Jornal Estado de Minas

INVESTIGAÇÃO NO SENADO

CPI da COVID: 7 momentos do tenso depoimento de Fabio Wajngarten

depoimento de Fabio Wajngarten à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid foi marcado por diversos momentos bastante tensos.





Houve muito bate-boca entre os senadores governistas e de oposição em torno das declarações do ex-secretário de Comunicação do governo federal, que foi acusado de fugir das perguntas, de proteger o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e de mentir, o que fez com que vários senadores, inclusive o relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), pedissem sua prisão, que foi negada pelo presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM).

Os parlamentares presentes da CPI chegaram a exibir um vídeo de Wajngarten e trechos de uma entrevista concedida por ele à revista Veja para apontar que ele estava faltando com a verdade.

As falas de Wajngarten levaram até mesmo o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) a comparecer à comissão quando ela já se aproximava do fim. O filho do presidente discutiu seriamente com o senador Renan Calheiros (MDB-AL). Os dois trocaram ofensas antes que a sessão fosse suspensa.





Reunimos a seguir os principais momentos do depoimento mais conturbado da CPI da Covid até agora.



Acusação de incompetência de Pazuello

Wajngarten era um dos depoimentos mais aguardados desde que deu uma entrevista à revista Veja acusando o Ministério da Saúde, então conduzido pelo general Eduardo Pazuello, de incompetência nas negociações de compra de vacinas.

Wajngarten negou que estivesse se referindo a Pazuello quando falou à revista Veja. "Eu entendi que ele ocupou um espaço diante da saída do dr. (Nelson) Teich, que eu lamentei muito. O ex-ministro Pazuello foi corajoso em assumir uma pasta no pior momento do Brasil", disse Wajngarten à comissão.

A revista Veja publicou um áudio do trecho da entrevista em que Wajngarten faz essa declaração.

A revista disse que o entrevistado foi questionado especificamente se haveria sido incompetência ou negligência a forma como o governo, especialmente o Ministério da Saúde, agiu para haver tantas dificuldades na compra de vacinas, ao que Wajngarten teria respondido categoricamente: "Incompetência".





Confrontado com o áudio da entrevista pela senadora Leila Barros (PSB-DF), Wajngarten respondeu que não havia negado em nenhum momento que havia acusado o Ministério da Saúde, como um todo, de ter sido incompetente.

Alerta sobre as evasivas

Diante das respostas evasivas do ex-secretário, os senadores pediram diversas vezes para que ele respondesse objetivamente, de forma clara. "O senhor só está aqui por causa da entrevista à Veja, se não fosse isso a gente nem lembrava que o senhor existia", afirmou Aziz.

A insistência levou os senadores governistas a interromperem o depoimento em defesa de Wajngarten. "Ninguém veio aqui para ser humilhado", disse o senador governista Ciro Nogueira (PP-PI).

A isso se seguiu uma discussão e a CPI foi interrompida por alguns momentos. No retorno, o presidente da CPI alertou que Wajngarten poderia sofrer consequências se não respondesse objetivamente.

"Se o senhor não foi objetivo nas suas respostas, vamos dispensá-lo e quando chamarmos vossa excelência de novo não vai ser como testemunha", afirmou Aziz, indicando que Wajngarten poderia passar à condição de investigado.





Presidente da CPI alertou o ex-secretário sobre respostas evasivas (foto: Agência Senado)

Contradições sobre campanhas do governo

O ex-secretário entrou em contradição algumas vezes durante seu depoimento.

Inicialmente, por exemplo, afirmou que a Secretaria de Comunicação com não tinha contratado influenciadores bolsonaristas para fazer campanha sobre "tratamento precoce" — promovendo uso de medicamentos sem eficácia comprovada contra o coronavírus

No entanto, ao ser apresentada uma reportagem da Agência Pública mostrando que a agência Calia, contratada pelo governo, pagou R$ 23 mil a influenciadores digitais para falar sobre os medicamentos, Wajngarten confirmou o valor e disse que eles foram contratados por "terem muitos seguidores".

Em outro momento, o ex-secretário também foi questionado pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) sobre a campanha do governo federal "O Brasil Não Pode Parar", contrária ao isolamento social, através de um vídeo que circulou em março de 2020, no início da pandemia. O vídeo foi difundido por diversos ministros do governo Bolsonaro.





"Eu não tenho certeza se ele é de autoria da Secom, posso confirmar. O que eu tenho absoluta convicção é que em março (de 2020) o governo fez uma campanha sobre prevenção e sintomas", disse Wajngarten.

