A Ordem dos Advogados do Brasil apresentou nesta terça, 11, à 1ª Vara Federal Cível da Justiça Federal do Distrito Federal, uma ação civil pública contra atos do governo Jair Bolsonaro que 'têm por objetivo declarado o desmonte da cena cultural no país'. A entidade aponta que 'ilegais limitações e indevidas intervenções' na aprovação de projetos submetidos à Lei Rouanet representam 'evidente dano ao patrimônio público e social'.
"Atos omissivos e comissivos de autoridades vinculadas à União Federal têm acarretado incalculáveis danos ao patrimônio público e social na medida em que violam as garantias fundamentais do direito à cultura e ao acesso à cultura, em total desrespeito à ordem jurídica vigente e aos compromissos internacionais assumidos pela Federação", sustentam os advogados na ação.
O documento de 36 páginas argumenta que 'o não funcionamento' e a 'paralisação' da Lei Rouanet lesionam a 'dignidade do povo brasileiro, por conta do enfraquecimento de vínculos com os ideais, estéticas e símbolos que traduzem o real sentimento de pertencimento a um país e sua cultura, imprescindíveis ao bem comum'.
Antes de questionar diretamente as medidas do governo federal, a OAB aponta como contexto a 'notória guerra contra a cultura' travada pelo presidente Jari Bolsonaro. A entidade ressalta que desde a campanha, Bolsonaro atacava a lei Rouanet. Já com relação à sua gestão, os advogados lembram do rebaixamento do Ministério da Cultura à secretaria e apontam a nomeação de pessoas 'sem perfil técnico ou qualificação desejável' para a chefia do órgão - em menos de três anos de governo, a pasta já foi assumida por seis secretários.
O primeiro ato do governo federal questionado pela OAB é a 'meta' estabelecida pela Secretaria Especial de Cultura de análise mensal de 120 novas propostas dentro da Lei Rouanet por mês, com 1.440 avaliações por ano.
Segundo a entidade de advogados, tal ação é na verdade 'uma declaração ostensiva de intenção de ineficiência, uma assunção de que está sendo adotada uma "operação tartaruga" no setor'. O argumento se dá em razão do número de aprovações em 2020 - 4.492. De acordo com a OAB, 'fica absolutamente clara a deliberada intenção de reduzir para um terço o número de Projetos aprovados por período'.
A entidade ressalta que a consequência de tal 'limitação drástica' no número de projetos é uma 'redução gigantesca na produção cultural do país, em absoluta asfixia do setor', que vive quase que exclusivamente do mecenato - incentivo cultural com renúncia fiscal, um dos mecanismos de financiamento da Lei Rouanet.
Além da redução do número de projetos aprovados no âmbito da Lei Rouanet, a OAB também argumenta que há uma limitação 'qualitativa', 'com o intuito de privilegiar aqueles setores culturais que considera mais "nobres" ou "dignos" de recebimento de fomento em razão de alinhamento político-ideológico'.
A ação também acusa 'utilização' da pandemia da covid-19 como forma de limitar o setor cultural. Nessa linha, o documento registra duas medidas do governo federal: a suspensão da análise dos projetos nas localidades com restrição de circulação, considerando que, mesmo em quarentena, o projeto, uma vez aprovado, poderia ir sendo tocado até que as apresentações para o público sejam novamente liberadas; e a vedação à prorrogação dos prazos para captação de recursos sob a alegação de 'que a pandemia não é considerada ocorrência de força maior'.
Por fim, a OAB aponta um 'ato omissivo' da União, o de ausência de publicação do edital de convocação para o biênio de 2021 - 2022 da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC). O grupo é a terceira 'instância' de aprovação dos Projetos Culturais pelo pela Lei Rounaet. Os advogados também ressaltam que, em abril, o governo federal baixou uma portaria autorizando que o Secretário de Fomento e Incentivo à Cultura 'poderá sozinho praticar os atos que seriam de gestão exclusiva da CNIC'.
Os pedidos da OAB para a Justiça Federal do DF são:
- que o governo seja obrigado a finalizar a análise de 1566 propostas e 848 projetos que estão 'indevidamente represados', em até 30 dias;
- que o governo seja proibido de limitar o número de propostas analisadas e de projetos culturais aprovados por período e atenda, no mínimo, as médias de quantitativos de análise e aprovação dos últimos cinco anos;
- que o governo seja impedido de priorizar a tramitação de processos em função do segmento cultural vinculado, devendo ser dada a mesma prioridade de análise e aprovação a todas as propostas e projetos;
- que o governo seja proibido de limitar a análise e aprovação de propostas e projetos em relação às localidades com restrição de circulação;
- que o governo seja obrigado a autorizar as prorrogações de prazo de captação em razão da pandemia da Covid-19 como motivo de força maior;
- que o governo seja obrigado a publicar imediatamente o edital para convocação para o biênio de 2021 - 2022 da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura;
- que o governo seja obrigado a aprovar todos os projetos que atendam os requisitos e as formalidades legais, nos termos da Lei;
- que o governo seja obrigado a adotar medidas necessárias para o aumento da eficiência e da produtividade dos órgãos públicos federais ligados à cultura, em especial da Secretaria Especial de Cultura e das Entidades Vinculadas.
COM A PALAVRA, A SECRETARIA DE CULTURA
Até a publicação desta matéria, a reportagem entrou em contato, por e-mail, com a Secretaria de Cultura, mas ainda não havia recebido uma resposta. O espaço está aberto para manifestações.
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