A permanência na ativa do general Eduardo Pazuello ficou inviável após o ex-ministro da Saúde, investigado pela Polícia Federal e um dos alvos da CPI da COVID subir em um carro de som, ao lado do presidente da República, Jair Bolsonaro, para prestigiar o ex-chefe em um evento no Rio de Janeiro. A pressão para que o militar entrasse na reserva, que ocorria desde quando Pazuello assumiu o comando da pasta em 2020, ficou mais evidente com a exoneração do cargo e se acentuou com a participação na CPI, sobretudo com a possibilidade de reconvocação. Agora, o Exército deve dar a cartada final, mas espera que o próprio general a faça.
Isso porque, caso o pedido de entrar para a reserva parta do próprio militar, uma eventual ruptura entre o Exército e o presidente da República é amenizada. Por mais de uma vez, no entanto, Pazuello frisou a vontade de retornar aos serviços. Diante da aproximação política do general com o presidente, esgotaram-se os pretextos para mantê-lo na ativa e o general, por livre e espontânea pressão, terá que declarar “missão cumprida”, tal como justificou a saída do Ministério da Saúde. É o que ventilou durante toda a tarde de ontem entre os integrantes do Alto Comando, após a participação de Pazuello em ato político pró-Bolsonaro.
O general chegou de máscara ao local, mas a tirou para subir no trio e ser elogiado pelo ex-chefe. “Esse é o gordo do bem. É o gordo paraquedista. O nosso ministro conduziu com muita responsabilidade (a pasta)”, elogiou o presidente, abraçando o aliado. Pazuello fez coro e cumprimentou os apoiadores do mandatário. A junção da imagem de um militar da ativa com um líder político que galga uma reeleição foi reforçada com o discurso final de Bolsonaro, que voltou a invocar a Força como aliada. "Meu Exército jamais irá às ruas para manter vocês dentro de casa . Nosso Exército são vocês", disse.
A participação de Pazuello gerou críticas. O PSDB emitiu posição, pelas redes sociais, afirmando que “um general de Divisão do Exército Brasileiro participando de um evento de natureza política não condiz e não respeita a instituição da qual faz parte”. Já o PT postou uma ilustração de Pazuello com a frase “missão cumprida” e o número de mortes pela COVID-19 ao redor. Além de criticar o general, a legenda afirmou que vai protocolar uma representação junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) para apurar os gastos públicos feitos pelo presidente em viagem “a fim de promover ato político em tom de comício eleitoral”.
O movimento do Exército, por outro lado, vai no caminho reverso: de desassociar a imagem da Força ao viés político. Além do objetivo de proteger a imagem da instituição, a aliança entre um general da ativa com participação política ao lado do presidente da República preocupa o Exército pela crise interna sem precedentes que essa associação pode gerar. O receio é que haja uma politização dentro dos quartéis e, caso Pazuello não sofra punições, isso sirva de justificativa para que outros comandantes participem de atos políticos.
O estatuto detalha ser transgressão “manifestar-se, publicamente, o militar da ativa, sem que esteja autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária”. A punição prevê, inclusive, detenção nas dependências do Exército. Comandantes do alto escalão defendem a necessidade de uma decisão que passe a mensagem clara de que o Exército não é partidário e serve à Pátria, e não a Bolsonaro. A sinuca de bico é fazer isso sem uma ruptura com o chefe de Estado. Quem bate o martelo é o comandante do Exército, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, decisão que deve ser tomada ainda nesta segunda-feira (24/5).
Outra alternativa colocada à mesa é remeter a reserva com data retroativa de sexta, de modo a evitar punição disciplinar por ter ido ao ato político. A medida, no entanto, pode configurar crime de falsificação de documento público. Ao que tudo indica, Pazuello deverá ser punido, ainda que de forma amena, e, de uma vez por todas, ser dispensado dos serviços antes de uma possível reconvocação à CPI, presença vista como maléfica à instituição.
O que diz a lei
De acordo com o Regulamento Disciplinar do Exército, aprovado por meio do Decreto nº 4.346, de 2002, faz parte da relação de transgressões, entre outros:
» Deixar de cumprir prescrições expressamente estabelecidas no Estatuto dos Militares ou em outras leis e regulamentos, desde que não haja tipificação como crime ou contravenção penal, cuja violação afete os preceitos da hierarquia e disciplina, a ética militar, a honra pessoal, o pundonor militar ou o decoro da classe;
» Representar a organização militar ou a corporação, em qualquer ato, sem estar devidamente autorizado;
» Manifestar-se, publicamente, o militar da ativa, sem que esteja autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária;
» Autorizar, promover ou tomar parte em qualquer manifestação coletiva, seja de caráter reivindicatório ou político, seja de crítica ou de apoio a ato de superior hierárquico, com exceção das demonstrações íntimas de boa e sã camaradagem e com consentimento do homenageado;
Segundo o artigo 24, as punições disciplinares variam:
I - a advertência;
II - o impedimento disciplinar;
III - a repreensão;
IV - a detenção disciplinar;
V - a prisão disciplinar; e
VI - o licenciamento e a exclusão a bem da disciplina.
O parágrafo único do artigo diz que "punições disciplinares de detenção e prisão disciplinar não podem ultrapassar trinta dias e a de impedimento disciplinar, 10 dias".
O que é uma CPI?
As comissões parlamentares de inquérito (CPIs) são instrumentos usados por integrantes do Poder Legislativo (vereadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores) para investigar fato determinado de grande relevância ligado à vida econômica, social ou legal do país, de um estado ou de um município. Embora tenham poderes de Justiça e uma série de prerrogativas, comitês do tipo não podem estabelecer condenações a pessoas.
Para ser instalado no Senado Federal, uma CPI precisa do aval de, ao menos, 27 senadores; um terço dos 81 parlamentares. Na Câmara dos Deputados, também é preciso aval de ao menos uma terceira parte dos componentes (171 deputados).
Há a possibilidade de criar comissões parlamentares mistas de inquérito (CPMIs), compostas por senadores e deputados. Nesses casos, é preciso obter assinaturas de um terço dos integrantes das duas casas legislativas que compõem o Congresso Nacional.
O que a CPI da COVID investiga?
Instalada pelo Senado Federal em 27 de abril de 2021, após determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), a CPI da COVID trabalha para apurar possíveis falhas e omissões na atuação do governo federal no combate à pandemia do novo coronavírus. O repasse de recursos a estados e municípios também foi incluído na CPI e está na mira dos parlamentares.
O presidente do colegiado é Omar Aziz (PSD-AM). O alagoano Renan Calheiros (MDB) é o relator. O prazo inicial de trabalho são 90 dias, podendo esse período ser prorrogado por mais 90 dias.
Saiba como funciona uma CPI
Após a coleta de assinaturas, o pedido de CPI é apresentado ao presidente da respectiva casa Legislativa. O grupo é oficialmente criado após a leitura em sessão plenária do requerimento que justifica a abertura de inquérito. Os integrantes da comissão são definidos levando em consideração a proporcionalidade partidária — as legendas ou blocos parlamentares com mais representantes arrebatam mais assentos. As lideranças de cada agremiação são responsáveis por indicar os componentes.
Na primeira reunião do colegiado, os componentes elegem presidente e vice. Cabe ao presidente a tarefa de escolher o relator da CPI. O ocupante do posto é responsável por conduzir as investigações e apresentar o cronograma de trabalho. Ele precisa escrever o relatório final do inquérito, contendo as conclusões obtidas ao longo dos trabalhos.
Em determinados casos, o texto pode ter recomendações para evitar que as ilicitudes apuradas não voltem a ocorrer, como projetos de lei. O documento deve ser encaminhado a órgãos como o Ministério Público e a Advocacia-Geral da União (AGE), na esfera federal.
Conforme as investigações avançam, o relator começa a aprimorar a linha de investigação a ser seguida. No Congresso, sub-relatores podem ser designados para agilizar o processo.
As CPIs precisam terminar em prazo pré-fixado, embora possam ser prorrogadas por mais um período, se houver aval de parte dos parlamentares
O que a CPI pode fazer?
- chamar testemunhas para oitivas, com o compromisso de dizer a verdade
- convocar suspeitos para prestar depoimentos (há direito ao silêncio)
- executar prisões em caso de flagrante
- solicitar documentos e informações a órgãos ligados à administração pública
- convocar autoridades, como ministros de Estado — ou secretários, no caso de CPIs estaduais — para depor
- ir a qualquer ponto do país — ou do estado, no caso de CPIs criadas por assembleias legislativas — para audiências e diligências
- quebrar sigilos fiscais, bancários e de dados se houver fundamentação
- solicitar a colaboração de servidores de outros poderes
- elaborar relatório final contendo conclusões obtidas pela investigação e recomendações para evitar novas ocorrências como a apurada
- pedir buscas e apreensões (exceto a domicílios)
- solicitar o indiciamento de envolvidos nos casos apurados
O que a CPI não pode fazer?
Embora tenham poderes de Justiça, as CPIs não podem:
- julgar ou punir investigados
- autorizar grampos telefônicos
- solicitar prisões preventivas ou outras medidas cautelares
- declarar a indisponibilidade de bens
- autorizar buscas e apreensões em domicílios
- impedir que advogados de depoentes compareçam às oitivas e acessem
- documentos relativos à CPI
- determinar a apreensão de passaportes
A história das CPIs no Brasil
A primeira Constituição Federal a prever a possibilidade de CPI foi editada em 1934, mas dava tal prerrogativa apenas à Câmara dos Deputados. Treze anos depois, o Senado também passou a poder instaurar investigações. Em 1967, as CPMIs passaram a ser previstas.
Segundo a Câmara dos Deputados, a primeira CPI instalada pelo Legislativo federal brasileiro começou a funcionar em 1935, para investigar as condições de vida dos trabalhadores do campo e das cidades. No Senado, comitê similar foi criado em 1952, quando a preocupação era a situação da indústria de comércio e cimento.
As CPIs ganharam estofo e passaram a ser recorrentes a partir de 1988, quando nova Constituição foi redigida. O texto máximo da nação passou a atribuir poderes de Justiça a grupos investigativos formados por parlamentares.
CPIs famosas no Brasil
1975: CPI do Mobral (Senado) - investigar a atuação do sistema de alfabetização adotado pelo governo militar
1992: CPMI do Esquema PC Farias - culminou no impeachment de Fernando Collor
1992: CPMI do Esquema PC Farias - culminou no impeachment de Fernando Collor
1993: CPI dos Anões do Orçamento (Câmara) - apurou desvios do Orçamento da União
2000: CPIs do Futebol - (Senado e Câmara, separadamente) - relações entre CBF, clubes e patrocinadores
2001: CPI do Preço do Leite (Assembleia de MG e outros Legislativos estaduais, separadamente) - apurar os valores cobrados pelo produto e as diretrizes para a formulação dos valores
2005: CPMI dos Correios - investigar denúncias de corrupção na empresa estatal
2005: CPMI do Mensalão - apurar possíveis vantagens recebidas por parlamentares para votar a favor de projetos do governo
2006: CPI dos Bingos (Câmara) - apurar o uso de casas de jogo do bicho para crimes como lavagem de dinheiro
2006: CPI dos Sanguessugas (Câmara) - apurou possível desvio de verbas destinadas à Saúde
2015: CPI da Petrobras (Senado) - apurar possível corrupção na estatal de petróleo
2015: Nova CPI do Futebol (Senado) - Investigar a CBF e o comitê organizador da Copa do Mundo de 2014
2019: CPMI das Fake News - disseminação de notícias falsas na disputa eleitoral de 2018
2019: CPI de Brumadinho (Assembleia de MG) - apurar as responsabilidades pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão