O ex-deputado federal Jean Wyllys anunciou nesta sexta-feira, 21, que deixa o PSOL e passa a integrar o PT a partir da próxima semana. A filiação ocorre em meio a uma divisão interna no PSOL, entre partidários de uma candidatura própria e defensores do apoio à candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Simpático ao PT, Wyllys disse que preferiu mudar de sigla em vez de se envolver em uma disputa interna para convencer a ala que é contra a aliança. Ele classificou a oposição a Lula dentro do PSOL como "complexo de Édipo" - referência à rivalidade emocional com a figura paterna, na psicanálise -, lembrou que já estava afastado da discussão interna no partido e justificou que a mudança não ocorreu antes para não constranger a sigla. O ex-deputado disse que aposta na candidatura de Lula à Presidência.
"Quero liberdade plena para fazer desde já o que eu acho certo e melhor para o País", escreveu o ex-deputado ao Estadão, em entrevista por e-mail. "Eu tenho confiança em que os melhores quadros do PSOL vão conseguir, mas eu não tenho vontade de participar dessa luta interna, que é muito desgastante. E também não queria constranger ninguém do partido com a minha posição pública, que seria apoiar o Lula sem demora."
A filiação está marcada para a próxima segunda-feira, 24, em um evento virtual. Wyllys mora em Barcelona, após passagens pela Alemanha e Estados Unidos. Ele abriu mão de assumir seu terceiro mandato como deputado federal em janeiro de 2019, após sofrer ameaças de morte. Ele foi o primeiro parlamentar assumidamente gay a defender a causa LGBT no Congresso Nacional.
Wyllys considerou um equívoco o manifesto a favor de uma candidatura própria, assinado pela maior parte da bancada do PSOL na Câmara. A chapa seria encabeçada pelo deputado federal Glauber Braga (RJ), a quem o ex-deputado fez elogios, mas descartou apoio eleitoral.
"Ele (Braga) foi um dos poucos colegas do partido que me apoiou de verdade quando eu fui levado ao Conselho de Ética por cuspir no fascista", escreveu o ex-deputado sobre o episódio em que cuspiu em Jair Bolsonaro, então deputado federal, durante a votação do impeachment de Dilma Rousseff. "Acho que a minha mãe também votaria no Lula mesmo que eu me candidatasse."
Confira a íntegra da entrevista:
O que mais pesou na decisão de deixar o PSOL e se filiar ao PT, conforme anunciado?
Eu sou muito grato ao PSOL, que foi minha casa durante mais de uma década, mas eu já estava afastado de fato há tempos. Não quis me desfiliar antes para não prejudicar o partido, que tem muita gente que eu respeito e gosto, independentemente de algumas diferenças políticas, que são públicas e não acho que valha a pena destacar agora. O que eu posso destacar como verdade é que, quando eu fui vítima de fake news, difamado e ameaçado de morte, não recebi a solidariedade que eu esperava de alguns dirigentes que pensam demais na luta interna. Paguei esse preço por minha honestidade e coerência com meus princípios, por não calar o que eu penso. Mas isso é tempo passado, não saí do partido naquele momento. Na verdade, hoje, eu queria mesmo me filiar ao PT porque quero fortalecer a campanha do Lula. É isso, não tem outra razão. Lula foi o melhor presidente da história do Brasil e foi perseguido e injustamente encarcerado por um juiz medíocre que depois aceitou um ministério em troca no governo do fascista que ajudou a eleger. O resultado está aí, é a maior catástrofe da nossa história, com quase 450 mil mortos e um país destruído e moralmente arrasado. Nesse cenário, desde que recuperou sua liberdade e seus direitos políticos, Lula é uma esperança para todos os que querem que o pesadelo chamado "governo Bolsonaro" acabe de uma vez. Minha única prioridade é derrotar o fascismo e por isso vou me engajar muito na campanha do Lula.
Há integrantes do PSOL que deram declarações favoráveis à candidatura de Lula, como Guilherme Boulos e Marcelo Freixo, mas não deixaram o partido. Porque não foi possível contribuir para esse projeto sem deixar o PSOL?
Eu sou amigo do Guilherme (Boulos) e tenho um enorme respeito por ele. Acho que ele ainda vai ser uma pessoa muito importante no futuro do Brasil e vai escrever páginas da nossa história. Também respeito muito outros dirigentes do PSOL e sei que eles vão tentar que o partido desista do sectarismo, abandone o complexo de Édipo que o levou ao antipetismo e se integre à coligacão antifascista que vai derrotar Bolsonaro e eleger Lula presidente em 2022. Eu tenho confiança em que os melhores quadros do PSOL vão conseguir, mas eu não tenho vontade de participar dessa luta interna, que é muito desgastante. E também não queria constranger ninguém do partido com a minha posição pública, que seria apoiar o Lula sem demora. Eu sempre fui honesto com as minhas posições e isso gerou no passado algum constrangimento com pessoas do partido, que eu não queria repetir agora. Quero liberdade plena para fazer desde já o que eu acho certo e melhor para o país. Por outro lado, eu sempre tive um excelente relacionamento com o PT e me levantei contra o golpe sem esperar nada, num momento em que a maioria da imprensa apoiava os golpistas. Fui criticado por isso e acho que parte da imprensa não entendeu minha posição republicana em defesa da democracia. Eu nunca pedi um cargo nos governos petistas, nunca deixei de criticar as coisas que achava que devia criticar em nome da agenda e das pessoas que eu representava, e mantenho essas críticas, mas, quando o golpe tirou o PT do poder, não surfei no antipetismo. Muito pelo contrário, eu defendi o Lula quando a maioria da sociedade brasileira via o Moro como um herói. O tempo, esse "senhor tão bonito", colocou as coisas em seu lugar, e também a mim. Meu lugar, hoje, é o PT, e eu vou ajudar o partido e, como fiz no PSOL, vou me manter crítico quando for justo. Desde o seu nascimento, o PT comporta a crítica, e me recebe sabendo quem eu sou.
Sua atuação política, agora no PT, deve ser diferente da militância nos últimos anos?
Sim, porque eu estou fora do Brasil e só vou voltar quando eu tiver certeza de que isso não coloca minha vida em risco, ou a dos meus familiares. E também porque eu não sou mais deputado, mas um cidadão, um ativista, uma pessoa que quer ajudar a reconstruir o país que os fascistas estão destruindo. Quando o Brasil se livrar dessa corja de lunáticos e genocidas, muita coisa pode mudar, e eu espero estar aí para abraçar a minha mãe e tomar uma cerveja num boteco sem medo de ser morto pelas milícias de Bolsonaro. Quanto à minha agenda política, independente de onde eu estiver, ou da posição que eu ocupar, não vai ser diferente. Eu defendo os direitos humanos, o desenvolvimento sustentável, os direitos das minorias, a radicalização da democracia, e quero também trabalhar no combate às fake news e ao ódio na política, que é o tema da minha pesquisa de doutorado na Universidade de Barcelona.
Por que o senhor não considera uma candidatura num futuro próximo, conforme declaração à imprensa?
Eu não faço futurologia, não posso falar do futuro. Meu presente hoje é o de um brasileiro exilado na Espanha, que teve que sair do país porque era alvo dos fascistas que hoje estão no poder. Eu passei o último ano no Brasil andando de carro blindado, com escolta armada, recebendo ameaças de morte todos os dias e sendo alvo da mais gigantesca campanha de fake news que a gente pode lembrar no Brasil, que começou muitos anos antes, mas se agravou depois do golpe de 2016. Muita gente, inclusive da imprensa, não tem noção de como isso afetou minha vida. Estou me recuperando de tudo isso, inclusive do impacto emocional que teve. Quero dar um passo importante, que é me engajar na campanha do Lula. Do restante, não sei, o tempo dirá.
O que a pré-candidatura do deputado Glauber Braga e o manifesto por candidatura apontam sobre os rumos do PSOL, na sua opinião? O manifesto pesou na sua decisão?
Gosto muito do Glauber. Ele foi um dos poucos colegas do partido que me apoiou de verdade quando eu fui levado ao Conselho de Ética por cuspir no fascista. É um ótimo deputado e uma excelente pessoa. Mas eu discordo fortemente desse manifesto e acho um equívoco a candidatura. Uma companheira do PSOL, Adelita Monteiro, disse há poucos dias o seguinte: "Se eu me candidatar à presidência contra o Lula, nem a minha mãe vota em mim, e ela estaria certa". Acho que a minha mãe também votaria no Lula mesmo que eu me candidatasse.
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