Jornal Estado de Minas

RECUSA POR VACINAS

CPI da Covid: o que investigação quer saber com depoimento de Fabio Wajngarten



O ex-secretário das Comunicações Fabio Wajngarten depõe nesta quarta (12), na CPI da Covid, que investiga ações e omissões do governo no combate à pandemia.





Demitido do governo Bolsonaro em meio à suspeitas de corrupção, Wajngarten é um dos depoimentos mais aguardados na Comissão Parlamentar de Inquérito desde que deu uma entrevista à revista Veja acusando o ex-ministério da Saúde Eduardo Pazuello de incompetência nas negociações de compra de vacinas.

Um dos objetivos da CPI é esclarecer porque o governo Bolsonaro recusou a compra de 70 milhões de doses oferecidas pelas Pfizer em 2020.

Antes de sua demissão, havia rumores de que Wajngarten estaria se envolvendo em assuntos do Ministério da Saúde, mesmo sem ser da área, por interesses pessoais. Na entrevista à Veja, o ex-secretário afirmou que seu envolvimento na compra de vacinas aconteceu porque o processo estava "sofrendo entraves" no Ministério da Saúde.





A expectativa dos senadores da CPI é que o ex-secretário esclareça suas acusações e apresente provas. Segundo o jornal O Globo, Wajngarten pretende apresentar cartas de agradecimento da Pfizer como prova de suas afirmações.

"Queremos entender porque um secretário de Comunicações assumiu a responsabilidade de fazer negociações com grandes empresas fabricantes de medicamentos, quando na verdade o Ministério da Saúde tem toda uma expertise, um conhecimento de como fazer isso", afirma o senador Humberto Costa (PT-PE), membro da CPI e ex-ministro da Saúde.

"Além do que, queremos confirmar o que ele disse que as vacinas não foram compradas por incompetência do Ministério da Saúde. A mim parece que há uma tentativa dele de eliminar as responsabilidades de Bolsonaro e jogar toda a culpa no ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello", afirma o senador.





Em sua entrevista à Veja, Wajngarten tentou proteger o presidente Bolsonaro da responsabilidade sobre a recusa do governo à proposta da Pfizer.

"O presidente Bolsonaro está totalmente eximido de qualquer responsabilidade nesse sentido. Se as coisas não aconteceram, não foi por culpa do Planalto. Ele era abastecido com informações erradas", disse o ex-secretário.

Segundo o analista político Creomar de Souza, CEO da consultoria de risco político Dharma, Wajngarten parece fazer parte de uma estratégia de transformar o general Pazuello em um "bode expiatório" do governo, já que o objetivo da CPI é "encontrar um culpado pelo estado das coisas" no combate à pandemia;

"A sala ficou montada para a espera do bode expiatório", diz Souza. "Há uma preocupação do próprio Pazuello com a possibilidade de ser transformado nesse bode expiatório, até por isso ele tentou escapar do depoimento."

Pazuello não compareceu ao seu depoimento, que estava marcado na semana passada, alegando ter tido contato com pessoas contaminadas por covid. Seu depoimento foi adiado para o dia 19.

Segundo o senador Randolfe Rodrigues (Rede-PE), membro da CPI, há o risco de Pazuello tentar novamente "driblar a CPI".





"O Pazuello pode querer usar um artifício jurídico para driblar a CPI, dizendo que hoje ele é investigado em um inquérito criminal deflagrado pelo (procurador-geral da República Augusto) Aras e que, nessa condição, não pode prestar compromisso de dizer a verdade para não produzir provas contra si mesmo", afirmou Randolfe em entrevista ao canal CNN na terça. "Ou (ele pode) ainda tentar um habeas corpus no STF (Supremo Tribunal Federal) para não comparecer."

Segundo Souza, a situação de Pazuello é muito complicada: se ele diz que seguiu orientações do presidente da República, incrimina o presidente; por outro lado, se ele afirma que tomou todas as decisões sozinho, incrimina a si mesmo.

O depoimento de Wajngarten é central para entender o quanto o governo Bolsonaro está disposto a proteger Pazuello.

"Ao final (do depoimento), a gente vai ter uma medida exata da relação entre Pazuello e o Planalto. Lembrando que há uma rivalidade entre os militares e essa área ideológica do governo da qual Wajngarten faz parte", afirma Souza.





O senador Otto Alencar (PSD-BA), afirma que Wajngarten não teria porque se expor tanto (na entrevista em que fez acusações a Pazuello) se não quisesse transformar o ex-ministro da Saúde em.bode expiatório. O quanto os senadores vão confiar em sua versão, diz Alencar, "vai depender das provas materiais que apresentar".


Polícia Federal abriu inquérito sobre atividades de Wajngarten (foto: Alan Santos/PR)

Falta de campanhas de comunicação contra covid e 'gabinete do ódio'

Os senadores, no entanto, não pretendem deixar que Wajngarten fuja de questionamento sobre suas próprias ações e foque somente nas acusações sobre Pazuello

"Ele precisa explicar por que, na condição de secretário de Comunicações do governo, não desenvolveu nenhuma campanha de comunicação para ajudar no processo de prevenção da covid-19", afirma o senador Humberto Costa (PT-PE), membro da CPI e ex-ministro da Saúde.

Costa afirma que Wajngarten também deve ser questionado sobre sua relação com o ministério na gestão de outros ministros.

"Por que ele desestimulou a tentativa do Ministério da Saúde, na gestão de (Luiz Henrique) Mandetta, de fazer uma campanha com essas características?"

Em depoimento à CPI na semana passada, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta afirmou que começou a dar entrevistas coletivas diárias sobre a pandemia porque não havia um plano de comunicação do governo.





"Aquelas entrevistas só existiam porque não havia o plano de comunicação", disse Mandetta, em resposta a uma pergunta do senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI.

"O normal, quando se tem uma doença infecciosa, é você ter uma campanha institucional. Como foi, por exemplo, a Aids. Não havia como fazer uma campanha (contra a covid). Não queriam fazer uma campanha oficial", disse Mandetta.

"Wajngarten também precisa explicar qual sua participação na campanha 'O Brasil não Pode Parar', que tinha o objetivo de sabotar as medidas de isolamento social", afirma Humberto Costa.

Interlocutor muito próximo ao presidente Bolsonaro e parte da chamada ala ideológica do governo, o ex-secretário de comunicações também é visto pelos senadores oposicionistas como central para entender o papel do chamado "gabinete do ódio", estrutura de apoio ao governo das redes sociais acusada de ser responsável pela difusão de notícias falsas sobre a pandemia.

Segundo análise da FGV-DAPP (Diretoria de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas), a base de apoio ao presidente nas redes sociais têm dominado a discussão durante a CPI, correspondendo a dois terços das interações no Twitter. Grande parte dessas interações é composta por perfis muito parecidos e homogêneos, que postam os mesmos conteúdos nos mesmos momentos.





Uma das suspeitas dos senadores é de que gastos do governo com publicidade podem ter ajudado na disseminação de notícias falsas. Portanto Wajngarten deve ser questionado sobre esses repasses, que também estão sendo investigados por uma auditoria do TCU ( Tribunal de Contas da União).

A CPI da Covid já fez um requerimento de compartilhamento de dados do inquérito do STF sobre a disseminação de notícias falsas e de informações da CPI das Fake News.


Wajngarten conheceu Jair Bolsonaro em 2016, e o auxiliou durante o período da campanha eleitoral de 2018 (foto: Agência Brasil)

Embora não haja, como avalia Souza, nenhuma indicação de que Wajngarten vá mudar sua postura de não implicar Bolsonaro em qualquer responsabilidade na má condução do combate à pandemia, o questionamento de senadores sobre fake news e falhas na comunicação coloca o ex-secretário em uma situação complicada, parecida com a de Pazuello.

Se o ex-secretário assume total responsabilidade por suas ações, pode acabar se colocando como culpado. Mas se afirma que recebeu ordens superiores, complica a situação de Bolsonaro.

*colaborou Paula Idoeta, de São Paulo



O que é uma CPI?

As comissões parlamentares de inquérito (CPIs) são instrumentos usados por integrantes do Poder Legislativo (vereadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores) para investigar fato determinado de grande relevância ligado à vida econômica, social ou legal do país, de um estado ou de um município. Embora tenham poderes de Justiça e uma série de prerrogativas, comitês do tipo não podem estabelecer condenações a pessoas.





Para ser instalado no Senado Federal, uma CPI precisa do aval de, ao menos, 27 senadores; um terço dos 81 parlamentares. Na Câmara dos Deputados, também é preciso aval de ao menos uma terceira parte dos componentes (171 deputados).

Há a possibilidade de criar comissões parlamentares mistas de inquérito (CPMIs), compostas por senadores e deputados. Nesses casos, é preciso obter assinaturas de um terço dos integrantes das duas casas legislativas que compõem o Congresso Nacional.

O que a CPI da COVID investiga?

Instalada pelo Senado Federal em 27 de abril de 2021, após determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), a CPI da COVID trabalha para apurar possíveis falhas e omissões na atuação do governo federal no combate à pandemia do novo coronavírus. O repasse de recursos a estados e municípios também foi incluído na CPI e está na mira dos parlamentares.





O presidente do colegiado é Omar Aziz (PSD-AM). O alagoano Renan Calheiros (MDB) é o relator. O prazo inicial de trabalho são 90 dias, podendo esse período ser prorrogado por mais 90 dias.


Saiba como funciona uma CPI

Após a coleta de assinaturas, o pedido de CPI é apresentado ao presidente da respectiva casa Legislativa. O grupo é oficialmente criado após a leitura em sessão plenária do requerimento que justifica a abertura de inquérito. Os integrantes da comissão são definidos levando em consideração a proporcionalidade partidária — as legendas ou blocos parlamentares com mais representantes arrebatam mais assentos. As lideranças de cada agremiação são responsáveis por indicar os componentes.

Na primeira reunião do colegiado, os componentes elegem presidente e vice. Cabe ao presidente a tarefa de escolher o relator da CPI. O ocupante do posto é responsável por conduzir as investigações e apresentar o cronograma de trabalho. Ele precisa escrever o relatório final do inquérito, contendo as conclusões obtidas ao longo dos trabalhos. 





Em determinados casos, o texto pode ter recomendações para evitar que as ilicitudes apuradas não voltem a ocorrer, como projetos de lei. O documento deve ser encaminhado a órgãos como o Ministério Público e a Advocacia-Geral da União (AGE), na esfera federal.

Conforme as investigações avançam, o relator começa a aprimorar a linha de investigação a ser seguida. No Congresso, sub-relatores podem ser designados para agilizar o processo.

As CPIs precisam terminar em prazo pré-fixado, embora possam ser prorrogadas por mais um período, se houver aval de parte dos parlamentares

O que a CPI pode fazer?

  • chamar testemunhas para oitivas, com o compromisso de dizer a verdade
  • convocar suspeitos para prestar depoimentos (há direito ao silêncio)
  • executar prisões em caso de flagrante
  • solicitar documentos e informações a órgãos ligados à administração pública
  • convocar autoridades, como ministros de Estado — ou secretários, no caso de CPIs estaduais — para depor
  • ir a qualquer ponto do país — ou do estado, no caso de CPIs criadas por assembleias legislativas — para audiências e diligências
  • quebrar sigilos fiscais, bancários e de dados se houver fundamentação
  • solicitar a colaboração de servidores de outros poderes
  • elaborar relatório final contendo conclusões obtidas pela investigação e recomendações para evitar novas ocorrências como a apurada
  • pedir buscas e apreensões (exceto a domicílios)
  • solicitar o indiciamento de envolvidos nos casos apurados

O que a CPI não pode fazer?

Embora tenham poderes de Justiça, as CPIs não podem:

  • julgar ou punir investigados
  • autorizar grampos telefônicos
  • solicitar prisões preventivas ou outras medidas cautelares
  • declarar a indisponibilidade de bens
  • autorizar buscas e apreensões em domicílios
  • impedir que advogados de depoentes compareçam às oitivas e acessem
  • documentos relativos à CPI
  • determinar a apreensão de passaportes

A história das CPIs no Brasil

A primeira Constituição Federal a prever a possibilidade de CPI foi editada em 1934, mas dava tal prerrogativa apenas à Câmara dos Deputados. Treze anos depois, o Senado também passou a poder instaurar investigações. Em 1967, as CPMIs passaram a ser previstas.

Segundo a Câmara dos Deputados, a primeira CPI instalada pelo Legislativo federal brasileiro começou a funcionar em 1935, para investigar as condições de vida dos trabalhadores do campo e das cidades. No Senado, comitê similar foi criado em 1952, quando a preocupação era a situação da indústria de comércio e cimento.





As CPIs ganharam estofo e passaram a ser recorrentes a partir de 1988, quando nova Constituição foi redigida. O texto máximo da nação passou a atribuir poderes de Justiça a grupos investigativos formados por parlamentares.

CPIs famosas no Brasil

1975: CPI do Mobral (Senado) - investigar a atuação do sistema de alfabetização adotado pelo governo militar

1992: CPMI do Esquema PC Farias - culminou no impeachment de Fernando Collor

1993: CPI dos Anões do Orçamento (Câmara) - apurou desvios do Orçamento da União

2000: CPIs do Futebol - (Senado e Câmara, separadamente) - relações entre CBF, clubes e patrocinadores

2001: CPI do Preço do Leite (Assembleia de MG e outros Legislativos estaduais, separadamente) - apurar os valores cobrados pelo produto e as diretrizes para a formulação dos valores

2005: CPMI dos Correios - investigar denúncias de corrupção na empresa estatal

2005: CPMI do Mensalão - apurar possíveis vantagens recebidas por parlamentares para votar a favor de projetos do governo

2006: CPI dos Bingos (Câmara) - apurar o uso de casas de jogo do bicho para crimes como lavagem de dinheiro

2006: CPI dos Sanguessugas (Câmara) - apurou possível desvio de verbas destinadas à Saúde

2015: CPI da Petrobras (Senado) - apurar possível corrupção na estatal de petróleo

2015: Nova CPI do Futebol (Senado) - Investigar a CBF e o comitê organizador da Copa do Mundo de 2014

2019: CPMI das Fake News - disseminação de notícias falsas na disputa eleitoral de 2018

2019: CPI de Brumadinho (Assembleia de MG) - apurar as responsabilidades pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão

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