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Estado de Minas ALMG

Ex-secretário de Saúde é acusado de mentir na CPI dos 'fura-filas'

Após depoimento de Carlos Eduardo Amaral, pivô de possíveis irregularidades na vacinação, parlamentares estaduais de MG vão examinar gastos públicos


20/05/2021 15:28 - atualizado 20/05/2021 15:54

Em longo depoimento, Carlos Amaral explicou a deputados seu papel em processo de vacinação(foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
Em longo depoimento, Carlos Amaral explicou a deputados seu papel em processo de vacinação (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
O ex-secretário de Estado de Saúde de Minas Gerais, Carlos Eduardo Amaral, enfrentou interrogatório na Assembleia Legislativa, nesta quinta-feira (20/5). Ao depor à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga possíveis irregularidades na aplicação de vacinas antiCOVID-19 em servidores administrativos da pasta, o médico foi acusado de mentir aos integrantes do comitê.

Amaral precisou dar explicações sobre as regras que nortearam as imunizações. Ele tentou justificar o fato de ter sido vacinado em meados de fevereiro e defendeu a utilização de doses da reserva técnica em trabalhadores da secretaria. Paralelamente, deputados revelaram que uma área técnica da Saúde se opôs à escolha do Aeroporto de Confins, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, como sede da cerimônia simbólica de abertura da vacinação.

A oitiva desta quinta foi a última da fase que apura os supostos “fura-filas” da Saúde. Agora, o comitê de inquérito parte para examinar os gastos do governo de Romeu Zema (Novo) no enfrentamento à pandemia. (Leia mais sobre a segunda fase no fim deste texto). 

O médico garantiu aos deputados que a secretaria seguiu as regras de priorização estabelecidas pelo Ministério da Saúde. A explicação não deixou os deputados satisfeitos: Amaral foi questionado sobre o fato de, mesmo pertencendo a um nível que tinha posições inferiores na ordem de prioridades, ter sido vacinado em 19 de fevereiro. Àquela época, pessoas que exerciam funções com mais riscos de contrair o novo coronavírus ainda não haviam sido contempladas com a dose inicial.

Carlos Amaral argumentou que estava no terceiro grupo de prioridades, que abriga servidores em trabalho de campo. Em oitivas anteriores, contudo, integrantes da equipe do ex-secretário asseguraram que ele pertencia ao nível quatro.

“O depoimento é uma oportunidade constitucional e legal de defesa. Não vou gastar tempo com quem está mentindo. O ex-secretário veio com a predisposição de mentir. E ele tanto sabe que está mentindo que disse isso na cara dele, que ficou calado. Ele sequer respondeu e sabe que os documentos que temos, conferidos pela defesa dele, mostram que está mentindo”, disse o presidente da CPI, João Vítor Xavier (Cidadania), que garantiu que os trabalhos não vão acabar em “pizza”.

Investigado pelos deputados, o ex-secretário, que ainda aguarda a segunda dose, alegou ter sido convocado pela diretoria de Agravos Transmissíveis da SES-MG para receber a vacina. “O chamamento não fui eu que fiz. Na hora em que fui chamado, compareci (para a imunização”, justificou. “O processo foi extremamente correto. Não tenho dúvidas de que isso será levado em consideração por esta CPI. Fizemos um processo exemplar. Não há vício ou nada diferente do que deveria ser feito. Não houve fura-fila”, sustentou.

Responsabilizações


Antes do depoimento de Carlos Amaral, outros funcionários da Saúde ouvidos pela CPI admitiram que trabalhadores administrativos receberam doses da reserva técnica, contingente destinado para suprir eventualidades como quebras ou problemas no acondicionamento. Os deputados, então, passaram a procurar documento que avalizava a prática, mas descobriram que não há norma tratando do tema.

Nesta quinta, Amaral foi questionado sobre a utilização desse contingente, mas alegou que, em determinado tempo, as vacinas reservas podem ser direcionadas a grupos prioritários. Em tese, as reservas técnicas pertencem aos 853 municípios do estado

“A reserva técnica se destina à reposição de perdas daquele lote que chegou. Quando se chega uma nova remessa, a reserva técnica expira e pode ser usada para a vacinação, seguindo a prioridade dos grupos conforme o Plano Nacional de Imunização (PNI). Quando iniciamos a vacinação, estávamos na quarta remessa. Portanto, tínhamos três reservas técnicas expirantes”, sustentou.

O indiciamento de Amaral é uma das possibilidades, a depender das conclusões obtidas pela apuração.

“Queremos fazer um trabalho que apure a não observância do Plano Nacional de Imunização - fura filas — para que a Assembleia possa dar respostas a população mineira que tanto merece. Nós estamos ouvindo e percebendo tantas notícias de idosos que não receberam a segunda dose da vacina pela escassez e não podemos aceitar o desmando como foi a vacinação sem ordem prioritária da Secretaria de Estado da Saúde”, falou, ao Estado de Minas, o relator da CPI, Cássio Soares (PSD).

Críticas a ato em Confins


A solenidade ocorrida em 18 de janeiro para iniciar a vacinação no estado também foi alvo da oitiva. Amaral ouviu a transcrição de áudios sigilosos entregues à CPI por Janaína Passos de Paula, subsecretária de Vigilância em Saúde, que reprovava a cerimônia no Aeroporto de Confins.

Janaína se dirige a Amaral e ao ex-chefe de gabinete da secretaria de Saúde, João Pinho. A este segundo, a técnica diz temer repercussões negativas do ato no aeroporto e defende o cumprimento da programação original, que previa que a solenidade ocorresse no Hospital Eduardo de Menezes, em BH.

“Se der, minimamente, uma coisa errada, isso vai reverter contra a gente, não é? Tecnicamente, não concordo, realmente, com essa realização lá”, argumenta, no áudio.

Para Amaral, ela também se queixou. “Ainda gostaria que fosse considerado fazer no Eduardo de Menezes, em vez de fazer no Aeroporto de Confins”, cita trecho de outra gravação, dessa vez dirigida ao secretário.

Questionado sobre as conversas, o ex-secretário alegou que a decisão foi tomada em conjunto. “Não houve desacordo com orientação técnica. Houve construção. A vacinação seguiu um consenso de que, no final das contas, depois de discussão, poderia ser feita no aeroporto. Isso era uma orientação da comunicação do governo e da Secretaria Geral”.

Citada por Amaral, a Secretaria Geral determinou a data do evento. O secretário Mateus Simões confirmou a informação à reportagem. Mais tarde, via assessoria, Amaral reconheceu que partiu dele próprio o aval que determinou a cerimônica no terminal.

CPI articula exame sobre as contas de Zema


Depois de conversarem com Carlos Amaral, os deputados aprovaram uma série de requerimentos para iniciar a análise dos gastos estaduais para conter a pandemia. O Palácio Tiradentes precisará prestar informações como o número de leitos abertos para abrigar infectados e a execução do mínimo constitucional em saúde.

O substituto de Amaral no governo, Fábio Baccheretti, foi convidado para depor aos deputados. O mesmo ocorreu com Gustavo Barbosa, secretário de Fazenda.

“Por incrível que pareça, somos o segundo maior estado do Brasil, mas o único que gastou menos (na saúde) em 2020, auge da pandemia, do que havia gasto em 2019”, criticou João Vítor Xavier.

 

O que é uma CPI?

As comissões parlamentares de inquérito (CPIs) são instrumentos usados por integrantes do Poder Legislativo (vereadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores) para investigar fato determinado de grande relevância ligado à vida econômica, social ou legal do país, de um estado ou de um município. Embora tenham poderes de Justiça e uma série de prerrogativas, comitês do tipo não podem estabelecer condenações a pessoas.

Para ser instalado no Senado Federal, uma CPI precisa do aval de, ao menos, 27 senadores; um terço dos 81 parlamentares. Na Câmara dos Deputados, também é preciso aval de ao menos uma terceira parte dos componentes (171 deputados).

Há a possibilidade de criar comissões parlamentares mistas de inquérito (CPMIs), compostas por senadores e deputados. Nesses casos, é preciso obter assinaturas de um terço dos integrantes das duas casas legislativas que compõem o Congresso Nacional.

O que a CPI dos fura-fila investiga?

Na Assembleia de Minas, as CPIs podem funcionar por 120 dias. Posteriormente, é possível prorrogar os trabalhos por mais 60 dias. O presidente é João Vítor Xavier (Cidadania); a relatoria está a cargo de Cássio Soares (PSD).


Saiba como funciona uma CPI

Após a coleta de assinaturas, o pedido de CPI é apresentado ao presidente da respectiva casa Legislativa. O grupo é oficialmente criado após a leitura em sessão plenária do requerimento que justifica a abertura de inquérito. Os integrantes da comissão são definidos levando em consideração a proporcionalidade partidária — as legendas ou blocos parlamentares com mais representantes arrebatam mais assentos. As lideranças de cada agremiação são responsáveis por indicar os componentes.

