O ofício pedindo a convocação de Bolsonaro ainda não foi votado pelos senadores que compõem o comitê. Para propor a audiência, Randolfe se baseia no artigo 58 da Constituição Federal, que versa sobre as prerrogativas das CPIs — e explicita que inquéritos parlamentares têm alguns poderes de Justiça.
Para José Alfredo Baracho, advogado e professor de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), os poderes judiciais concedidos aos componentes da CPI não são suficientes para sustentar o chamado a Bolsonaro. Ele afirma que a situação poderia ser diferente, por exemplo, se o presidente fosse convocado para depor, como testemunha, em um processo conduzido pelo Supremo Tribunal Federal (STF)
“Não temos um processo. A CPI não equivale a um processo judicial. Quando a constituição fala que as CPIs têm poderes próprios de investigação, de autoridades judiciais, isso não significa que elas tenham todos os poderes de investigação judiciais. E, mesmo assim, são poderes apenas de investigação”, diz.
Acácio Miranda, especialista em direito penal e direito constitucional, também vê poucas chances de Bolsonaro comparecer ao Parlamento. Ele lembra que, quando um presidente é arrolado como testemunha em um inquérito, pode fornecer explicações sem estar presente.
“O presidente da República pode optar por responder isso por escrito. A CPI manda as perguntas e ele manda por escrito. O Código de Processo Penal diz isso em relação ao presidente que é testemunha”, afirma.
“Isso (a convocação de Bolsonaro) é violação ao princípio da separação de poderes”, ressalta José Baracho.
Prerrogativa para chamar ministros não se estende ao presidente
Os integrantes do Congresso Nacional são amparados, também, pelo 50° artigo da Constituição, que garante aos parlamentares a possibilidade de convidar ministros de Estado para prestar esclarecimentos. Ausências sem justificativa podem gerar crime de responsabilidade.
Esse trecho, porém, não cita o chefe do poder Executivo, o que também afasta a possibilidade de, posteriormente, ser utilizado pelos integrantes da CPI da Pandemia como mecanismo para inquirir Bolsonaro.
“O Congresso Nacional, definitivamente, não tem autoridade para convocar o presidente”, assevera Baracho.
Acácio Miranda, por seu turno, crê que Randolfe Rodrigues pode estar tentando meios de apurar crime de responsabilidade por parte do presidente. O caminho, no entanto, é considerado “tortuoso” pelo jurista.
“Não é o objeto da CPI apurar eventual crime de responsabilidade. O objeto da CPI é apurar a pandemia e, eventualmente, crime contra a saúde pública”.
A apresentação do requerimento por parte do senador amapaense gerou pequeno bate-boca entre Randolfe e o governista Marcos Rogério (DEM-RO).
“A cada depoimento e a cada documento recebido, torna-se mais cristalino que o presidente da República teve participação direta ou indireta nos graves fatos questionados por esta CPI”, argumenta o oposicionista, no ofício que trata da convocação de Bolsonaro.
No texto, Randolfe tece críticas ao presidente por ações como o desestímulo ao uso de máscaras, a defesa de medicamentos sem eficácia cientificamente atestada e a propagação da tese de “imunidade de rebanho”.
Convocação de governadores e prefeitos está amparada por lei
Nesta quarta, em que os senadores não tomaram depoimentos, os componentes da CPI aprovaram diversos requerimentos. Muitos deles tratam da convocação de governadores estaduais. O aval ao chamamento de prefeitos também está em pauta para sessões posteriores.
De acordo com José Baracho, o Congresso Nacional pode convocar os líderes dos executivos municipais e estaduais. O especialista explica que a separação dos poderes não é apenas entre Judiciário, Legislativo e Executivo. O sistema federativo brasileiro também faz distinções entre União, estados, Distrito Federal e municípios.
“Estamos falando do poder Legislativo federal convocando autoridades de âmbito estadual. Aí sim (há permissão), porque a separação é a vertical — e não a horizontal”, explica, traçando paralelo à convocação de governadores por parte de assembleias legislativas — o que, assim como ocorre no caso de Bolsonaro na CPI, não tem respaldo suficiente para sair do papel.
O que é uma CPI?
O que a CPI da COVID investiga?
Saiba como funciona uma CPI
O que a CPI pode fazer?
- chamar testemunhas para oitivas, com o compromisso de dizer a verdade
- convocar suspeitos para prestar depoimentos (há direito ao silêncio)
- executar prisões em caso de flagrante
- solicitar documentos e informações a órgãos ligados à administração pública
- convocar autoridades, como ministros de Estado — ou secretários, no caso de CPIs estaduais — para depor
- ir a qualquer ponto do país — ou do estado, no caso de CPIs criadas por assembleias legislativas — para audiências e diligências
- quebrar sigilos fiscais, bancários e de dados se houver fundamentação
- solicitar a colaboração de servidores de outros poderes
- elaborar relatório final contendo conclusões obtidas pela investigação e recomendações para evitar novas ocorrências como a apurada
- pedir buscas e apreensões (exceto a domicílios)
- solicitar o indiciamento de envolvidos nos casos apurados
O que a CPI não pode fazer?
Embora tenham poderes de Justiça, as CPIs não podem:
- julgar ou punir investigados
- autorizar grampos telefônicos
- solicitar prisões preventivas ou outras medidas cautelares
- declarar a indisponibilidade de bens
- autorizar buscas e apreensões em domicílios
- impedir que advogados de depoentes compareçam às oitivas e acessem
- documentos relativos à CPI
- determinar a apreensão de passaportes
A história das CPIs no Brasil
CPIs famosas no Brasil
1992: CPMI do Esquema PC Farias - culminou no impeachment de Fernando Collor
1993: CPI dos Anões do Orçamento (Câmara) - apurou desvios do Orçamento da União
2000: CPIs do Futebol - (Senado e Câmara, separadamente) - relações entre CBF, clubes e patrocinadores
2001: CPI do Preço do Leite (Assembleia de MG e outros Legislativos estaduais, separadamente) - apurar os valores cobrados pelo produto e as diretrizes para a formulação dos valores
2005: CPMI dos Correios - investigar denúncias de corrupção na empresa estatal
2005: CPMI do Mensalão - apurar possíveis vantagens recebidas por parlamentares para votar a favor de projetos do governo
2006: CPI dos Bingos (Câmara) - apurar o uso de casas de jogo do bicho para crimes como lavagem de dinheiro
2006: CPI dos Sanguessugas (Câmara) - apurou possível desvio de verbas destinadas à Saúde
2015: CPI da Petrobras (Senado) - apurar possível corrupção na estatal de petróleo
2015: Nova CPI do Futebol (Senado) - Investigar a CBF e o comitê organizador da Copa do Mundo de 2014
2019: CPMI das Fake News - disseminação de notícias falsas na disputa eleitoral de 2018
2019: CPI de Brumadinho (Assembleia de MG) - apurar as responsabilidades pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão