Conhecida pela alcunha de "Capitã Cloroquina", a secretária de Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, depõe nesta quinta-feira (20/05) à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid.
Com o depoimento da pediatra cearense, os senadores pretendem entender melhor a atuação do governo de Jair Bolsonaro para promover o chamado "tratamento precoce" — um coquetel de medicamentos sem eficácia comprovada contra covid-19 que inclui substâncias como cloroquina, azitromicina e invermectina.
Os parlamentares querem questioná-la, principalmente, sobre sua atuação na liderança de uma comitiva do Ministério da Saúde ao Amazonas no início do ano, quando o Estado sofreu um colapso do sistema de saúde, com falta de leitos e de oxigênio para tratar o crescente número de pacientes com covid-19.
Pinheiro, porém, obteve um habeas corpus do Supremo Tribunal Federal que permite que ela fique calada sobre esses acontecimentos. Isso porque a secretária é alvo de uma ação de improbidade administrativa que investiga a omissão de autoridades diante do colapso do sistema de saúde do Amazonas.
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O habeas corpus foi concedido porque a Constituição garante o direito ao investigado de não produzir prova contra si mesmo.
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cpiCOVIDCPI da Covid vai votar na quarta convocação de governadores e prefeitos, diz AzizCPI: 'Capitã cloroquina' criticou restrições e tinha 'má fama' na SaúdeSantos Cruz: politização do Exército por Pazuello e Bolsonaro 'é irresponsável'Acompanhe, ao vivo, o depoimento de Mayra Pinheiro na CPI da COVIDNo dia 10 de janeiro, quando a comitiva do Ministério da Saúde estava no Estado, o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), anunciou que a situação era "dramática" e pediu de apoio ao governo federal para transporte de cilindros do gás de outras regiões do Brasil.
No dia seguinte, porém, Pinheiro lançava em Manaus, ao lado do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, a plataforma TrateCov e promovia como solução para redução das internações de pacientes com coronavírus o "tratamento precoce".
A secretária esteve na cidade antes, no dia 4 de janeiro, como representante do ministério para "alinhar ações de fortalecimento da pasta, para o enfrentamento da covid-19 no Amazonas", segundo registros da sua agenda oficial.
Apesar do iminente desabastecimento de oxigênio, a principal resposta liderada pela secretária à crise foi promover o uso de medicamentos sem eficácia.
Segundo Pazuello disse à CPI na semana passada, o TrateCov foi desenvolvido por sugestão de Pinheiro com o propósito de auxiliar médicos no diagnóstico e tratamento da covid-19. Na prática, o aplicativo recomendava o coquetel de medicamentos sem eficácia indiscriminadamente, até mesmo para bebês.
A plataforma acabou sendo retirada rapidamente do ar após críticas, e Pazuello hoje insiste que ela foi disponibilizada indevidamente por um hacker, apesar de o governo ter oficialmente divulgado o TrateCov.
Na cerimônia em que anunciou o aplicativo em Manaus, Mayra Pinheiro exaltou a ferramenta como uma forma de realizar diagnósticos rápidos no lugar do uso de testes RT-PCR.
"Nós não podemos perder tempo diante do quadro epidemiológico que hoje toma conta do Estado do Amazonas e de diversos Estados brasileiros. Nós estamos apresentando para a sociedade um aplicativo que permite, como eu disse, com forte valor preditivo, dizer se o doente, diante das suas manifestações clínicas, ele tem ou não a covid-19", sustentou.
"E assim nós podemos, no período de cinco minutos, com a utilização desse aplicativo, que já pode ser acessado através das páginas do Ministério da Saúde, nós poderemos ofertar imediatamente para milhões de brasileiros o tratamento precoce, evitando que essas pessoas evoluam para quadros mais graves e que elas necessitem de novos leitos já escassos em todo o país", acrescentou.
Na ocasião, ela fez ainda uma apelo a "todos os prefeitos do Estado do Amazonas" para que adotassem o tratamento precoce".
"Por mais que nós tenhamos em breve a vacina disponível para toda a população brasileira, não há tempo a perder. Precisamos evitar novos óbitos", disse também.
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Projeção com oposição ao Mais Médicos
Pinheiro está no atual cargo desde o início do governo, tendo sido nomeada na gestão do primeiro ministro da Saúde do presidente Jair Bolsonaro, Luiz Henrique Mandetta. Sua escolha, porém, é atribuída diretamente Palácio do Planalto, o que se refletiu na sua permanência na pasta apesar do troca-troca de ministros.
Mandetta deixou o governo em abril de 2020, tendo sido substituído por Nelson Teich, que durou menos de um mês no cargo — ambos disseram ter saído do governo por não concordar com Bolsonaro na defesa da cloroquina e na crítica ao distanciamento social.
Foi justamente com a ascensão do general Eduardo Pazuello ao comando da pasta que Pinheiro ganhou mais projeção, ao se alinhar integralmente ao presidente e ao ministro a favor do "tratamento precoce".
Com a militarização do ministério por Pazuello, a secretária se tornou uma das poucas pessoas com formação médica em postos de comando na pasta da Saúde.
Em sua conta no Instagram, que conta com 16,5 mil seguidores, Pinheiro diz que tem "uma vida inteira dedicada à medicina".
"São mais de 30 anos de estudos, mestrados e doutoramentos até chegar ao Ministério da Saúde", diz ainda a descrição.
Apesar do plural, seu currículo na plataforma Lattes aponta um mestrado na Universidade de São Paulo, título obtido em 2002 com a tese "Morbidade Neonatal e pós-neonatal de crianças de alto-risco nascidas no Hospital Geral Dr. César Cals em Fortaleza".
Além disso, indica que a secretária cursa desde 2016 um doutorado em Bioética pela Universidade do Porto (Portugal). Procurada pela BBC News Brasil, a instituição disse que Pinheiro está no terceiro ano do programa.
Natural de Fortaleza, ela se formou em medicina em 1991 na Universidade Federal do Ceará e presidiu o Sindicato dos Médicos do Ceará entre 2015 e 2018.
Se projetou publicamente como opositora do programa Mais Médicos, implementado em 2013 pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
Sua principal crítica era contra a vinda de médicos cubanos sem a revalidação do diploma de medicina no Brasil. Pinheiro nega, porém, ter participado do protesto que chamou os profissionais cubanos de escravos durante seu desembarque no aeroporto de Fortaleza.
Ela se filiou ao PSDB e disputou sem sucesso duas eleições — em 2014 tentou um mandato de deputada federal e, em 2018, concorreu ao Senado. Terminou em quarto lugar com 11,37% dos votos.
Depois, ingressou no partido Novo, mas, segundo o jornal Folha de S.Paulo, ela deixou a sigla após lideranças do partido, como João Amoedo, passarem a defender o impeachment de Bolsonaro.
Informações falsas na defesa da cloroquina
Desde o início da pandemia, a secretária foi ativa em defender o uso de medicamentos ineficazes contra a covid-19 e na crítica ao isolamento social.
Em entrevista concedida em abril de 2020 ao canal no YouTube da Associação Brasileira de Psiquiatria, por exemplo, ela compara a recomendação para que a população fique em casa (com objetivo de reduzir o contágio do coronavírus) à perda de liberdade de pessoas presas.
Na mesma ocasião, a secretária disse que já existiam estudos amplos e com rigor científico aprovando a eficácia da hidroxicloroquina associada à azitromicia. Pesquisas realizadas até o momento, porém, apontam justamente o contrário.
"A gente já tem estudos com 600, com 500 pacientes que mostram, (estudos) randomizados, duplo-cegos, controlados, mostrando a taxa de sucesso muito alta. Mostrando que a gente tem sim agora a possibilidade de iniciar, quando as pessoas começam a ter sintomas, iniciar o uso dessa medicação hidroxicloroquina associada à azitromicina", afirmou na ocasião.
Estudos randomizados e controlados são pesquisas científicas em que os voluntários são distribuídos aleatoriamente em dois grupos (os que recebem o medicamento testado e os que recebem placebo). E duplo-cego significa que nem os voluntários nem os médicos sabem previamente as pessoas que tomaram cada uma dessas substâncias.
São técnicas consideradas fundamentais em pesquisas sérias. Já existem diversos estudos desse tipo que atestam a ineficácia da hidroxicloroquina contra a covid-19. Um deles é o do Recovery Trial, feito no Reino Unido. Numa análise de mais de 4.500 pacientes hospitalizados, o uso de hidroxicloroquina e azitromicina não trouxe benefício algum.
Um painel de especialistas internacionais da Organização Mundial da Saúde (OMS) concluiu, em março deste ano, que o medicamento não previne a infecção, fazendo uma "forte recomendação" para que não seja usado. Esta forte recomendação é baseada em seis estudos clínicos com evidências de alto nível que somam mais de 6 mil participantes.
Também não há evidências de que a ivermectina, fármaco usado no tratamento de parasitas como piolho e sarna, ajude no tratamento da covid-19. Os estudos disponíveis até agora são inconclusivos.
Por isso, a Agência Europeia de Medicamentos é contrária ao uso de ivermectina no tratamento da covid-19. Após revisar as publicações sobre o medicamento, a agência considerou que os estudos possuíam limitações, como diferentes regimes de dosagem do medicamento e uso simultâneo de outros medicamentos.
"Portanto, concluímos que as atuais evidências disponíveis são insuficientes para apoiarmos o uso de ivermectina contra a covid-19", concluiu a agência.
A própria fabricante da ivermectina, a farmacêutica MSD, afirmou em fevereiro que não existem evidências de que o medicamento tivesse efeito contra a covid-19.
O que é uma CPI?
O que a CPI da COVID investiga?
Saiba como funciona uma CPI
O que a CPI pode fazer?
- chamar testemunhas para oitivas, com o compromisso de dizer a verdade
- convocar suspeitos para prestar depoimentos (há direito ao silêncio)
- executar prisões em caso de flagrante
- solicitar documentos e informações a órgãos ligados à administração pública
- convocar autoridades, como ministros de Estado — ou secretários, no caso de CPIs estaduais — para depor
- ir a qualquer ponto do país — ou do estado, no caso de CPIs criadas por assembleias legislativas — para audiências e diligências
- quebrar sigilos fiscais, bancários e de dados se houver fundamentação
- solicitar a colaboração de servidores de outros poderes
- elaborar relatório final contendo conclusões obtidas pela investigação e recomendações para evitar novas ocorrências como a apurada
- pedir buscas e apreensões (exceto a domicílios)
- solicitar o indiciamento de envolvidos nos casos apurados
O que a CPI não pode fazer?
Embora tenham poderes de Justiça, as CPIs não podem:
- julgar ou punir investigados
- autorizar grampos telefônicos
- solicitar prisões preventivas ou outras medidas cautelares
- declarar a indisponibilidade de bens
- autorizar buscas e apreensões em domicílios
- impedir que advogados de depoentes compareçam às oitivas e acessem
- documentos relativos à CPI
- determinar a apreensão de passaportes
A história das CPIs no Brasil
CPIs famosas no Brasil
1992: CPMI do Esquema PC Farias - culminou no impeachment de Fernando Collor
1993: CPI dos Anões do Orçamento (Câmara) - apurou desvios do Orçamento da União
2000: CPIs do Futebol - (Senado e Câmara, separadamente) - relações entre CBF, clubes e patrocinadores
2001: CPI do Preço do Leite (Assembleia de MG e outros Legislativos estaduais, separadamente) - apurar os valores cobrados pelo produto e as diretrizes para a formulação dos valores
2005: CPMI dos Correios - investigar denúncias de corrupção na empresa estatal
2005: CPMI do Mensalão - apurar possíveis vantagens recebidas por parlamentares para votar a favor de projetos do governo
2006: CPI dos Bingos (Câmara) - apurar o uso de casas de jogo do bicho para crimes como lavagem de dinheiro
2006: CPI dos Sanguessugas (Câmara) - apurou possível desvio de verbas destinadas à Saúde
2015: CPI da Petrobras (Senado) - apurar possível corrupção na estatal de petróleo
2015: Nova CPI do Futebol (Senado) - Investigar a CBF e o comitê organizador da Copa do Mundo de 2014
2019: CPMI das Fake News - disseminação de notícias falsas na disputa eleitoral de 2018
2019: CPI de Brumadinho (Assembleia de MG) - apurar as responsabilidades pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão