Brasília – Na semana em que a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid completou um mês, parlamentares relataram dificuldades para conseguir obter documentos do governo federal considerados importantes para as investigações do comitê. Entre eles, está requerimento elaborado pelo senador governista Eduardo Girão (Podemos-CE), que pedia ao Planalto um levantamento sobre as saídas do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para se reunir com apoiadores.
Na avaliação da base governista, o momento mais decisivo para tentar tirar o foco das acusações que miram o Planalto ainda está por vir. O aliado que comanda a tropa de choque de Bolsonaro, senador Marcos Rogério (DEM-RO), acredita que na primeira fase de depoimentos com o alto escalão do governo, o que se colheu até o momento não é capaz de aferir culpa ao Executivo Federal. “Do que colhemos não verifico evidência de cometimento de crime por parte do governo federal. Em relação aos estados e municípios, os documentos estão chegando, depoimentos começarão, e aí é uma outra análise que ficará um pouco mais para a frente”, opinou.
1993: CPI dos Anões do Orçamento (Câmara) - apurou desvios do Orçamento da União
2000: CPIs do Futebol - (Senado e Câmara, separadamente) - relações entre CBF, clubes e patrocinadores
2001: CPI do Preço do Leite (Assembleia de MG e outros Legislativos estaduais, separadamente) - apurar os valores cobrados pelo produto e as diretrizes para a formulação dos valores
2005: CPMI dos Correios - investigar denúncias de corrupção na empresa estatal
2005: CPMI do Mensalão - apurar possíveis vantagens recebidas por parlamentares para votar a favor de projetos do governo
2006: CPI dos Bingos (Câmara) - apurar o uso de casas de jogo do bicho para crimes como lavagem de dinheiro
2006: CPI dos Sanguessugas (Câmara) - apurou possível desvio de verbas destinadas à Saúde
2015: CPI da Petrobras (Senado) - apurar possível corrupção na estatal de petróleo
2015: Nova CPI do Futebol (Senado) - Investigar a CBF e o comitê organizador da Copa do Mundo de 2014
2019: CPMI das Fake News - disseminação de notícias falsas na disputa eleitoral de 2018
2019: CPI de Brumadinho (Assembleia de MG) - apurar as responsabilidades pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão
Embora o Executivo use todo um aparato público de segurança para os passeios do presidente da República durante a pandemia, a resposta foi que não havia esse registro. Para contornar a dificuldade, senadores pediram, então, as imagens às emissoras de TV. Para o relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), apesar das dificuldades enfrentadas, os trabalhos seguem “além das expectativas”.
Segundo Calheiros, todas as vertentes abordadas pelo colegiado até agora trouxeram informações relevantes. O senador abandonou a ideia de um relatório preliminar, pois isso dependerá de novas oitivas. “Se alguma coisa pode ser dita como antecipação, eu diria que já temos clareza absoluta, 100% de convicção, de que muitas vidas poderiam ter sido salvas se o governo tivesse adotado um comportamento público, com decisões lógicas em favor da ciência e da vida dos brasileiros. Se tivesse acontecido, muitas famílias não teriam perdido seus entes queridos. E muitas dessas mais de 450 mil mortes (balanço oficial indicava 460.057 óbitos até ontem) teriam sido evitadas”, afirmou.
Para o relator da CPI, está cada vez mais claro que Bolsonaro optou pelo embate com outros poderes e com governadores, e preferiu a “imunidade de rebanho” à vacinação. “O presidente da República, até na semana que passou, defendeu a imunidade de rebanho. Nunca priorizou a vacinação”, afirmou Calheiros. Em depoimento central dado aos senadores do colegiado, o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, apresentou documentos que mostraram que doses da CoronaVac foram oferecidas em meados do ano passado e o acordo para a compra do imunizante foi realizado em janeiro último.
De acordo com Calheiros, em 24 de junho, senadores ouvirão o Movimento Alerta, incumbido de fazer uma estimativa de vidas perdidas graças à postura negacionista do governo federal. O vice-presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), lembrou que a CPI investiga a aquisição de vacinas por parte do governo e a existência do gabinete paralelo de combate à pandemia, que apostou na imunidade de rebanho.
Para Randolfe, o grupo começou a agir em 24 de março de 2020, quando, em pronunciamento nacional, o presidente tratou a COVID-19 como “gripezinha”. “A partir dali, houve uma fratura na sociedade e nos caminhos de enfrentamento da pandemia, e se instalou um comando paralelo de enfrentamento à crise sanitária. E baseado em declarações do presidente, o comitê paralelo trabalhava e apostava na estratégia da infecção de todos como alternativa para enfrentar a crise. O material probatório que se tem até agora, com os depoimentos que já foram colhidos, na minha percepção levam a essa concepção”, avaliou.
