A CPI da Covid deu início nesta terça-feira à sua fase mais ostensiva, ao coletar depoimentos com potencial para aumentar a pressão sobre o presidente de Jair Bolsonaro. O colegiado vai ouvir os ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich. A estratégia do Palácio do Planalto é dar condições para que os senadores governistas da comissão apontem erros e contradições de Mandetta, hoje crítico de Bolsonaro.
Emissários do presidente reuniram uma série de informações sobre Mandetta e as repassaram a senadores. Além disso, perguntas que serão feitas ao ex-ministro foram preparadas dentro do Planalto e enviadas aos aliados. O ministro das Comunicações, Fábio Faria, e o chefe da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos, estiveram pessoalmente envolvidos no municiamento dos governistas, segundo apurou o Estadão.
Um dos pontos no qual os bolsonaristas devem insistir sugere que Mandetta foi responsável por inúmeras mortes ao recomendar que infectados só procurassem atendimento quando os sintomas se agravassem. Na época, contudo, essa era a orientação para que se evitasse o colapso no sistema de saúde. Senadores governistas estão sendo orientados a tirar a fala do contexto e a chamar Mandetta de "genocida". A estratégia é tentar anular um "uso político" do espaço pelo ex-ministro da Saúde, pré-candidato à Presidência, em 2022.
"Vai depender da fala do ministro. Nessas coisas, cada ação tem uma reação", disse o líder do PSDB, Izalci Lucas (DF), numa referência à posição dos governistas. O tucano não é integrante do colegiado, mas tem preparado questionamentos aos ex-ministros.
O interesse eleitoral de Mandetta deve influenciar até a maneira como senadores de oposição e independentes vão questioná-lo. Para uma ala pragmática da CPI, será melhor abreviar a sessão porque a maior parte das posições do ex-ministro já é conhecida e o depoimento poderá servir para que ele capitalize politicamente.
Para um parlamentar independente, um interrogatório maçante servirá como "palanque eleitoral". Fora do Executivo há mais de um ano, Mandetta assinou manifesto de presidenciáveis críticos do governo.
Entre os não governistas, uma das estratégias é usar os ex-ministros convocados para identificar Bolsonaro como o responsável pela "última palavra" e, consequentemente, pelos erros. No entanto, o grupo também pretende vasculhar o desempenho de Mandetta. Para o senador Humberto Costa (PT-PE), embora Mandetta tenha se tornado crítico da gestão Bolsonaro, o trabalho dele deve ser passado a limpo. "É importante o questionamento à gestão dele. Não vai ser, digamos, nenhuma inquisição, mas também não vai ser um negócio para se jogar flores", afirmou o petista.
A expectativa é a de que Mandetta e Teich sejam ouvidos a partir das 10 horas, no Senado. Procurados, nenhum dos dois quis se manifestar.
'Treinamento'
O depoimento mais tenso era esperado para amanhã, quando o general Eduardo Pazuello se sentaria no plenário da CPI. Mas o militar alegou ter tido contato com pessoas com covid-19 e disse nesta terça-feira que não irá comparecer.
As possíveis consequências dos questionamentos ao general são as maiores fontes de preocupações para o governo. Substituído pelo médico Marcelo Queiroga, Pazuello deixou o Ministério da Saúde em março e fez acusações graves, admitindo até a existência de um esquema de corrupção na pasta.
Os integrantes da comissão têm na manga uma série de omissões de Pazuello que reputam terem sido responsáveis pelo agravamento da pandemia de coronavírus no Brasil.
O militar tem sido "treinado" pelo governo para suportar a pressão. Pazuello é um dos alvos do senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI. "Guerras se enfrentam com especialistas, sejam elas bélicas ou sanitárias. A diretriz é clara: militares nos quartéis e médicos na saúde. Quando se inverte, a morte é certa", disse Renan. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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