Senadores da ala independente e da oposição chamaram para si a responsabilidade de convocar governadores e prefeitos para a Comissão Parlamentar de Inquérito da COVID. Com isso, o governo perde a narrativa de que o colegiado tem a intenção de perseguir o presidente Jair Bolsonaro. O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), afirmou que, os senadores votarão, nesta quarta (26/5) o convite a nove governadores e 12 prefeitos. Com isso, governistas perdem um argumento importante na narrativa de proteção ao governo federal.
Um dos principais defensores do governo da CPI, o líder do DEM no Senado, senador Marcos Rogério (RO), por exemplo, se queixou que a decisão de chamar os governadores e prefeitos teria acontecido em uma “reunião secreta” da oposição com a cúpula da CPI, que ele chamou de “gabinete paralelo”. O senador Otto Alencar (PSD-BA), porém, respondeu que os governistas não participam dos encontros por iniciativa própria. Ele também destacou que serão chamados apenas chefes de Executivo estaduais e municipais citados em investigações da Polícia Federal.
Entre os estados citados estão Amazonas, Rio de Janeiro, Santa Catarina e Rondônia. Além disso, há uma lista de requerimentos governistas ainda não apreciados que também trazem uma série de governadores, vices e secretários. Os documentos datam de 28 de abril e reúnem Wilson Lima, do Amazonas; Rui Costa, da Bahia; Hélder Barbalho, do Pará; João Doria, de São Paulo; Wellington Dias, do Piauí (na condição de representante do Fórum dos Governadores); e o vice-governador do Amazonas, Carlos Almeida Filho. Porém, nem todos os citados são investigados pela Polícia Federal.
“Onde teve ação da PF, chama. O regimento interno do Senado não permite convocar. Se você convida e não vem, aí convoca”, explicou o senador Otto Alencar. “DF foi PCDF, então não deve colocar. É só ler o ato do presidente (do Senado) Rodrigo Pacheco (DEM-MG), quando fez a convocação para a CPI. Se referiu ao Amazonas e desvio de recursos federais voluntários para estados e municípios. Vamos chamar os casos mais emblemáticos. O governo do estado do Rio de Janeiro, o governador (Wilson Witzel) foi cassado, e o que está no cargo (Cláudio Castro) está denunciado, dois secretários de estado foram pegos abertamente roubando, e falam em Manaus”, destacou.
Segundo o social democrata, a convocação dos governadores já estava “na cabeça” do grupo. “Temos quatro semanas. Vamos entrar em outra fase”, garantiu. Marcos Rogério, por sua vez, demonstrou ceticismo. “O presidente, em uma provocação que fiz, anunciou que vai chamar os nove governadores, mas não está pautado ainda. Talvez ele paute ainda hoje. Tomara. Essa é a cobrança que faço desde o começo, fazer com que a investigação chegue aos estados, onde foram destinados bilhões e há superfaturamento, desvio, contrato fictício, corrupção”, disse.
Ele também garantiu que não terá “blindagem para governadores”. “Essa tratativa ocorreu em um encontro secreto, gabinete paralelo da CPI, do grupo de contingência à covid-19. Foi nessa reunião secreta que definiram que iriam convocar os governadores. Eu aprovo todas as convocações, especialmente onde aconteceram operações da Polícia Federal ou suspeitas fortes de corrupção”, queixou-se. “Há pedido de prisão, afastamento de governador. É impossível que uma CPI que investiga ações e omissões não queira investigar suspeitos de corrupção. Corrupção mata. Se governadores erraram, que sejam punidos. E se o governo federal errou, também”, completou.
Questionado sobre a convocação de governadores esvaziar a narrativa de governistas, o senador Jorginho Mello (PL-SC) minimizou. Lembrou que isso já era previsto no requerimento final da CPI da Covid. “A primeira CPI foi criada para investigar o governo federal. A segunda, inclui estados e municípios. Onde aconteceu desvio de dinheiro? Foi em estados e municípios. As pessoas estão preocupadas. Onde foi parar o dinheiro do combate à pandemia? Teve gente que pagou folha de pagamento atrasado, precatório. E deixaram de atender necessidades da pandemia”, criticou.
O vice-presidente da CPI Randolfe Rodrigues (Rede/AP) também comentou a decisão de Aziz. “Definimos um critério: onde ocorreu operação da Polícia Federal. Nós vamos apreciar os requerimentos que existem nesse sentido, porque tem a ver com o fato determinado, fato conexo a essa Comissão Parlamentar de Inquérito”. As investigações levadas em consideração consistem com aquelas que apuram suspeitas de corrupção com uso de recursos destinados ao combate da covid-19.
A ordem de depoimentos deve priorizar o Amazonas, estado com destaque na CPI pela apuração da crise de oxigênio. O Rio de Janeiro é outro alvo importante. “A [gestão] do Rio de Janeiro tem mais de uma razão para vir aqui, tanto o atual governador quanto o ex-governador. Inclusive, os acontecimentos de domingo”, disse Randolfe. Ele fazia menção à manifestação em favor de Bolsonaro, quando o presidente deu voltas em moto e, sem máscara, subiu a em um trio elétrico, ao lado do ex-ministro Eduardo Pazuello, para cumprimentar os apoiadores.
Depoimentos
A CPI da COVID, instalada no Senado em 27 de abril deste ano, apura possíveis ações e omissões do governo federal no enfrentamento à pandemia do coronavírus e repasses de verbas a estados e municípios. Os depoimentos tiveram início em 4 de maio, com Luiz Henrique Mandetta, ex-ministro da Saúde.
No dia seguinte, Nelson Teich, sucessor de Mandetta no cargo, depôs. No dia 6 de maio, foi a vez de Marcelo Queiroga, atual ministro da Saúde, prestar depoimento. Em 11 de maio, o diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres, depôs.
Fabio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação do governo federal, foi ouvido pelos senadores em 12 de maio, seguido de Carlos Murillo, ex-presidente da Pfizer no Brasil e atual presidente regional da empresa na América Latina. O boliviano prestou depoimento à CPI na quinta-feira (13/5) da semana retrasada.
Na última semana, a CPI deu início às oitivas com o ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, na terça-feira (18/5) passada. Nos dois dias seguintes, depois de suspensão por conta de reunião em plenário e de um mal-estar sentido pelo depoente, Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, depôs.
Nesta quarta-feira (26/5), será realizada sessão exclusiva para votação de requerimentos. Vários deles dizem respeito a novas convocações e reconvocações. Na quinta-feira (27/5), espera-se que alguma testemunha deponha à CPI.
O que é uma CPI?
As comissões parlamentares de inquérito (CPIs) são instrumentos usados por integrantes do Poder Legislativo (vereadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores) para investigar fato determinado de grande relevância ligado à vida econômica, social ou legal do país, de um estado ou de um município. Embora tenham poderes de Justiça e uma série de prerrogativas, comitês do tipo não podem estabelecer condenações a pessoas.
Para ser instalado no Senado Federal, uma CPI precisa do aval de, ao menos, 27 senadores; um terço dos 81 parlamentares. Na Câmara dos Deputados, também é preciso aval de ao menos uma terceira parte dos componentes (171 deputados).
Há a possibilidade de criar comissões parlamentares mistas de inquérito (CPMIs), compostas por senadores e deputados. Nesses casos, é preciso obter assinaturas de um terço dos integrantes das duas casas legislativas que compõem o Congresso Nacional.
O que a CPI da COVID investiga?
Instalada pelo Senado Federal em 27 de abril de 2021, após determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), a CPI da COVID trabalha para apurar possíveis falhas e omissões na atuação do governo federal no combate à pandemia do novo coronavírus. O repasse de recursos a estados e municípios também foi incluído na CPI e está na mira dos parlamentares.
O presidente do colegiado é Omar Aziz (PSD-AM). O alagoano Renan Calheiros (MDB) é o relator. O prazo inicial de trabalho são 90 dias, podendo esse período ser prorrogado por mais 90 dias.
Saiba como funciona uma CPI
Após a coleta de assinaturas, o pedido de CPI é apresentado ao presidente da respectiva casa Legislativa. O grupo é oficialmente criado após a leitura em sessão plenária do requerimento que justifica a abertura de inquérito. Os integrantes da comissão são definidos levando em consideração a proporcionalidade partidária — as legendas ou blocos parlamentares com mais representantes arrebatam mais assentos. As lideranças de cada agremiação são responsáveis por indicar os componentes.
Na primeira reunião do colegiado, os componentes elegem presidente e vice. Cabe ao presidente a tarefa de escolher o relator da CPI. O ocupante do posto é responsável por conduzir as investigações e apresentar o cronograma de trabalho. Ele precisa escrever o relatório final do inquérito, contendo as conclusões obtidas ao longo dos trabalhos.
Em determinados casos, o texto pode ter recomendações para evitar que as ilicitudes apuradas não voltem a ocorrer, como projetos de lei. O documento deve ser encaminhado a órgãos como o Ministério Público e a Advocacia-Geral da União (AGE), na esfera federal.
Conforme as investigações avançam, o relator começa a aprimorar a linha de investigação a ser seguida. No Congresso, sub-relatores podem ser designados para agilizar o processo.
As CPIs precisam terminar em prazo pré-fixado, embora possam ser prorrogadas por mais um período, se houver aval de parte dos parlamentares
O que a CPI pode fazer?
- chamar testemunhas para oitivas, com o compromisso de dizer a verdade
- convocar suspeitos para prestar depoimentos (há direito ao silêncio)
- executar prisões em caso de flagrante
- solicitar documentos e informações a órgãos ligados à administração pública
- convocar autoridades, como ministros de Estado — ou secretários, no caso de CPIs estaduais — para depor
- ir a qualquer ponto do país — ou do estado, no caso de CPIs criadas por assembleias legislativas — para audiências e diligências
- quebrar sigilos fiscais, bancários e de dados se houver fundamentação
- solicitar a colaboração de servidores de outros poderes
- elaborar relatório final contendo conclusões obtidas pela investigação e recomendações para evitar novas ocorrências como a apurada
- pedir buscas e apreensões (exceto a domicílios)
- solicitar o indiciamento de envolvidos nos casos apurados
O que a CPI não pode fazer?
Embora tenham poderes de Justiça, as CPIs não podem:
- julgar ou punir investigados
- autorizar grampos telefônicos
- solicitar prisões preventivas ou outras medidas cautelares
- declarar a indisponibilidade de bens
- autorizar buscas e apreensões em domicílios
- impedir que advogados de depoentes compareçam às oitivas e acessem
- documentos relativos à CPI
- determinar a apreensão de passaportes
A história das CPIs no Brasil
A primeira Constituição Federal a prever a possibilidade de CPI foi editada em 1934, mas dava tal prerrogativa apenas à Câmara dos Deputados. Treze anos depois, o Senado também passou a poder instaurar investigações. Em 1967, as CPMIs passaram a ser previstas.
Segundo a Câmara dos Deputados, a primeira CPI instalada pelo Legislativo federal brasileiro começou a funcionar em 1935, para investigar as condições de vida dos trabalhadores do campo e das cidades. No Senado, comitê similar foi criado em 1952, quando a preocupação era a situação da indústria de comércio e cimento.
As CPIs ganharam estofo e passaram a ser recorrentes a partir de 1988, quando nova Constituição foi redigida. O texto máximo da nação passou a atribuir poderes de Justiça a grupos investigativos formados por parlamentares.
CPIs famosas no Brasil
1975: CPI do Mobral (Senado) - investigar a atuação do sistema de alfabetização adotado pelo governo militar
1992: CPMI do Esquema PC Farias - culminou no impeachment de Fernando Collor
1992: CPMI do Esquema PC Farias - culminou no impeachment de Fernando Collor
1993: CPI dos Anões do Orçamento (Câmara) - apurou desvios do Orçamento da União
2000: CPIs do Futebol - (Senado e Câmara, separadamente) - relações entre CBF, clubes e patrocinadores
2001: CPI do Preço do Leite (Assembleia de MG e outros Legislativos estaduais, separadamente) - apurar os valores cobrados pelo produto e as diretrizes para a formulação dos valores
2005: CPMI dos Correios - investigar denúncias de corrupção na empresa estatal
2005: CPMI do Mensalão - apurar possíveis vantagens recebidas por parlamentares para votar a favor de projetos do governo
2006: CPI dos Bingos (Câmara) - apurar o uso de casas de jogo do bicho para crimes como lavagem de dinheiro
2006: CPI dos Sanguessugas (Câmara) - apurou possível desvio de verbas destinadas à Saúde
2015: CPI da Petrobras (Senado) - apurar possível corrupção na estatal de petróleo
2015: Nova CPI do Futebol (Senado) - Investigar a CBF e o comitê organizador da Copa do Mundo de 2014
2019: CPMI das Fake News - disseminação de notícias falsas na disputa eleitoral de 2018
2019: CPI de Brumadinho (Assembleia de MG) - apurar as responsabilidades pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão