O ex-secretário de Estado de Saúde de Minas Gerais, Carlos Eduardo Amaral, enfrentou interrogatório na Assembleia Legislativa, nesta quinta-feira (20/5). Ao depor à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga possíveis irregularidades na aplicação de vacinas antiCOVID-19 em servidores administrativos da pasta, o médico foi acusado de mentir aos integrantes do comitê.
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Amaral refuta 'fura-fila' e alega ter tomado vacina por 'bom exemplo''O senhor está mentindo', diz presidente da CPI a ex-secretário de MinasÁrea técnica da Saúde de MG pediu que não houvesse vacinação em ConfinscpiFURAFILACPI dos Fura-filas apura gastos do governo de Romeu ZemaPazuello: Bolsonaro negou pedido de intervenção na crise do oxigênio no AMA oitiva desta quinta foi a última da fase que apura os supostos “fura-filas” da Saúde. Agora, o comitê de inquérito parte para examinar os gastos do governo de Romeu Zema (Novo) no enfrentamento à pandemia. (Leia mais sobre a segunda fase no fim deste texto).
O médico garantiu aos deputados que a secretaria seguiu as regras de priorização estabelecidas pelo Ministério da Saúde. A explicação não deixou os deputados satisfeitos: Amaral foi questionado sobre o fato de, mesmo pertencendo a um nível que tinha posições inferiores na ordem de prioridades, ter sido vacinado em 19 de fevereiro. Àquela época, pessoas que exerciam funções com mais riscos de contrair o novo coronavírus ainda não haviam sido contempladas com a dose inicial.
Carlos Amaral argumentou que estava no terceiro grupo de prioridades, que abriga servidores em trabalho de campo. Em oitivas anteriores, contudo, integrantes da equipe do ex-secretário asseguraram que ele pertencia ao nível quatro.
“O depoimento é uma oportunidade constitucional e legal de defesa. Não vou gastar tempo com quem está mentindo. O ex-secretário veio com a predisposição de mentir. E ele tanto sabe que está mentindo que disse isso na cara dele, que ficou calado. Ele sequer respondeu e sabe que os documentos que temos, conferidos pela defesa dele, mostram que está mentindo”, disse o presidente da CPI, João Vítor Xavier (Cidadania), que garantiu que os trabalhos não vão acabar em “pizza”.
Investigado pelos deputados, o ex-secretário, que ainda aguarda a segunda dose, alegou ter sido convocado pela diretoria de Agravos Transmissíveis da SES-MG para receber a vacina. “O chamamento não fui eu que fiz. Na hora em que fui chamado, compareci (para a imunização”, justificou. “O processo foi extremamente correto. Não tenho dúvidas de que isso será levado em consideração por esta CPI. Fizemos um processo exemplar. Não há vício ou nada diferente do que deveria ser feito. Não houve fura-fila”, sustentou.
Responsabilizações
Antes do depoimento de Carlos Amaral, outros funcionários da Saúde ouvidos pela CPI admitiram que trabalhadores administrativos receberam doses da reserva técnica, contingente destinado para suprir eventualidades como quebras ou problemas no acondicionamento. Os deputados, então, passaram a procurar documento que avalizava a prática, mas descobriram que não há norma tratando do tema.
Nesta quinta, Amaral foi questionado sobre a utilização desse contingente, mas alegou que, em determinado tempo, as vacinas reservas podem ser direcionadas a grupos prioritários. Em tese, as reservas técnicas pertencem aos 853 municípios do estado
“A reserva técnica se destina à reposição de perdas daquele lote que chegou. Quando se chega uma nova remessa, a reserva técnica expira e pode ser usada para a vacinação, seguindo a prioridade dos grupos conforme o Plano Nacional de Imunização (PNI). Quando iniciamos a vacinação, estávamos na quarta remessa. Portanto, tínhamos três reservas técnicas expirantes”, sustentou.
O indiciamento de Amaral é uma das possibilidades, a depender das conclusões obtidas pela apuração.
“Queremos fazer um trabalho que apure a não observância do Plano Nacional de Imunização - fura filas — para que a Assembleia possa dar respostas a população mineira que tanto merece. Nós estamos ouvindo e percebendo tantas notícias de idosos que não receberam a segunda dose da vacina pela escassez e não podemos aceitar o desmando como foi a vacinação sem ordem prioritária da Secretaria de Estado da Saúde”, falou, ao Estado de Minas, o relator da CPI, Cássio Soares (PSD).
Críticas a ato em Confins
A solenidade ocorrida em 18 de janeiro para iniciar a vacinação no estado também foi alvo da oitiva. Amaral ouviu a transcrição de áudios sigilosos entregues à CPI por Janaína Passos de Paula, subsecretária de Vigilância em Saúde, que reprovava a cerimônia no Aeroporto de Confins.
Janaína se dirige a Amaral e ao ex-chefe de gabinete da secretaria de Saúde, João Pinho. A este segundo, a técnica diz temer repercussões negativas do ato no aeroporto e defende o cumprimento da programação original, que previa que a solenidade ocorresse no Hospital Eduardo de Menezes, em BH.
“Se der, minimamente, uma coisa errada, isso vai reverter contra a gente, não é? Tecnicamente, não concordo, realmente, com essa realização lá”, argumenta, no áudio.
Para Amaral, ela também se queixou. “Ainda gostaria que fosse considerado fazer no Eduardo de Menezes, em vez de fazer no Aeroporto de Confins”, cita trecho de outra gravação, dessa vez dirigida ao secretário.
Questionado sobre as conversas, o ex-secretário alegou que a decisão foi tomada em conjunto. “Não houve desacordo com orientação técnica. Houve construção. A vacinação seguiu um consenso de que, no final das contas, depois de discussão, poderia ser feita no aeroporto. Isso era uma orientação da comunicação do governo e da Secretaria Geral”.
Citada por Amaral, a Secretaria Geral determinou a data do evento. O secretário Mateus Simões confirmou a informação à reportagem. Mais tarde, via assessoria, Amaral reconheceu que partiu dele próprio o aval que determinou a cerimônica no terminal.
CPI articula exame sobre as contas de Zema
Depois de conversarem com Carlos Amaral, os deputados aprovaram uma série de requerimentos para iniciar a análise dos gastos estaduais para conter a pandemia. O Palácio Tiradentes precisará prestar informações como o número de leitos abertos para abrigar infectados e a execução do mínimo constitucional em saúde.
O substituto de Amaral no governo, Fábio Baccheretti, foi convidado para depor aos deputados. O mesmo ocorreu com Gustavo Barbosa, secretário de Fazenda.
“Por incrível que pareça, somos o segundo maior estado do Brasil, mas o único que gastou menos (na saúde) em 2020, auge da pandemia, do que havia gasto em 2019”, criticou João Vítor Xavier.
O que é uma CPI?
O que a CPI dos fura-fila investiga?
Saiba como funciona uma CPI
O que uma CPI pode fazer?
- chamar testemunhas para oitivas, com o compromisso de dizer a verdade
- convocar suspeitos para prestar depoimentos (há direito ao silêncio)
- executar prisões em caso de flagrante
- solicitar documentos e informações a órgãos ligados à administração pública
- convocar autoridades, como ministros de Estado — ou secretários, no caso de CPIs estaduais — para depor
- Ir a qualquer ponto do país — ou do estado, no caso de CPIs criadas por assembleias legislativas — para audiências e diligências
- quebrar sigilos fiscais, bancários e de dados se houver fundamentação
- solicitar a colaboração de servidores de outros poderes
- elaborar relatório final contendo conclusões obtidas pela investigação e recomendações para evitar novas ocorrências como a apurada
- pedir buscas e apreensões (exceto a domicílios)
- solicitar o indiciamento de envolvidos nos casos apurados
O que uma CPI não pode fazer?
Embora tenham poderes de Justiça, as CPIs não podem:
- julgar ou punir investigados
- autorizar grampos telefônicos
- solicitar prisões preventivas ou outras medidas cautelares
- declarar a indisponibilidade de bens
- autorizar buscas e apreensões em domicílios
- impedir que advogados de depoentes compareçam às oitivas e acessem
- documentos relativos à CPI
- determinar a apreensão de passaportes
A história das CPIs no Brasil
CPIs famosas no Brasil
1992: CPMI do Esquema PC Farias - culminou no impeachment de Fernando Collor
1993: CPI dos Anões do Orçamento (Câmara) - apurou desvios do Orçamento da União
2000: CPIs do Futebol - (Senado e Câmara, separadamente) - relações entre CBF, clubes e patrocinadores
2001: CPI do Preço do Leite (Assembleia de MG e outros Legislativos estaduais, separadamente) - apurar os valores cobrados pelo produto e as diretrizes para a formulação dos valores
2005: CPMI dos Correios - investigar denúncias de corrupção na empresa estatal
2005: CPMI do Mensalão - apurar possíveis vantagens recebidas por parlamentares para votar a favor de projetos do governo
2006: CPI dos Bingos (Câmara) - apurar o uso de casas de jogo do bicho para crimes como lavagem de dinheiro
2006: CPI dos Sanguessugas (Câmara) - apurou possível desvio de verbas destinadas à Saúde
2015: CPI da Petrobras (Senado) - apurar possível corrupção na estatal de petróleo
2015: Nova CPI do Futebol (Senado) - Investigar a CBF e o comitê organizador da Copa do Mundo de 2014
2019: CPMI das Fake News - disseminação de notícias falsas na disputa eleitoral de 2018
2019: CPI de Brumadinho (Assembleia de MG) - apurar as responsabilidades pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão