Conservador, leal, discreto e inexperiente. É assim que o vice-prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), agora no comando da cidade pelos próximos 30 dias, costuma ser classificado por colegas da política. A decisão do titular, Bruno Covas (PSDB), de se dedicar exclusivamente ao tratamento do câncer, pegou o ex-vereador de surpresa.
Assumir a gestão da maior cidade da América Latina no atual momento da pandemia será não só um desafio pessoal para Nunes, que se considera amigo de Covas, mas uma "prova de fogo" a ser enfrentada nos corredores do Edifício Matarazzo, sede da Prefeitura.
Isso porque, apesar de Nunes ter se destacado na coordenação do grupo que realiza blitze para fechar festas clandestinas e compor o chamado Comitê Covid, ele não faz parte do "núcleo duro" da administração tucana. Confira abaixo a entrevista de Nunes ao Estadão.
O sr. assumiu a cidade em janeiro, durante outra licença do prefeito. Muda alguma coisa?
Nada, vou seguir o trabalho que está sendo feito. Bruno é o prefeito. Estou aqui interinamente. Vice é eleito para isso: auxiliar o prefeito e substituí-lo quando necessário. Estou muito tranquilo.
O sr. tem autonomia para a função? Sente-se preparado?
Sim, me sinto preparado. Gerir uma cidade é saber do que ela precisa. Tenho essa sensibilidade e preparo. E não farei nada sozinho nesses 30 dias. Toda decisão mais complexa que tiver de tomar será feita em comum acordo com a equipe e com o próprio Bruno. Ontem (anteontem), quando ele me avisou sobre a licença, disse que confia em mim. Essa frase me marcou, lealdade é o que se espera da minha parte. Só não vou incomodá-lo com questões do dia a dia, como uma greve numa garagem de ônibus da zona sul que marcou minha manhã, logo no primeiro dia.
Quais os desafios que enfrentará nesse período?
O maior desafio é manter e, de preferência, reduzir a ocupação de leitos de UTI e de enfermaria para tratamento de doentes de covid. Hoje, esses índices estão em 79% e 60%, respectivamente. Bruno tem orientado sobre isso, nosso controle é diário, hora a hora. Nos próximos dias devemos abrir mais leitos e inaugurar novas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs). Nossa preocupação em não deixar a população sem atendimento é enorme. Então, isso estará em meu radar o tempo todo.
O sr. pode alterar regras de distanciamento social na cidade ou ampliar a capacidade de atendimento presencial nas escolas?
Isso só será feito se o Comitê Covid, do qual faço parte desde o início do ano, assim indicar. E se o Bruno concordar. Em relação à educação, vou acompanhar de perto a entrega dos tablets aos alunos da rede. Conseguimos 28 mil até agora (a promessa é 460 mil) e temos de acelerar esse processo, que atrasou não só pela Prefeitura, mas também pelos questionamentos do Tribunal de Contas do Município (TCM). Nossos alunos precisam dos equipamentos e chips para poderem estudar em casa, já que a escola só recebe 35% da turma. Outra questão é a greve dos professores, que está controlada.
De que forma pode ajudar, como ex-vereador, a fazer andar os projetos da Prefeitura na Câmara? Qual a prioridade?
Vamos fazer todo o esforço para conseguirmos aprovar ainda nesta semana o projeto de parcelamento de dívidas em segunda votação. Há uma demanda muito forte por isso entre comerciantes e empresários. Abriremos a possibilidade de parcelamento em até 120 vezes e com redução dos juros e multas. Vou me empenhar pessoalmente nisso.
Outra demanda crescente da sociedade civil diz respeito à revisão do Plano Diretor. Mais de cem entidades defendem que a Prefeitura adie esse debate em função da pandemia. Qual a sua posição?
Olha, fui vereador por oito anos e trabalhei muito na Câmara. Não passei por lá sem deixar marcas. Atuei nas CPIs do Teatro Municipal, da Sonegação Tributária e da Dívida Ativa. Ajudei a recuperar mais de R$ 1,2 bilhão para a cidade. E fiz isso sempre com participação da sociedade, com muita audiência pública. E é o que vamos fazer agora com a revisão do Plano Diretor. Aliás, já estamos fazendo isso com sucesso nas discussões do Plano de Metas, dá certo. O que podemos fazer para melhorar é ampliar o número de encontros, sem problema. Mas o projeto de lei só será encaminhado pela Prefeitura em novembro.
O sr. é considerado um político conservador. É como se define?
Não, não me considero conservador. Sou um político de centro, sempre fui. Na campanha chegaram a me classificar como de extrema-direita, o que não é real. Quiseram me colocar essa pecha porque sou católico atuante.
Ou porque o sr. foi contra, em votação na Câmara, a escolas debaterem a questão de gênero.
Eu fui contra esse debate nas escolas municipais, que atendem crianças de zero a 14 anos. Mas vamos deixar claro que não só eu fui contra. O texto substitutivo que apresentei nesse sentido foi votado por todos quase na Casa, até mesmo pela bancada do PT, que comandava a Prefeitura na época. Além disso, o prefeito Fernando Haddad não vetou esse trecho. Então, essa imagem de conservador não confere. E, infelizmente, essa questão acabou por esconder os ganhos que tivemos para a educação com o plano que aprovamos, como o aumento de 31% para 33% o porcentual obrigatório de investimento.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.