Na primeira reunião do colegiado, os componentes elegem presidente e vice. Cabe ao presidente a tarefa de escolher o relator da CPI. O ocupante do posto é responsável por conduzir as investigações e apresentar o cronograma de trabalho. Ele precisa escrever o relatório final do inquérito, contendo as conclusões obtidas ao longo dos trabalhos. 

Em determinados casos, o texto pode ter recomendações para evitar que as ilicitudes apuradas não voltem a ocorrer, como projetos de lei. O documento deve ser encaminhado a órgãos como o Ministério Público e a Advocacia-Geral da União (AGE), na esfera federal.

Conforme as investigações avançam, o relator começa a aprimorar a linha de investigação a ser seguida. No Congresso, sub-relatores podem ser designados para agilizar o processo.

As CPIs precisam terminar em prazo pré-fixado, embora possam ser prorrogadas por mais um período, se houver aval de parte dos parlamentares.

O que uma CPI pode fazer?

  • chamar testemunhas para oitivas, com o compromisso de dizer a verdade
  • convocar suspeitos para prestar depoimentos (há direito ao silêncio)
  • executar prisões em caso de flagrante
  • solicitar documentos e informações a órgãos ligados à administração pública
  • convocar autoridades, como ministros de Estado — ou secretários, no caso de CPIs estaduais — para depor
  • Ir a qualquer ponto do país — ou do estado, no caso de CPIs criadas por assembleias legislativas — para audiências e diligências
  • quebrar sigilos fiscais, bancários e de dados se houver fundamentação
  • solicitar a colaboração de servidores de outros poderes
  • elaborar relatório final contendo conclusões obtidas pela investigação e recomendações para evitar novas ocorrências como a apurada
  • pedir buscas e apreensões (exceto a domicílios)
  • solicitar o indiciamento de envolvidos nos casos apurados

O que uma CPI não pode fazer?

Embora tenham poderes de Justiça, as CPIs não podem:

  • julgar ou punir investigados
  • autorizar grampos telefônicos
  • solicitar prisões preventivas ou outras medidas cautelares
  • declarar a indisponibilidade de bens
  • autorizar buscas e apreensões em domicílios
  • impedir que advogados de depoentes compareçam às oitivas e acessem
  • documentos relativos à CPI
  • determinar a apreensão de passaportes

A história das CPIs no Brasil

A primeira Constituição Federal a prever a possibilidade de CPI foi editada em 1934, mas dava tal prerrogativa apenas à Câmara dos Deputados. Treze anos depois, o Senado também passou a poder instaurar investigações. Em 1967, as CPMIs passaram a ser previstas.

Segundo a Câmara dos Deputados, a primeira CPI instalada pelo Legislativo federal brasileiro começou a funcionar em 1935, para investigar as condições de vida dos trabalhadores do campo e das cidades. No Senado, comitê similar foi criado em 1952, quando a preocupação era a situação da indústria de comércio e cimento.

As CPIs ganharam estofo e passaram a ser recorrentes a partir de 1988, quando nova Constituição foi redigida. O texto máximo da nação passou a atribuir poderes de Justiça a grupos investigativos formados por parlamentares.

CPIs famosas no Brasil

1975: CPI do Mobral (Senado) - investigar a atuação do sistema de alfabetização adotado pelo governo militar

1992: CPMI do Esquema PC Farias - culminou no impeachment de Fernando Collor

1993: CPI dos Anões do Orçamento (Câmara) - apurou desvios do Orçamento da União

2000: CPIs do Futebol - (Senado e Câmara, separadamente) - relações entre CBF, clubes e patrocinadores

2001: CPI do Preço do Leite (Assembleia de MG e outros Legislativos estaduais, separadamente) - apurar os valores cobrados pelo produto e as diretrizes para a formulação dos valores

2005: CPMI dos Correios - investigar denúncias de corrupção na empresa estatal

2005: CPMI do Mensalão - apurar possíveis vantagens recebidas por parlamentares para votar a favor de projetos do governo

2006: CPI dos Bingos (Câmara) - apurar o uso de casas de jogo do bicho para crimes como lavagem de dinheiro

2006: CPI dos Sanguessugas (Câmara) - apurou possível desvio de verbas destinadas à Saúde

2015: CPI da Petrobras (Senado) - apurar possível corrupção na estatal de petróleo

2015: Nova CPI do Futebol (Senado) - Investigar a CBF e o comitê organizador da Copa do Mundo de 2014

2019: CPMI das Fake News - disseminação de notícias falsas na disputa eleitoral de 2018

2019: CPI de Brumadinho (Assembleia de MG) - apurar as responsabilidades pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão
 


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