandetta é o único político dentre os quatro líderes da pasta que estiveram à frente da pasta. O viés pode servir como argumento da base do governo para colocar em cheque o depoimento comprometedor que é esperado para amanhã.





Ao contrário de Mandetta, o ministro sucessor que teve uma passagem relâmpago, Nelson Teich, não carrega uma raiz política. A ele são esperadas perguntas especialmente sobre o motivo que o levou a abandonar o cargo. Após ter saído da posição, Teich confessou, em entrevistas, que a pressão para protocolar o uso da cloroquina como tratamento para COVID-19 foi o peso decisivo para deixar a pasta. Coube ao general Pazuello, único entre os ministros a testemunhar que não tem formação alguma na área de saúde, assinar o documento.

Cenário atual

Ouvidos os ex-ministros, a CPI deve ouvir o atual gestor da pasta, Marcelo Queiroga, que deve depor na quinta-feira). Dele não são esperadas declarações desalinhadas e tampouco há a intenção, por parte da oposição, de criar uma rixa entre Bolsonaro e o atual ministro de forma a provocar mais uma destituição, que de nada serviria para melhorar a atual gestão da pandemia. Isso porque, nos bastidores, Queiroga é visto como figura importante para fazer valer escolhas científicas às políticas, ainda que, até nisso, haja interesse por trás.

O cientista político José Oswaldo Cândido, professor de Relações Institucionais do Ibmec Brasília, destaca que já se percebe quais parlamentares estão alinhados com o governo e quais estão na oposição, entre os que fazem parte do colegiado. Para ele, ao Executivo, cabe acompanhar para traçar estratégias de acordo com o avanço das diligências.



“Na CPI já se tem claramente os parlamentares que são mais favoráveis ao governo e quem é contra. O relator fez um discurso muito duro e acho que ele não vai aliviar. Acredito que podemos ter desdobramentos importantes. CPI é sempre imprevisível, e mais adiante podemos ter, de alguma forma, reações do governo”, explica.

Após as oitivas e a partir do material colhido por meio delas, os senadores pretendem convocar novas testemunhas para desenhar a cronologia dos fatos. Traçado este panorama, especialistas convidados devem auxiliar na análise. Um dos nomes sugeridos nos requerimentos é o do gestor de saúde Adriano Massuda, especialista da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

“Tivemos autoridades sanitárias que foram omissas, imprudentes e introduziram tratamentos sem evidência científica comprovada, expondo à população ao risco”, opina Massuda, que ainda não enxerga uma mudança de postura significativa do Ministério da Saúde com a atual gestão.





“Mudou o ministro da Saúde, mas a pasta continua com uma atuação absolutamente ineficiente na gestão do sistema de saúde”. Para o especialista, a CPI, além da frente principal que possui de responsabilizar autoridades que falharam na resposta à pandemia, tem uma outra vertente que, “apesar de secundária, pode ser ainda mais importante no sentido de dar elementos para a execução de ações”.

"Ainda estamos diante de uma epidemia não controlada, com uma redução, mas diante de números elevadíssimos e, mesmo assim, as medidas de restrições estão sendo afrouxadas, podendo levar o país a uma terceira onda. Precisamos mudar o rumo das respostas e a CPI pode ajudar”, completa.

A trajetória de cada um


 
Luiz Henrique Mandetta
  • Assumiu em 1 de janeiro de 2019
  • Reativou, ainda em janeiro, o Grupo de Trabalho Interministerial de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional e Internacional
  • Coletivas diárias sobre a situação da pandemia quando o vírus chegou
  • Em 20 de março, Mandetta intensificou recomendação: “fiquem em casa”
  • Alerta para evitar colapso no sistema de saúde
  • Brasil passa por crise de falta de EPI e álcool em gel. Ministro orienta uso de máscaras de pano.
  • Em 21 de março, Bolsonaro manda ampliar fabricação de cloroquina. Mandetta disse não participar da decisão
  • Bolsonaro diz ser “gripezinha”; Mandetta pede isolamento vertical, focado em idosos
  • Ministério anuncia uso da cloroquina em hospitais
  • Em 6 de abril, Mandetta nega expandir protocolo de uso de cloroquina para casos leves
  • Em 16 de abril, Mandetta é demitido. Neste dia, o Brasil tinha 30.425 casos confirmados e 1.924 mortes.




(foto: Jose Dias/PR - 27/4/20)

Nelson Teich
  • Assume no dia 17 de abril
  • Em 22 de abril promete entregar diretrizes para guiar estados e municípios nas flexibilizações e restrições
  • Apresenta o plano para orientar estados
  • Em 14 de maio Bolsonaro pressiona para expandir protocolo de uso de cloroquina
  • Pede demissão em 15 de maio sem assinar protocolo de cloroquina
  • Na sua saída do governo, Brasil tinha 218.223 casos e 14.817 mortes por COVID-19
(foto: Jose Dias/PR - 27/4/20)

Eduardo Pazuello
  • Assume interinamente em 15 de maio
  • Dia 20 de maio indica cloroquina para pacientes com quadro leve
  • Em 6 de junho, ministério da saúde retira do ar dados de infecções e mortes por COVID-19
  • No dia 27 governo fecha acordo para compra de 100 milhões de doses da vacina de Oxford
  • 21 de julho recomenda tratamento precoce sem comprovação
  • No dia 20 de outubro, Pazuello anunciou que o Ministério da Saúde havia comprado 46 milhões de doses da CoronaVac. Bolsonaro desautoriza ministro, que volta atrás
  • Em 11 de dezembro afirma que “pandemia ainda não acabou”
  • Em 6 de janeiro, o ministro assina relatório reconhecendo o iminente desabastecimento de oxigênio em Manaus, segundo a PGR. Primeiros cilindros são enviados dois dias depois
  • Sistema de saúde de Manaus colapsa por falta de oxigênio em 14 de janeiro
  • Em 11 de março diz que o sistema de saúde brasileiro “não colapsou, nem vai colapsar”
  • Em 23 de março, a exoneração é publicada. Brasil tem 298.843 mortes e 12 milhões de casos
 

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