O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) tem se destacado na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da COVID-19 pela forma incisiva com a qual questiona os depoentes. Ele crê que a investigação tem dado importantes passos na busca pelo nascedouro das políticas do governo de Jair Bolsonaro (sem partido) ante a pandemia.
“A gente está avançando na identificação da cadeia de comando da tomada de decisão”, disse o senador em entrevista ao Estado de Minas.
Leia Mais
CPI dos Fura-filas apura gastos do governo de Romeu ZemaVídeos indicam participação em gabinete paralelo e CPI quer ouvir WeintraubSincerão, Aziz se equilibra no fogo cruzado da CPICPI: 'Capitã cloroquina' criticou restrições e tinha 'má fama' na SaúdeSenador Alessandro Vieira: 'CPI não é para fazer discurso'CPI da Covid detalha falhas na pandemia e se torna mais um obstáculo para reeleição de Bolsonaro, dizem analistas'Capitã Cloroquina' depõe nesta terça-feira na CPI da COVIDDelegado da Polícia Civil, o parlamentar aponta contradições presentes nos relatos do general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde. Ele lembra que, enquanto Nelson Teich e Luiz Henrique Mandetta afirmaram que muitas de suas sugestões não eram aceitas, o militar assegurou ter tido autonomia para gerir a pasta.
“A narrativa do Pazuello parece totalmente dissociada da realidade”, destaca, fazendo alusão ao vídeo em que, hospitalizado em virtude do vírus, o então palaciano recebe uma visita de Bolsonaro e afirma seguir as ordens do chefe.
“A narrativa do Pazuello parece totalmente dissociada da realidade”, destaca, fazendo alusão ao vídeo em que, hospitalizado em virtude do vírus, o então palaciano recebe uma visita de Bolsonaro e afirma seguir as ordens do chefe.
Em março, Vieira ficou 11 dias internado por causa do coronavírus. De um leito em um hospital em São Paulo, enfrentou as agruras impostas pela infecção. Menos de dois meses depois, estava em uma sala de reuniões do Congresso Nacional, tomando depoimentos para entender a crise sanitária que assola o país. “A CPI vem conseguindo juntar provas e esclarecer mais os brasileiros no tocante à forma que o governo federal atuou”, esperança.
Como o senhor avalia as semanas iniciais de CPI?
A CPI vem conseguindo juntar provas e esclarecer mais os brasileiros no tocante à forma que o governo federal atuou, seja diretamente no combate à pandemia, com medidas de isolamento e atendimento mais rápido, mas também com relação à questão das vacinas. Isso vem em um somatório de peças de informação, que estão indo em crescente positiva.
Em quais linhas de investigação o senhor crê que a CPI deve se aprofundar a partir de agora?
A gente vem recebendo – e faz sentido, em breve, passar a analisar – a questão dos repasses federais a estados e municípios. Na esfera federal, é preciso concluir a apuração referente à contratação das vacinas da fornecedora Pfizer, porque já temos documentos relativos a isso e tivemos depoimentos. Acredito que mais alguns depoimentos – pedi a reconvocação do ex-ministro Eduardo Pazuello – e a gente consegue encerrar essa parte específica. Há várias outras (questões): a questão de Manaus, o fornecimento de oxigênio e as escolhas que o governo fez, e todo o processo de tomada de decisão para atendimento à crise causada pelo coronavírus.
O senhor falou em estados e municípios. Como projeta o avanço da CPI em torno de temas regionalizados?
Fazem parte do escopo da CPI e não devem ser ignoradas, tanto por conta da demanda social e pela questão da gravidade dos fatos. Acredito que essa análise vai ser, essencialmente, documental. Ou seja: a CPI já pediu e está recebendo documentos relativos à prestação de contas dos repasses e, também, investigações que já aconteceram e estão em andamento Brasil afora. (A comissão) vai fazer um filtro em cima disso e no relatório final, certamente, indicar às autoridades responsáveis pela fiscalização as medidas que possam ser tomadas para evitar que saiam impunes aqueles que desperdiçaram ou roubaram dinheiro público durante esta grave crise da pandemia.
O presidente da CPI, Omar Aziz, solicitou que fossem retirados dos autos a citação que o senhor fez, durante o depoimento do general Pazuello, do julgamento do oficial nazista Adolf Eichmann em Jerusalém. Por que o senhor fez essa referência? Um senador governista chegou a acusá-lo de xenofobia. O senhor se arrepende da citação?
O único governista que falou essa bobagem (Marcos Rogério, DEM-RO) pediu a retirada, espontaneamente, da ofensa. Falta um pouco de conhecimento histórico e, talvez, até uma capacidade de raciocínio lógico. Mas compenso isso explicando: Eichmann não era um monstro ou mesmo um preconceituoso. Foi isso que Hannah Arendt (estudiosa do regime nazista) descobriu em seu julgamento. Eichmann era só um burocrata, carreirista, que queria vantagens pessoais – não desonestas e de corrupção, mas uma promoção, um acesso a um elogio do chefe e um certo status dentro do sistema. Esse foi o paralelo feito com o general Eduardo Pazuello, que, na minha opinião, casa concretamente com isso. Eduardo Pazuello não é um monstro. Ele não quer que o brasileiro morra faltando oxigênio em cima de uma cama de hospital em Manaus. Mas ele executou uma política absolutamente irresponsável. Ele não parou um instante para questionar se comprar ou não comprar as vacinas era a medida certa. Não tenho nenhum tipo de arrependimento e isso ficou bastante claro, inclusive, no momento. A fala teve contexto absolutamente correto e, claramente, não ofendeu nenhum tipo de etnia ou povo. Seria uma ignorância histórica muito grande dar essa interpretação (xenofobia), que foi só um recurso utilizado por um governista para tentar criar um tumulto na hora.
Pelo que foi dito nos depoimentos, qual a responsabilidade do presidente Bolsonaro nas mortes dos mais de 400 mil brasileiros pela COVID? Parte dessas mortes poderia ter sido evitada?
O Brasil poderia ter um comportamento muito mais positivo nesta crise. A gente está avançando na identificação da cadeia de comando da tomada de decisão. O ex-ministro Eduardo Pazuello foi o único a referir uma autonomia e possibilidade de comando total por parte do ministério. Seus antecessores relataram, com absoluta clareza, que as sugestões e orientações não eram aceitas. Parece muito mais compatível com a verdade a narrativa de Mandetta e Teich. A narrativa do Pazuello parece totalmente dissociada da realidade. A gente tem um arquivo claro, na memória, do famoso vídeo do ‘um manda, o outro obedece’. Lembrei ao ministro Pazuello que, mesmo no direito militar, não existe o dever de obediência. Não é assim que funciona no Brasil. No Brasil, quando uma ordem é incorreta ou inadequada, deve ser questionada pelo subordinado. Mais ainda quando representa risco de morte a alguém. O professor Pedro Hallal fez um cálculo, corroborado por outros especialistas, no sentido de que aquela quantidade de vacinas das quais o Brasil abriu mão, se tivessem chegado a tempo, poderiam representar redução de milhares de mortes e dezenas de milhares de internações.
Em suas intervenções, o senhor não faz discurso; opta por ir direto às perguntas. Por quê? Crê que a experiência como delegado ajuda na busca por respostas dos depoentes?
Essa experiência claramente colabora. É uma Comissão Parlamentar de Inquérito, então, o momento que o parlamentar dispõe é para questionar a testemunha ou o investigado. Não é para fazer discurso. Entendo perfeitamente que alguns colegas façam a opção pelo discurso, mas claramente isso não é produtivo. O que você tem que fazer ali, naquele momento, é buscar extrair o máximo de informação para ter um conjunto de provas e evidências que levem a alguma conclusão. Os parlamentares brasileiros são vocacionados para falar, e não para ouvir. E, na CPI, o mais importante é ouvir.
O senhor crê na convocação de Carlos Bolsonaro?
Pedi a convocação do Carlos, como de todos aqueles referidos como testemunhas. Cada um tem um papel dentro de sua atuação política e, no caso, da CPI. Meu papel está sendo muito claramente o de mostrar qual é o caminho técnico de investigação. E, para fazer um caminho técnico, não se pode olhar o CPF ou a filiação de uma testemunha referida. Carlos Bolsonaro foi referido como uma pessoa que participa desse circuito de tomada de decisão, claramente sem nenhuma formação para tanto. A gente vê esse tipo de situação, também, nas tratativas com a Pfizer: as tratativas, aparentemente, eram conduzidas por pessoas que não tinham a formação mais adequada para fazer aquilo. Então, ouvi-lo seria muito importante, mas passa pela decisão do colegiado. No momento, não tem um consenso pela convocação.
Contradições entre ex-ministros da Saúde
Delegado da Polícia Civil e senador em primeiro mandato, Alessandro Vieira (Cidadania-SE) aponta diferenças entre a linha adotada por Eduardo Pazuello durante o depoimento à CPI e a postura, nas oitivas de seus antecessores. Para o parlamentar, Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich evidenciaram que o governo federal deixou de seguir recomendações amparadas pela ciência. O general, por seu turno, demonstrou ter perfil cumpridor de ordens, sustenta.
“Esses dois ex-ministros, na condição de médicos, orientaram constantemente o governo no sentido daquilo que parece ser consenso científico global: medidas de isolamento e proteção individual e a busca pela vacinação. E o presidente da República, assessorado por uma espécie de ‘conselho informal’, de não especialistas, em sua maioria – pelo menos até agora não consegui identificar nenhum especialista propriamente dito que faça parte desse grupo –, acabou optando pelo sentido diverso: apostar em um medicamento que não tem eficácia e menosprezar as medidas de isolamento”, dispara.
Vieira se ampara no depoimento do presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres, que é almirante, para corroborar os pontos de Mandetta e Teich. “O almirante Barra também veio de forma muito firme nesse sentido: o governo tinha técnicos que apontavam o caminho, mas o governo escolhia caminhos diversos”