Evidências
Na avaliação da base governista, o momento mais decisivo para tentar tirar o foco das acusações que miram o Planalto ainda está por vir. O aliado que comanda a tropa de choque de Bolsonaro, senador Marcos Rogério (DEM-RO), acredita que na primeira fase de depoimentos com o alto escalão do governo, o que se colheu até o momento não é capaz de aferir culpa ao Executivo Federal. “Do que colhemos não verifico evidência de cometimento de crime por parte do governo federal. Em relação aos estados e municípios, os documentos estão chegando, depoimentos começarão, e aí é uma outra análise que ficará um pouco mais para a frente”, opinou.
Os depoimentos, de acordo com Marcos Rogério, revelam muito mais “força de expressão” do que ofereceram provas e dados para “caracterizar cometimento de crime, conduta dolosa” por parte de Bolsonaro. Questionados, o relator e o vice-presidente da CPI afirmam que é cedo para falar em prorrogar o término dos trabalhos, que devem durar mais 60 dias.
Isso dependerá, pelo menos, da disposição dos parlamentares de ouvir os governadores. Titular da CPI, Otto Alencar (PSD-BA) disse que a aprovação da convocação de governadores para prestarem depoimento é uma demonstração de que a comissão tem uma atuação imparcial. No entanto, ele vê uma série de problemas na participação dos chefes estaduais do Executivo. “Todos (os parlamentares) sabem que o Regimento Interno do Senado não admite convocar governador. Por quê? É porque numa CPI como essa, próxima a uma eleição, um senador candidato a governador, para constranger o governador, convoca ele. Então, o legislador, lá atrás, pensou nisso.” O senador destaca que “quem faz CPI para investigar governadores são as assembleias legislativas”.
FIO CONDUTOR
Pontos considerados essenciais nas apurações da comissão
Existência de grupo de assessoramento paralelo ao presidente Jair Bolsonaro e que influencia em decisões divergentes daquelas adotadas pelo Ministério da Saúde
Houve tentativa de mudança da bula do medicamento hidroxicloroquina para uso no tratamento de pacientes com o coronavírus
Faltou autonomia a ex-ministros da Saúde e eles foram pressionados a ampliar o uso da cloroquina para tratar pacientes com COVID-19
Carta em que o laboratório Pfizer ofereceu vacina enviada ao presidente da República e a auxiliares não teve resposta durante dois meses
Ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, afirmou que não foi pedido a ele que definisse negociações por vacina
Contradições entre os depoimentos do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello e de Mayra Pinheiro, conhecida como “Capitã Cloroquina”
Diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas culpa o governo pelo atraso na vacinação, afirmando que o instituto fez oferta de 60 milhões de doses de vacina em julho de 2020 e o Planalto não aceitou
O que é uma CPI?
As comissões parlamentares de inquérito (CPIs) são instrumentos usados por integrantes do Poder Legislativo (vereadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores) para investigar fato determinado de grande relevância ligado à vida econômica, social ou legal do país, de um estado ou de um município. Embora tenham poderes de Justiça e uma série de prerrogativas, comitês do tipo não podem estabelecer condenações a pessoas.
Para ser instalado no Senado Federal, uma CPI precisa do aval de, ao menos, 27 senadores; um terço dos 81 parlamentares. Na Câmara dos Deputados, também é preciso aval de ao menos uma terceira parte dos componentes (171 deputados).
Há a possibilidade de criar comissões parlamentares mistas de inquérito (CPMIs), compostas por senadores e deputados. Nesses casos, é preciso obter assinaturas de um terço dos integrantes das duas casas legislativas que compõem o Congresso Nacional.
O que a CPI da COVID investiga?
Instalada pelo Senado Federal em 27 de abril de 2021, após determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), a CPI da COVID trabalha para apurar possíveis falhas e omissões na atuação do governo federal no combate à pandemia do novo coronavírus. O repasse de recursos a estados e municípios também foi incluído na CPI e está na mira dos parlamentares.
O presidente do colegiado é Omar Aziz (PSD-AM). O alagoano Renan Calheiros (MDB) é o relator. O prazo inicial de trabalho são 90 dias, podendo esse período ser prorrogado por mais 90 dias.
Saiba como funciona uma CPI
Após a coleta de assinaturas, o pedido de CPI é apresentado ao presidente da respectiva casa Legislativa. O grupo é oficialmente criado após a leitura em sessão plenária do requerimento que justifica a abertura de inquérito. Os integrantes da comissão são definidos levando em consideração a proporcionalidade partidária — as legendas ou blocos parlamentares com mais representantes arrebatam mais assentos. As lideranças de cada agremiação são responsáveis por indicar os componentes.
Na primeira reunião do colegiado, os componentes elegem presidente e vice. Cabe ao presidente a tarefa de escolher o relator da CPI. O ocupante do posto é responsável por conduzir as investigações e apresentar o cronograma de trabalho. Ele precisa escrever o relatório final do inquérito, contendo as conclusões obtidas ao longo dos trabalhos.
Em determinados casos, o texto pode ter recomendações para evitar que as ilicitudes apuradas não voltem a ocorrer, como projetos de lei. O documento deve ser encaminhado a órgãos como o Ministério Público e a Advocacia-Geral da União (AGE), na esfera federal.
Conforme as investigações avançam, o relator começa a aprimorar a linha de investigação a ser seguida. No Congresso, sub-relatores podem ser designados para agilizar o processo.
As CPIs precisam terminar em prazo pré-fixado, embora possam ser prorrogadas por mais um período, se houver aval de parte dos parlamentares
O que a CPI pode fazer?
- chamar testemunhas para oitivas, com o compromisso de dizer a verdade
- convocar suspeitos para prestar depoimentos (há direito ao silêncio)
- executar prisões em caso de flagrante
- solicitar documentos e informações a órgãos ligados à administração pública
- convocar autoridades, como ministros de Estado — ou secretários, no caso de CPIs estaduais — para depor
- ir a qualquer ponto do país — ou do estado, no caso de CPIs criadas por assembleias legislativas — para audiências e diligências
- quebrar sigilos fiscais, bancários e de dados se houver fundamentação
- solicitar a colaboração de servidores de outros poderes
- elaborar relatório final contendo conclusões obtidas pela investigação e recomendações para evitar novas ocorrências como a apurada
- pedir buscas e apreensões (exceto a domicílios)
- solicitar o indiciamento de envolvidos nos casos apurados
O que a CPI não pode fazer?
Embora tenham poderes de Justiça, as CPIs não podem:
- julgar ou punir investigados
- autorizar grampos telefônicos
- solicitar prisões preventivas ou outras medidas cautelares
- declarar a indisponibilidade de bens
- autorizar buscas e apreensões em domicílios
- impedir que advogados de depoentes compareçam às oitivas e acessem
- documentos relativos à CPI
- determinar a apreensão de passaportes
A história das CPIs no Brasil
A primeira Constituição Federal a prever a possibilidade de CPI foi editada em 1934, mas dava tal prerrogativa apenas à Câmara dos Deputados. Treze anos depois, o Senado também passou a poder instaurar investigações. Em 1967, as CPMIs passaram a ser previstas.
Segundo a Câmara dos Deputados, a primeira CPI instalada pelo Legislativo federal brasileiro começou a funcionar em 1935, para investigar as condições de vida dos trabalhadores do campo e das cidades. No Senado, comitê similar foi criado em 1952, quando a preocupação era a situação da indústria de comércio e cimento.
As CPIs ganharam estofo e passaram a ser recorrentes a partir de 1988, quando nova Constituição foi redigida. O texto máximo da nação passou a atribuir poderes de Justiça a grupos investigativos formados por parlamentares.
CPIs famosas no Brasil
1975: CPI do Mobral (Senado) - investigar a atuação do sistema de alfabetização adotado pelo governo militar
1992: CPMI do Esquema PC Farias - culminou no impeachment de Fernando Collor
1992: CPMI do Esquema PC Farias - culminou no impeachment de Fernando Collor
1993: CPI dos Anões do Orçamento (Câmara) - apurou desvios do Orçamento da União
2000: CPIs do Futebol - (Senado e Câmara, separadamente) - relações entre CBF, clubes e patrocinadores
2001: CPI do Preço do Leite (Assembleia de MG e outros Legislativos estaduais, separadamente) - apurar os valores cobrados pelo produto e as diretrizes para a formulação dos valores
2005: CPMI dos Correios - investigar denúncias de corrupção na empresa estatal
2005: CPMI do Mensalão - apurar possíveis vantagens recebidas por parlamentares para votar a favor de projetos do governo
2006: CPI dos Bingos (Câmara) - apurar o uso de casas de jogo do bicho para crimes como lavagem de dinheiro
2006: CPI dos Sanguessugas (Câmara) - apurou possível desvio de verbas destinadas à Saúde
2015: CPI da Petrobras (Senado) - apurar possível corrupção na estatal de petróleo
2015: Nova CPI do Futebol (Senado) - Investigar a CBF e o comitê organizador da Copa do Mundo de 2014
2019: CPMI das Fake News - disseminação de notícias falsas na disputa eleitoral de 2018
2019: CPI de Brumadinho (Assembleia de MG) - apurar as responsabilidades pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão