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Estado de Minas DEFENSORA DO TRATAMENTO PRECOCE

CPI da Covid: quem é Mayra Pinheiro, 'Capitã Cloroquina',que depõe nesta 3ª

Mayra Pinheiro foi apontada por Pazuello como responsável pelo TrateCov, plataforma de promoção do "tratamento precoce"


25/05/2021 08:14 - atualizado 25/05/2021 09:16


Mayra Pinheiro usou informações falsas para promover o
Mayra Pinheiro usou informações falsas para promover o "tratamento precoce" (foto: Anderson Riedel/Presidência da República)

Conhecida pela alcunha de "Capitã Cloroquina", a secretária de Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde do Ministério da Saúde, Mayra Pinheirodepõe nesta quinta-feira (20/05) à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid.

Com o depoimento da pediatra cearense, os senadores pretendem entender melhor a atuação do governo de Jair Bolsonaro para promover o chamado "tratamento precoce" — um coquetel de medicamentos sem eficácia comprovada contra covid-19 que inclui substâncias como cloroquina, azitromicina e invermectina.

Os parlamentares querem questioná-la, principalmente, sobre sua atuação na liderança de uma comitiva do Ministério da Saúde ao Amazonas no início do ano, quando o Estado sofreu um colapso do sistema de saúde, com falta de leitos e de oxigênio para tratar o crescente número de pacientes com covid-19.

Pinheiro, porém, obteve um habeas corpus do Supremo Tribunal Federal que permite que ela fique calada sobre esses acontecimentos. Isso porque a secretária é alvo de uma ação de improbidade administrativa que investiga a omissão de autoridades diante do colapso do sistema de saúde do Amazonas.

O habeas corpus foi concedido porque a Constituição garante o direito ao investigado de não produzir prova contra si mesmo.

O objetivo dessa ação de improbidade administrativa é verificar se autoridades "omitiram-se no cumprimento de seus deveres, ao retardar o início das ações do Ministério da Saúde no estado, ao não supervisionar o controle da demanda e do fornecimento de oxigênio medicinal nas unidades hospitalares do Amazonas, ao não prestar ao Estado a necessária cooperação técnica quanto ao controle de insumos, ao retardar a determinação da transferência de pacientes à espera de leitos para outros Estados, ao realizar pressão pela utilização 'tratamento precoce' de eficácia questionada no Amazonas e ao se omitir em apoiar o cumprimento das regras de isolamento social durante a pandemia".

No dia 10 de janeiro, quando a comitiva do Ministério da Saúde estava no Estado, o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), anunciou que a situação era "dramática" e pediu de apoio ao governo federal para transporte de cilindros do gás de outras regiões do Brasil.

No dia seguinte, porém, Pinheiro lançava em Manaus, ao lado do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, a plataforma TrateCov e promovia como solução para redução das internações de pacientes com coronavírus o "tratamento precoce".

A secretária esteve na cidade antes, no dia 4 de janeiro, como representante do ministério para "alinhar ações de fortalecimento da pasta, para o enfrentamento da covid-19 no Amazonas", segundo registros da sua agenda oficial.

Apesar do iminente desabastecimento de oxigênio, a principal resposta liderada pela secretária à crise foi promover o uso de medicamentos sem eficácia.

Segundo Pazuello disse à CPI na semana passada, o TrateCov foi desenvolvido por sugestão de Pinheiro com o propósito de auxiliar médicos no diagnóstico e tratamento da covid-19. Na prática, o aplicativo recomendava o coquetel de medicamentos sem eficácia indiscriminadamente, até mesmo para bebês.

A plataforma acabou sendo retirada rapidamente do ar após críticas, e Pazuello hoje insiste que ela foi disponibilizada indevidamente por um hacker, apesar de o governo ter oficialmente divulgado o TrateCov.


Ministério da Saúde reagiu à falta de oxigênio em Manaus insistindo no uso da cloroquina(foto: Reuters)
Ministério da Saúde reagiu à falta de oxigênio em Manaus insistindo no uso da cloroquina (foto: Reuters)

Na cerimônia em que anunciou o aplicativo em Manaus, Mayra Pinheiro exaltou a ferramenta como uma forma de realizar diagnósticos rápidos no lugar do uso de testes RT-PCR.

"Nós não podemos perder tempo diante do quadro epidemiológico que hoje toma conta do Estado do Amazonas e de diversos Estados brasileiros. Nós estamos apresentando para a sociedade um aplicativo que permite, como eu disse, com forte valor preditivo, dizer se o doente, diante das suas manifestações clínicas, ele tem ou não a covid-19", sustentou.

"E assim nós podemos, no período de cinco minutos, com a utilização desse aplicativo, que já pode ser acessado através das páginas do Ministério da Saúde, nós poderemos ofertar imediatamente para milhões de brasileiros o tratamento precoce, evitando que essas pessoas evoluam para quadros mais graves e que elas necessitem de novos leitos já escassos em todo o país", acrescentou.

Na ocasião, ela fez ainda uma apelo a "todos os prefeitos do Estado do Amazonas" para que adotassem o tratamento precoce".

"Por mais que nós tenhamos em breve a vacina disponível para toda a população brasileira, não há tempo a perder. Precisamos evitar novos óbitos", disse também.

Projeção com oposição ao Mais Médicos

Pinheiro está no atual cargo desde o início do governo, tendo sido nomeada na gestão do primeiro ministro da Saúde do presidente Jair Bolsonaro, Luiz Henrique Mandetta. Sua escolha, porém, é atribuída diretamente Palácio do Planalto, o que se refletiu na sua permanência na pasta apesar do troca-troca de ministros.

Mandetta deixou o governo em abril de 2020, tendo sido substituído por Nelson Teich, que durou menos de um mês no cargo — ambos disseram ter saído do governo por não concordar com Bolsonaro na defesa da cloroquina e na crítica ao distanciamento social.

Foi justamente com a ascensão do general Eduardo Pazuello ao comando da pasta que Pinheiro ganhou mais projeção, ao se alinhar integralmente ao presidente e ao ministro a favor do "tratamento precoce".

Com a militarização do ministério por Pazuello, a secretária se tornou uma das poucas pessoas com formação médica em postos de comando na pasta da Saúde.


Pinheiro, que se coloca como uma
Pinheiro, que se coloca como uma "técnica" no governo, se alinha a posicionamentos de Bolsonaro sem base científica (foto: Reprodução Facebook)

Em sua conta no Instagram, que conta com 16,5 mil seguidores, Pinheiro diz que tem "uma vida inteira dedicada à medicina".

"São mais de 30 anos de estudos, mestrados e doutoramentos até chegar ao Ministério da Saúde", diz ainda a descrição.

Apesar do plural, seu currículo na plataforma Lattes aponta um mestrado na Universidade de São Paulo, título obtido em 2002 com a tese "Morbidade Neonatal e pós-neonatal de crianças de alto-risco nascidas no Hospital Geral Dr. César Cals em Fortaleza".

Além disso, indica que a secretária cursa desde 2016 um doutorado em Bioética pela Universidade do Porto (Portugal). Procurada pela BBC News Brasil, a instituição disse que Pinheiro está no terceiro ano do programa.

Natural de Fortaleza, ela se formou em medicina em 1991 na Universidade Federal do Ceará e presidiu o Sindicato dos Médicos do Ceará entre 2015 e 2018.

Se projetou publicamente como opositora do programa Mais Médicos, implementado em 2013 pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT).

Sua principal crítica era contra a vinda de médicos cubanos sem a revalidação do diploma de medicina no Brasil. Pinheiro nega, porém, ter participado do protesto que chamou os profissionais cubanos de escravos durante seu desembarque no aeroporto de Fortaleza.

Ela se filiou ao PSDB e disputou sem sucesso duas eleições — em 2014 tentou um mandato de deputada federal e, em 2018, concorreu ao Senado. Terminou em quarto lugar com 11,37% dos votos.

Depois, ingressou no partido Novo, mas, segundo o jornal Folha de S.Paulo, ela deixou a sigla após lideranças do partido, como João Amoedo, passarem a defender o impeachment de Bolsonaro.

Informações falsas na defesa da cloroquina

Desde o início da pandemia, a secretária foi ativa em defender o uso de medicamentos ineficazes contra a covid-19 e na crítica ao isolamento social.


Bolsonaro empunha uma caixa de cloroquina - remédio não tem eficácia comprovada contra covid-19(foto: Reuters)
Bolsonaro empunha uma caixa de cloroquina - remédio não tem eficácia comprovada contra covid-19 (foto: Reuters)

Em entrevista concedida em abril de 2020 ao canal no YouTube da Associação Brasileira de Psiquiatria, por exemplo, ela compara a recomendação para que a população fique em casa (com objetivo de reduzir o contágio do coronavírus) à perda de liberdade de pessoas presas.

Na mesma ocasião, a secretária disse que já existiam estudos amplos e com rigor científico aprovando a eficácia da hidroxicloroquina associada à azitromicia. Pesquisas realizadas até o momento, porém, apontam justamente o contrário.

"A gente já tem estudos com 600, com 500 pacientes que mostram, (estudos) randomizados, duplo-cegos, controlados, mostrando a taxa de sucesso muito alta. Mostrando que a gente tem sim agora a possibilidade de iniciar, quando as pessoas começam a ter sintomas, iniciar o uso dessa medicação hidroxicloroquina associada à azitromicina", afirmou na ocasião.

Estudos randomizados e controlados são pesquisas científicas em que os voluntários são distribuídos aleatoriamente em dois grupos (os que recebem o medicamento testado e os que recebem placebo). E duplo-cego significa que nem os voluntários nem os médicos sabem previamente as pessoas que tomaram cada uma dessas substâncias.

São técnicas consideradas fundamentais em pesquisas sérias. Já existem diversos estudos desse tipo que atestam a ineficácia da hidroxicloroquina contra a covid-19. Um deles é o do Recovery Trial, feito no Reino Unido. Numa análise de mais de 4.500 pacientes hospitalizados, o uso de hidroxicloroquina e azitromicina não trouxe benefício algum.

Um painel de especialistas internacionais da Organização Mundial da Saúde (OMS) concluiu, em março deste ano, que o medicamento não previne a infecção, fazendo uma "forte recomendação" para que não seja usado. Esta forte recomendação é baseada em seis estudos clínicos com evidências de alto nível que somam mais de 6 mil participantes.

Também não há evidências de que a ivermectina, fármaco usado no tratamento de parasitas como piolho e sarna, ajude no tratamento da covid-19. Os estudos disponíveis até agora são inconclusivos.

Por isso, a Agência Europeia de Medicamentos é contrária ao uso de ivermectina no tratamento da covid-19. Após revisar as publicações sobre o medicamento, a agência considerou que os estudos possuíam limitações, como diferentes regimes de dosagem do medicamento e uso simultâneo de outros medicamentos.

"Portanto, concluímos que as atuais evidências disponíveis são insuficientes para apoiarmos o uso de ivermectina contra a covid-19", concluiu a agência.

A própria fabricante da ivermectina, a farmacêutica MSD, afirmou em fevereiro que não existem evidências de que o medicamento tivesse efeito contra a covid-19.


O que é uma CPI?

As comissões parlamentares de inquérito (CPIs) são instrumentos usados por integrantes do Poder Legislativo (vereadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores) para investigar fato determinado de grande relevância ligado à vida econômica, social ou legal do país, de um estado ou de um município. Embora tenham poderes de Justiça e uma série de prerrogativas, comitês do tipo não podem estabelecer condenações a pessoas.

Para ser instalado no Senado Federal, uma CPI precisa do aval de, ao menos, 27 senadores; um terço dos 81 parlamentares. Na Câmara dos Deputados, também é preciso aval de ao menos uma terceira parte dos componentes (171 deputados).

Há a possibilidade de criar comissões parlamentares mistas de inquérito (CPMIs), compostas por senadores e deputados. Nesses casos, é preciso obter assinaturas de um terço dos integrantes das duas casas legislativas que compõem o Congresso Nacional.

O que a CPI da COVID investiga?


O presidente do colegiado é Omar Aziz (PSD-AM). O alagoano Renan Calheiros (MDB) é o relator. O prazo inicial de trabalho são 90 dias, podendo esse período ser prorrogado por mais 90 dias.



Saiba como funciona uma CPI

Após a coleta de assinaturas, o pedido de CPI é apresentado ao presidente da respectiva casa Legislativa. O grupo é oficialmente criado após a leitura em sessão plenária do requerimento que justifica a abertura de inquérito. Os integrantes da comissão são definidos levando em consideração a proporcionalidade partidária — as legendas ou blocos parlamentares com mais representantes arrebatam mais assentos. As lideranças de cada agremiação são responsáveis por indicar os componentes.

Na primeira reunião do colegiado, os componentes elegem presidente e vice. Cabe ao presidente a tarefa de escolher o relator da CPI. O ocupante do posto é responsável por conduzir as investigações e apresentar o cronograma de trabalho. Ele precisa escrever o relatório final do inquérito, contendo as conclusões obtidas ao longo dos trabalhos. 

Em determinados casos, o texto pode ter recomendações para evitar que as ilicitudes apuradas não voltem a ocorrer, como projetos de lei. O documento deve ser encaminhado a órgãos como o Ministério Público e a Advocacia-Geral da União (AGE), na esfera federal.

Conforme as investigações avançam, o relator começa a aprimorar a linha de investigação a ser seguida. No Congresso, sub-relatores podem ser designados para agilizar o processo.

As CPIs precisam terminar em prazo pré-fixado, embora possam ser prorrogadas por mais um período, se houver aval de parte dos parlamentares

O que a CPI pode fazer?

  • chamar testemunhas para oitivas, com o compromisso de dizer a verdade
  • convocar suspeitos para prestar depoimentos (há direito ao silêncio)
  • executar prisões em caso de flagrante
  • solicitar documentos e informações a órgãos ligados à administração pública
  • convocar autoridades, como ministros de Estado — ou secretários, no caso de CPIs estaduais — para depor
  • ir a qualquer ponto do país — ou do estado, no caso de CPIs criadas por assembleias legislativas — para audiências e diligências
  • quebrar sigilos fiscais, bancários e de dados se houver fundamentação
  • solicitar a colaboração de servidores de outros poderes
  • elaborar relatório final contendo conclusões obtidas pela investigação e recomendações para evitar novas ocorrências como a apurada
  • pedir buscas e apreensões (exceto a domicílios)
  • solicitar o indiciamento de envolvidos nos casos apurados

O que a CPI não pode fazer?

Embora tenham poderes de Justiça, as CPIs não podem:

  • julgar ou punir investigados
  • autorizar grampos telefônicos
  • solicitar prisões preventivas ou outras medidas cautelares
  • declarar a indisponibilidade de bens
  • autorizar buscas e apreensões em domicílios
  • impedir que advogados de depoentes compareçam às oitivas e acessem
  • documentos relativos à CPI
  • determinar a apreensão de passaportes

A história das CPIs no Brasil

A primeira Constituição Federal a prever a possibilidade de CPI foi editada em 1934, mas dava tal prerrogativa apenas à Câmara dos Deputados. Treze anos depois, o Senado também passou a poder instaurar investigações. Em 1967, as CPMIs passaram a ser previstas.

Segundo a Câmara dos Deputados, a primeira CPI instalada pelo Legislativo federal brasileiro começou a funcionar em 1935, para investigar as condições de vida dos trabalhadores do campo e das cidades. No Senado, comitê similar foi criado em 1952, quando a preocupação era a situação da indústria de comércio e cimento.

As CPIs ganharam estofo e passaram a ser recorrentes a partir de 1988, quando nova Constituição foi redigida. O texto máximo da nação passou a atribuir poderes de Justiça a grupos investigativos formados por parlamentares.

CPIs famosas no Brasil

1975: CPI do Mobral (Senado) - investigar a atuação do sistema de alfabetização adotado pelo governo militar

1992: CPMI do Esquema PC Farias - culminou no impeachment de Fernando Collor

1993: CPI dos Anões do Orçamento (Câmara) - apurou desvios do Orçamento da União

2000: CPIs do Futebol - (Senado e Câmara, separadamente) - relações entre CBF, clubes e patrocinadores

2001: CPI do Preço do Leite (Assembleia de MG e outros Legislativos estaduais, separadamente) - apurar os valores cobrados pelo produto e as diretrizes para a formulação dos valores

2005: CPMI dos Correios - investigar denúncias de corrupção na empresa estatal

2005: CPMI do Mensalão - apurar possíveis vantagens recebidas por parlamentares para votar a favor de projetos do governo

2006: CPI dos Bingos (Câmara) - apurar o uso de casas de jogo do bicho para crimes como lavagem de dinheiro

2006: CPI dos Sanguessugas (Câmara) - apurou possível desvio de verbas destinadas à Saúde

2015: CPI da Petrobras (Senado) - apurar possível corrupção na estatal de petróleo

2015: Nova CPI do Futebol (Senado) - Investigar a CBF e o comitê organizador da Copa do Mundo de 2014

2019: CPMI das Fake News - disseminação de notícias falsas na disputa eleitoral de 2018

2019: CPI de Brumadinho (Assembleia de MG) - apurar as responsabilidades pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão


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