Em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da COVID, a secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, confirmou a orientação, por parte do ministério, para o uso de cloroquina em Manaus, durante o colapso no sistema de saúde registrado na capital amazonense.
A secretária, contudo, tentou enfatizar que existe uma diferença entre uma "orientação" e uma "recomendação". Em meio aos questionamento, no entanto, a secretária não terminou a explicação, pois foi confrontada pelo relator do colegiado, senador Renan Calheiros (MDB-AL), com uma fala sua. Durante sua passagem em Manaus, Mayra afirmou ser "inadmissível" não usar o medicamento para o tratamento da COVID.
Segundo Mayra, em sua defesa, o contexto deste "reforço argumentativo" sobre a orientação para o uso do fármaco, era na situação em que foi encontrada a atenção primária de Saúde em Manaus à época, que segundo ela era de "desassistência e caos". "No contexto da quantidade de óbitos, como médica, é inadmissível que a agente não tenha a adoção de todas as medidas", declarou.
TrateCov
Mayra Pinheiro afirmou que quem criou a plataforma TrateCov foram os técnicos de sua secretaria. A médica foi confrontada com a afirmação dada à comissão pelo ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, que atribuiu a ela a idealização do aplicativo - que recomendava o uso de antibióticos, cloroquina, ivermectina e outros fármacos para náusea e diarreia ou para sintomas de uma ressaca, como fadiga e dor de cabeça, inclusive para bebês. O questionamento esquentou o clima na comissão, após Mayra não responder diretamente sobre sua responsabilidade direta no TrateCov.
"Pazuello mentiu?", questionou o relator, Renan Calheiros. "Não, ele deve ter dito isso porque sou a secretária (do órgão que elaborou o aplicativo", disse ela.
Mayra alegou que a ideia de formular a plataforma surgiu da constatação do problema sanitário em Manaus, e que a ferramenta poderia ajudar no diagnóstico dos pacientes com covid. De acordo com ela, o TrateCov é semelhante a diversas ferramentas usadas em países pelo mundo. A médica disse ainda que em São Paulo há inclusive uma plataforma similar usada para casos de dengue.
Segundo ela, a versão que foi lançada em Manaus era um protótipo do TrateCov, uma vez que o aplicativo ainda não tinha sido finalizado. A secretária ainda repetiu a versão de Pazuello, de que a plataforma foi colocada no ar em razão de uma extração indevida dos dados da ferramenta.
"O Tratecov não foi colocado no ar (pelo ministério). Foi uma extração indevida por um jornalista, abrigou nas redes sociais dele e começou a fazer simulações fora e qualquer contexto causando prejuízos a sociedade, poderia ter salvado várias vidas", disse ela, que atribuiu a ação a Rodrigo Menegatti. "Foi feito boletim de ocorrência", afirmou. Mayra disse ainda que a plataforma não foi hackeada, mas alvo de uma "extração indevida" de dados.
Questionada pelo relator, a secretária reconheceu que não houve alteração dos dados da ferramenta durante essa exposição "indevida". De acordo com Mayra, o que se constatou foram "simulações fora de qualquer contexto da pandemia". Para Renan, isso aponta outra "mentira" de Pazuello à CPI. O relator afirmou que o ex-ministro disse à comissão que a plataforma tinha sido alterada quando foi publicada por um terceiro.
Durante a discussão do assunto, o presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), voltou a dizer que Manaus foi alvo de um "experimento" do governo, em razão do lançamento do TrateCov no Amazonas, repetindo ainda que Pazuello será reconvocado.
Pacheco
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), disse nesta terça esperar que a CPI da COVID, em funcionamento na Casa, não sirva de "palanque político" para que parlamentares façam autopromoção. "Espero muito que a CPI da COVID possa cumprir seu papel", disse.
De acordo com Pacheco, a expectativa é de que a CPI possa chegar a "conclusões sérias e assertivas em relação a tudo o que houve". "Não participo da CPI. Em hora nenhuma como presidente do Senado fiz qualquer tipo de sugestão ou interferência na CPI", acrescentou. Pacheco participa hoje, virtualmente, de evento do BTG Pactual.
O que é uma CPI?
O que a CPI da COVID investiga?
Saiba como funciona uma CPI
O que a CPI pode fazer?
- chamar testemunhas para oitivas, com o compromisso de dizer a verdade
- convocar suspeitos para prestar depoimentos (há direito ao silêncio)
- executar prisões em caso de flagrante
- solicitar documentos e informações a órgãos ligados à administração pública
- convocar autoridades, como ministros de Estado — ou secretários, no caso de CPIs estaduais — para depor
- ir a qualquer ponto do país — ou do estado, no caso de CPIs criadas por assembleias legislativas — para audiências e diligências
- quebrar sigilos fiscais, bancários e de dados se houver fundamentação
- solicitar a colaboração de servidores de outros poderes
- elaborar relatório final contendo conclusões obtidas pela investigação e recomendações para evitar novas ocorrências como a apurada
- pedir buscas e apreensões (exceto a domicílios)
- solicitar o indiciamento de envolvidos nos casos apurados
O que a CPI não pode fazer?
Embora tenham poderes de Justiça, as CPIs não podem:
- julgar ou punir investigados
- autorizar grampos telefônicos
- solicitar prisões preventivas ou outras medidas cautelares
- declarar a indisponibilidade de bens
- autorizar buscas e apreensões em domicílios
- impedir que advogados de depoentes compareçam às oitivas e acessem
- documentos relativos à CPI
- determinar a apreensão de passaportes
A história das CPIs no Brasil
CPIs famosas no Brasil
1992: CPMI do Esquema PC Farias - culminou no impeachment de Fernando Collor
1993: CPI dos Anões do Orçamento (Câmara) - apurou desvios do Orçamento da União
2000: CPIs do Futebol - (Senado e Câmara, separadamente) - relações entre CBF, clubes e patrocinadores
2001: CPI do Preço do Leite (Assembleia de MG e outros Legislativos estaduais, separadamente) - apurar os valores cobrados pelo produto e as diretrizes para a formulação dos valores
2005: CPMI dos Correios - investigar denúncias de corrupção na empresa estatal
2005: CPMI do Mensalão - apurar possíveis vantagens recebidas por parlamentares para votar a favor de projetos do governo
2006: CPI dos Bingos (Câmara) - apurar o uso de casas de jogo do bicho para crimes como lavagem de dinheiro
2006: CPI dos Sanguessugas (Câmara) - apurou possível desvio de verbas destinadas à Saúde
2015: CPI da Petrobras (Senado) - apurar possível corrupção na estatal de petróleo
2015: Nova CPI do Futebol (Senado) - Investigar a CBF e o comitê organizador da Copa do Mundo de 2014
2019: CPMI das Fake News - disseminação de notícias falsas na disputa eleitoral de 2018
2019: CPI de Brumadinho (Assembleia de MG) - apurar as responsabilidades pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão