"Essas decisões envolvendo disciplina têm duas dimensões. Uma é a que alcança o indisciplinado impune. A outra é o que tem o efeito pedagógico, educativo, e alcança todas as Forças Armadas", afirmou.
O Exército divulgou nesta quinta que foi arquivado o procedimento administrativo referente à conduta do general Eduardo Pazuello ao participar de uma manifestação ao lado do presidente Jair Bolsonaro, em 23 de maio no Rio de Janeiro.
"Não restou caracterizada a prática de transgressão disciplinar por parte do General Pazuello" diz trecho da nota do Centro de Comunicação Social do Exército.
Na ocasião, o general e ex-ministro da Saúde do atual governo subiu ao carro de som ao lado do presidente, o elogiou e agradeceu o apoio do público.
Ele foi então acusado, inclusive pelo vice-presidente Hamilton Mourão, de desrespeitar as regras das Forças Armadas. No caso do Exército, seu Regulamento Disciplinar proíbe o militar da ativa de se manifestar publicamente a respeito de assuntos de natureza político-partidária sem que esteja autorizado previamente.
Para o ex-ministro Aldo Rebelo, a ausência de punição pode abrir uma brecha para que irregularidades sejam cometidas por membros de outras patentes das Forças Armadas.
"Ao não punir o general Pazuello por subir num palanque e fazer proselitismo ao lado do presidente, o Exército mostra que não constitui uma disciplina nem mesmo uma hierarquia. Enquanto os demais representantes (do Exército) receberam essa notícia como uma espécie de habeas corpus preventivo para cometer a mesma indisciplina. As consequências disso, como dizia o sábio Conselheiro Acácio, de Eça de Queiroz, vêm depois", disse o ex-ministro.
Ameaça à democracia
O também ex-ministro da Defesa Celso Amorim disse à BBC News Brasil que a decisão do Exército de absolver Pazuello põe em xeque a democracia brasileira.
"Eu acho que a democracia fica muito ameaçada, pois quando essa força de última instância deixa de ser uma força de Estado e passa a ser de governo, de governante, isso é muito grave para o país. Eu até hoje só ouvia arruaça, barulho. Vai ter isso, vai ter aquilo e acabava. Mas como fato singular de ameaça à instituição, esse é o mais grave que eu vi. Hoje, ele (Bolsonaro) provou que é o Exército", afirmou Amorim.
Para ele, a decisão demonstra que o Exército foi personificado pelo presidente e que seus aliados não serão punidos.
"O grave nisso tudo é que as Forças Armadas, o Exército em particular, são uma instituição de Estado. A partir de hoje, elas passaram a ser uma instituição de governo e pessoas. Ela deixa de ser uma instituição que segue grandes linhas e normas do Estado Brasileiro, a Constituição e as leis, para passar a vontade do imperador", disse Amorim à reportagem.
No ponto de vista do ex-ministro Celso Amorim, esse foi o ato mais grave desde o início do governo Bolsonaro.
"Pode ser que, numa perspectiva de tempo, eu mude de opinião. Mas, do ponto de vista institucional, e olha que aconteceu muita coisa grave, mas o fato mais grave que eu vi nesse governo foi esse", afirmou Amorim.
Para ele, tanto Pazuello quanto Bolsonaro planejaram essa ação para provar a força do presidente e que o Exército é controlado pelo presidente da República.
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"Isso foi proposital. Ele foi mandado lá para fazer isso para mostrar quem manda. Não tem impasse. Era um embate o que prevalece: a razão do Estado ou do governo. Prevaleceu a razão do governo, que, no caso, é a razão do governante. Isso é muito grave. É uma característica das ditaduras".
Amorim diz que o fato de Pazuello ser um membro de alta patente das Forças Armadas reforça o fato de ele saber dos riscos que corria ao participar do ato com Bolsonaro e que o ato foi planejado.
"Eu não posso provar nada, mas tudo indica. Porque um general de três estrelas sabe exatamente o que ele pode ou não pode fazer, de acordo com o regulamento. Se ele foi (ao protesto), ele sabia que teria consequências. E sabia que seria protegido. E quem o protege sabia que era o momento de demonstrar (sua força)", afirmou.
A capitulação de hoje não honra os ex-Cmtes.da Marinha,Exército e da Aeronáutica,e do ex-Ministro da Defesa, que não se dobraram ao Presidente e caíram por respeito a Constituição e a Democracia,com quem as FFAAs permanecem. Mas,é hora de reagir e de unidade.Antes que seja tarde.
— Raul Jungmann (@Raul_Jungmann) June 3, 2021
No Twitter, o ex-ministro da Defesa Raul Jungmann também se manifestou sobre a decisão. Segundo ele, foi uma "capitulação" e deve haver uma reação "antes que seja tarde".
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