Vice-líder do governo de Jair Bolsonaro (sem partido) no Senado Federal, o mineiro Carlos Viana (PSD) diz que a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia chegou ao Legislativo “pela porta dos fundos”.
Apesar de contrário às investigações neste momento, o parlamentar crê que as revelações do depoimento de Carlos Murillo, ex-representante da Pfizer no Brasil, mostram que o Ministério da Saúde “deixou a desejar” em algum momento.
“Poderíamos ter feito os acordos, ter mais brasileiros vacinados e, já, uma imunização mais ampla”, afirma, ao Estado de Minas, sem deixar de ressaltar que, à época das ofertas iniciais do laboratório, o país costurava acordos com outras farmacêuticas.
Viana é crítico da postura do relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL). O pessedista alega que o país, por ora, não precisa de culpados, mas de respostas. “Um relator não pode ser juiz. Um relator precisa trazer, no resultado, as conclusões do grupo da CPI. E, até o momento, ele tem buscado claramente culpar o governo. E não tem conseguido”, dispara, argumentando que a postura de Calheiros pode comprometer a apuração dos senadores.
O mineiro acredita que o relatório final pode, sim, ser guia rumo à responsabilização de eventuais culpados. “A lei brasileira é muito clara: responsabilização por omissão? Por desvio de dinheiro? Isso tudo tem que ser investigado”.
A CPI se programa para, nesta semana, tomar o depoimento do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello. A Advocacia-Geral da União (AGU) enviou, ao Supremo Tribunal Federal (STF), pedido de habeas corpus para que o general possa optar pelo silêncio durante a oitiva.
O objetivo do ofício, acolhido pelo ministro Ricardo Lewandowski, é evitar que ele produza provas contra si mesmo. Para Viana, não haverá surpresas se o militar ficar, de fato, calado. “O silêncio dele no meio dos parlamentares vai dar sequência ao que ele sempre foi. Uma CPI é uma questão de parlamentares; ele nunca se relacionou bem com a política”, explica.
Críticas, também, a João Doria (PSDB), governador de São Paulo e um dos principais opositores de Bolsonaro. “Todo e qualquer político que tentar ganhar evidência ou votos em cima desta tragédia vai se dar mal”.
Como o senhor avalia as duas semanas iniciais de CPI da COVID?
Esta CPI, a meu ver, entrou pela porta dos fundos do Senado. Deveria ser uma decisão autônoma, dos senadores. Ela veio por uma decisão monocrática do ministro (Luís Roberto) Barroso (do STF), o que, a meu ver, é uma ingerência entre os Poderes. Ele está invadindo a competência do outro. Mas, já que o Senado aceitou, por decisão do presidente (Rodrigo Pacheco, do DEM), é preciso que se cumpra. Os primeiros depoimentos não trouxeram absolutamente nada novo que a imprensa não tenha divulgado (antes). Tudo aquilo que foi falado pelo ex-ministro (Luiz Henrique) Mandetta, pelo presidente da Anvisa (Antonio Barra Torres) e pelo presidente da Pfizer já era amplamente conhecido. Até o momento, a CPI está caminhando para confirmar o que já se tinha de informações, mas nada, absolutamente, que possa nos dizer, com toda a tranquilidade, por que tantos brasileiros morreram. A meu ver, essa resposta deve ser o principal objetivo daqui para frente.
Embora o senhor diga que os depoimentos não tenham revelado novidades, algum deles em especial despertou a atenção do senhor?
A questão dos contratos da Pfizer mostra que já poderíamos ter adiantado as negociações de compra de vacinas. Nesse ponto, realmente, o Ministério da Saúde deixou a desejar. Poderíamos ter feito os acordos, ter mais brasileiros vacinados e, já, uma imunização mais ampla. A compra de vacinas esbarrou em outros acordos que o Brasil já tinha. Fui relator (de Medida Provisória que liberou) R$ 2 bilhões para o desenvolvimento final da AstraZeneca. O Brasil já tinha outros acordos, mas poderíamos ter comprado as vacinas antecipadamente.
O senhor crê que o depoimento de Carlos Murillo, da Pfizer, vai implicar em desdobramentos ao governo?
Depois que a CPI for concluída, temos que parar e avaliar, de fato, o que nos levou a essa tragédia. O país precisa de respostas, e não de culpados. Culpa, em uma tragédia, não tem uma só. Há uma série de culpados ou culpas. O governo federal pode ter demorado a comprar vacinas, mas os estados não fizeram o programa de prevenção da maneira que deveriam ter feito. Os prefeitos não organizaram os atendimentos da maneira que deveriam em todo o país. Tivemos uma tentativa de antecipação da eleição por parte do governador de São Paulo. Isso gerou, no Brasil todo, uma insegurança muito grande — e, principalmente, ações independentes e isoladas. Isso acabou facilitando e, infelizmente, levando mais pessoas à morte. Não tem um erro só. É uma sequência deles. A CPI vai prestar grande serviço ao Brasil se nos disser onde podemos mudar para resolver essas questões.
Quando o senhor fala que o governador Doria tentou antecipar a eleição, a que se refere?
À reunião em que ele tentou juntar governadores em uma espécie de governo paralelo. Isso gerou, no país, uma insatisfação muito grande. Tanto que ele amarga índices de popularidade muito baixos. Todo e qualquer político que tentar ganhar evidência ou votos em cima desta tragédia vai se dar mal.
O senhor disse que não é hora de procurar culpados. Mesmo assim, é possível apontar falhas na condução do governo federal?
Claro. A CPI pode apresentar as falhas que precisam ser corrigidas. Não podemos permitir que em outra possível tragédia no futuro — outra pandemia — tenhamos o mesmo tipo de procedimento. O relatório, mostrando falhas, tem, primeiramente, o objetivo de corrigir e melhorar o atendimento à população. Depois, podemos buscar a responsabilização. A lei brasileira é muito clara: responsabilização por omissão? Por desvio de dinheiro? Isso tudo tem que ser investigado. Não podemos dizer, hoje, que temos um culpado — ou quem são os culpados. Isso tudo é da investigação.
O ex-ministro Pazuello, via AGU, apresentou habeas corpus, acolhido pelo STF, para ficar em silêncio. Renan Calheiros havia pedido o veto à solicitação. O que o senhor pensa desse imbróglio?
O senador Renan é opositor ao governo. A forma como ele tem agido na CPI pode, inclusive, comprometer os resultados da comissão. Um relator não pode ser juiz. Um relator precisa trazer, no resultado, as conclusões do grupo da CPI. E, até o momento, ele tem buscado claramente culpar o governo. E não tem conseguido. Se esse comportamento não mudar — e Omar Aziz (PSD-AM, presidente da CPI) não buscar centrar a investigação em respostas ao país — a CPI pode ficar comprometida. Pazuello é um general, e não um político. Ele tem muitas dificuldades no relacionamento político. Tanto que, quando ministro da Saúde, não recebia os parlamentares. Ele sempre foi uma pessoa muito fechada, de pouquíssimo diálogo. O silêncio dele no meio dos parlamentares vai dar sequência ao que ele sempre foi. Uma CPI é uma questão de parlamentares; ele nunca se relacionou bem com a política.