O senador Humberto Costa (PT-PE) lembrou que a Secom emitiu um comunicado depois da divulgação da campanha dizendo que a campanha "tinha caráter experimental". A campanha também foi publicada no Instagram da secretaria.

Wajngarten disse mais tarde que, durante um intervalo da CPI, lembrou-se melhor do episódio e disse que a campanha foi divulgada em grupos de mensagens de ministros, de onde teria vazado ao público.

"De fato, as peça foram concebidas e estavam em fase de avaliação. Em nenhum momento, ela foi autorizada", disse o ex-secretário.





Negociações da vacina da Pfizer

Outro assunto bastante frequente no depoimento de Wajngarten foi sua participação nas negociações do governo federal para a compra da vacina da Pfizer.

A princípio, ele disse à CPI que nunca tinha feito parte destas negociações e que apenas uma reunião com a Pfizer "para ajudar".

Depois esclareceu que havia tido duas reuniões com representantes da empresa e que nelas discutiu propostas de compra da vacina que ele considerou "vexatórias", pelo número baixo de doses oferecidas pela companhia.

O ex-secretário disse que se envolveu nas discussões com a Pfizer ao tomar conhecimento, em novembro de 2020, por meio de Marcelo de Carvalho, dono da emissora Rede TV, que teria uma apresentadora casada com um gerente da farmacêutica, que havia uma carta da empresa a seis destinatários do governo — incluindo o presidente, o ministro da Economia e o vice-presidente — que ainda não tinha sido respondida quase dois meses depois do envio.

Wajngarten disse que mandou um e-mail para a sede da empresa em Nova York e que, em seguida, recebeu contato do então presidente da empresa no Brasil, Carlos Murillo, que irá depor na CPI na quinta-feira (13/05).

O ex-secretário também disse que procurou Bolsonaro para falar do assunto e cobrar que o assunto avançasse. Afirmou ainda que se encontrou com o presidente durante uma reunião dele com o ministro da Economia, Paulo Guedes.





Guedes teria falado no telefone com Murillo. Enquanto isso, Bolsonaro teria escrito em um papel a palavra "Anvisa", indicando que compraria vacinas aprovadas pela agência — ponto que o ex-secretário reiterou diversas vezes.

Wajngarten também disse que procurou pessoas públicas e empresários para tentar viabilizar a compra de doses desta vacina. "Tenho muito orgulho disso."

Acusação de mentiras


Rogério Carvalho acusou Wajngarten de mentir diversas vezes outras no depoimento (foto: Agência Senado)

O ex-secretário foi questionado se teria tomado cloroquina quando teve covid-19 e disse que não o fez porque o medicamento não era cogitado em tratamentos contra a doença em março. "Senão ia submeter ao meu médico", afirmou Wajngarten.

O senador Rogério Carvalho (PT-SE) citou uma série de notícias desmentindo o ex-secretário e que mostravam que já naquela época a Organização Mundial da Saúde alertava para a falta de comprovação de sua eficácia e que, no mesmo mês, Bolsonaro mandou os laboratórios do Exército aumentarem a produção do medicamento.





Em seguida, Carvalho acusou Wajngarten de mentir diversas vezes outras no depoimento. "O senhor disse que nunca negociou nada com a Pfizer. O senhor participou de negociação com a Pfizer. O senhor disse que seus encontros com representantes da Pfizer tinham sido registrados. Não há informações no site do governo."

O senador acrescentou então que Wajngarten disse que estava afastado da secretaria em março de 2020 e então mostrou um vídeo de uma transmissão ao vivo feita com o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) em que o ex-secretário dizia que estava trabalhando. "Vossa excelência mentiu nesta oitiva", disse Carvalho.

Wajngarten tentou se manifestar neste momento, mas o senador disse que não era a vez de ele falar, que ele estava ali na condição de testemunha e que não sendo questionado nada a ele, mas sendo afirmado.

Mais tarde, a defesa de Wajngarten enviou uma nota à imprensa afirmando que ele "jamais faltou com a verdade nem teve a intenção de fazê-lo". Também disse que o ex-secretário "respondeu a todos os questionamentos que lhe foram formulados, sem esconder ou omitir informações".





Pedido de prisão

Senadores como Humberto Costa, Alessandro Vieira (Cidadania-RS) e Fabiano Contarato (Rede-ES) pediram que Wajngarten fosse preso por mentir à CPI, o que é crime.

Mas o pedido mais contundente neste sentido veio do relator. Em reação à declaração do ex-secretário de que a campanha "O Brasil Não Pode Parar" não teria sido veiculada pelo governo, Renan Calheiros apontou que ela havia sido postada na internet por meio de canais oficiais do governo federal.

"Vossa senhoria mente mais uma vez", disse o senador.

"Vou pedir a prisão de vossa senhoria porque o espetáculo de mentiras que vimos aqui não vai se repetir nem vai servir de precedente. Vossa excelência não vai desprestigiar essa Comissão Parlamentar de Inquérito mentindo", disse Calheiros.

Randolfe Rodrigues, substituindo Aziz no comando da condução da CPI após o presidente da comissão se ausentar, disse que o pedido seria apreciado até o fim do depoimento.

Quando Aziz retornou, Calheiros reiterou seu pedido, mas o presidente da CPI pediu cautela, ressaltou que o ex-secretário estava ali como testemunha, que não cabia à comissão julgá-lo e que Wajngarten poderia depois ser indiciado caso tenha mentido de fato.





O presidente da CPI afirmou, então, que não pediria a prisão de Wajngarten. "Não serei carceireiro de ninguém", afirmou Aziz. "Estou salvando a CPI tomando essa decisão."

Bate-boca entre Flávio Bolsonaro e Renan Calheiros


Flávio Bolsonaro trocou ofensas com Renan Calheiros (foto: Agência Senado)

Antes que a sessão fosse interrompida, por causa das atividades no plenário do Senado, Humberto Costa pediu que o depoimento de Wajngarten fosse enviado imediatamente ao Ministério Público para ser investigado.

O senador Flávio Bolsonaro (Republicano-RJ) havia chegado à comissão àquela altura, em sua segunda participação na comissão. A primeira havia sido na sessão de instalação da CPI, no final de abril, quando disse que seria irresponsável realizar a comissão neste momento porque ela causaria aglomeração — dias depois, o senador celebraria as aglomerações em protesto realizados em 1º de maio a favor de seu pai.

Flávio Bolsonaro interveio defendendo que todos os depoimentos feitos até agora à CPI deveriam ser enviados e acusou o ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, de mentir também. Acusou então Calheiros de usar a CPI para se promover. "Imagina, um cidadão honesto ser preso por um vagabundo como Renan Calheiros", disse o filho do presidente.





"Vagabundo é você que roubou dinheiro do pessoal do seu gabinete", retrucou Calheiros, em meio a protestos de outros senadores contra a fala de Flávio Bolsonaro.

"Quer aparecer... Vai se f...", respondeu o filho do presidente.

Aziz repreendeu então Flávio Bolsonaro, dizendo que "agressões não levariam a lugar algum", encerrou a sessão e disse que ela será retomada após o fim das atividades no plenário.


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O que é uma CPI?

As comissões parlamentares de inquérito (CPIs) são instrumentos usados por integrantes do Poder Legislativo (vereadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores) para investigar fato determinado de grande relevância ligado à vida econômica, social ou legal do país, de um estado ou de um município. Embora tenham poderes de Justiça e uma série de prerrogativas, comitês do tipo não podem estabelecer condenações a pessoas.


Para ser instalado no Senado Federal, uma CPI precisa do aval de, ao menos, 27 senadores; um terço dos 81 parlamentares. Na Câmara dos Deputados, também é preciso aval de ao menos uma terceira parte dos componentes (171 deputados).





Há a possibilidade de criar comissões parlamentares mistas de inquérito (CPMIs), compostas por senadores e deputados. Nesses casos, é preciso obter assinaturas de um terço dos integrantes das duas casas legislativas que compõem o Congresso Nacional.

O que a CPI da COVID investiga?

Instalada pelo Senado Federal em 27 de abril de 2021, após determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), a CPI da COVID trabalha para apurar possíveis falhas e omissões na atuação do governo federal no combate à pandemia do novo coronavírus. O repasse de recursos a estados e municípios também foi incluído na CPI e está na mira dos parlamentares.

O presidente do colegiado é Omar Aziz (PSD-AM). O alagoano Renan Calheiros (MDB) é o relator. O prazo inicial de trabalho são 90 dias, podendo esse período ser prorrogado por mais 90 dias.






Saiba como funciona uma CPI

Após a coleta de assinaturas, o pedido de CPI é apresentado ao presidente da respectiva casa Legislativa. O grupo é oficialmente criado após a leitura em sessão plenária do requerimento que justifica a abertura de inquérito. Os integrantes da comissão são definidos levando em consideração a proporcionalidade partidária — as legendas ou blocos parlamentares com mais representantes arrebatam mais assentos. As lideranças de cada agremiação são responsáveis por indicar os componentes.

Na primeira reunião do colegiado, os componentes elegem presidente e vice. Cabe ao presidente a tarefa de escolher o relator da CPI. O ocupante do posto é responsável por conduzir as investigações e apresentar o cronograma de trabalho. Ele precisa escrever o relatório final do inquérito, contendo as conclusões obtidas ao longo dos trabalhos. 

Em determinados casos, o texto pode ter recomendações para evitar que as ilicitudes apuradas não voltem a ocorrer, como projetos de lei. O documento deve ser encaminhado a órgãos como o Ministério Público e a Advocacia-Geral da União (AGE), na esfera federal.





Conforme as investigações avançam, o relator começa a aprimorar a linha de investigação a ser seguida. No Congresso, sub-relatores podem ser designados para agilizar o processo.

As CPIs precisam terminar em prazo pré-fixado, embora possam ser prorrogadas por mais um período, se houver aval de parte dos parlamentares

O que a CPI pode fazer?

  • chamar testemunhas para oitivas, com o compromisso de dizer a verdade
  • convocar suspeitos para prestar depoimentos (há direito ao silêncio)
  • executar prisões em caso de flagrante
  • solicitar documentos e informações a órgãos ligados à administração pública
  • convocar autoridades, como ministros de Estado — ou secretários, no caso de CPIs estaduais — para depor
  • ir a qualquer ponto do país — ou do estado, no caso de CPIs criadas por assembleias legislativas — para audiências e diligências
  • quebrar sigilos fiscais, bancários e de dados se houver fundamentação
  • solicitar a colaboração de servidores de outros poderes
  • elaborar relatório final contendo conclusões obtidas pela investigação e recomendações para evitar novas ocorrências como a apurada
  • pedir buscas e apreensões (exceto a domicílios)
  • solicitar o indiciamento de envolvidos nos casos apurados

O que a CPI não pode fazer?

Embora tenham poderes de Justiça, as CPIs não podem:

  • julgar ou punir investigados
  • autorizar grampos telefônicos
  • solicitar prisões preventivas ou outras medidas cautelares
  • declarar a indisponibilidade de bens
  • autorizar buscas e apreensões em domicílios
  • impedir que advogados de depoentes compareçam às oitivas e acessem
  • documentos relativos à CPI
  • determinar a apreensão de passaportes

A história das CPIs no Brasil

A primeira Constituição Federal a prever a possibilidade de CPI foi editada em 1934, mas dava tal prerrogativa apenas à Câmara dos Deputados. Treze anos depois, o Senado também passou a poder instaurar investigações. Em 1967, as CPMIs passaram a ser previstas.

Segundo a Câmara dos Deputados, a primeira CPI instalada pelo Legislativo federal brasileiro começou a funcionar em 1935, para investigar as condições de vida dos trabalhadores do campo e das cidades. No Senado, comitê similar foi criado em 1952, quando a preocupação era a situação da indústria de comércio e cimento.

As CPIs ganharam estofo e passaram a ser recorrentes a partir de 1988, quando nova Constituição foi redigida. O texto máximo da nação passou a atribuir poderes de Justiça a grupos investigativos formados por parlamentares.





CPIs famosas no Brasil

1975: CPI do Mobral (Senado) - investigar a atuação do sistema de alfabetização adotado pelo governo militar

1992: CPMI do Esquema PC Farias - culminou no impeachment de Fernando Collor

1993: CPI dos Anões do Orçamento (Câmara) - apurou desvios do Orçamento da União

2000: CPIs do Futebol - (Senado e Câmara, separadamente) - relações entre CBF, clubes e patrocinadores

2001: CPI do Preço do Leite (Assembleia de MG e outros Legislativos estaduais, separadamente) - apurar os valores cobrados pelo produto e as diretrizes para a formulação dos valores

2005: CPMI dos Correios - investigar denúncias de corrupção na empresa estatal

2005: CPMI do Mensalão - apurar possíveis vantagens recebidas por parlamentares para votar a favor de projetos do governo

2006: CPI dos Bingos (Câmara) - apurar o uso de casas de jogo do bicho para crimes como lavagem de dinheiro

2006: CPI dos Sanguessugas (Câmara) - apurou possível desvio de verbas destinadas à Saúde

2015: CPI da Petrobras (Senado) - apurar possível corrupção na estatal de petróleo

2015: Nova CPI do Futebol (Senado) - Investigar a CBF e o comitê organizador da Copa do Mundo de 2014

2019: CPMI das Fake News - disseminação de notícias falsas na disputa eleitoral de 2018

2019: CPI de Brumadinho (Assembleia de MG) - apurar as responsabilidades pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão

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