Eduardo Girão (Podemos-CE) contesta o rótulo de defensor da gestão de Jair Bolsonaro (sem partido) nas sessões da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da COVID-19. Para provar seu viés independente, garante que não participa de reuniões no Palácio do Planalto para definir estratégias de atuação e questiona o relator da apuração, Renan Calheiros (MDB-AL), a quem classifica como “escandalosamente parcial. Segundo Girão, a CPI tem sido usada como palanque eleitoral e permeada por agressividade. “A CPI teria que ser técnica, e não pirotécnica como tem sido”, diz, em entrevista ao Estado de Minas.
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"Ministro da Saúde é Bolsonaro", diz presidente da CPI da COVID, Omar AzizQueiroga adianta o que deverá falar em 2º depoimento à CPI da COVID'Estamos tratando de vidas, pessoas estão morrendo', diz Aziz sobre CPIPacheco: é 'leviano' prever pedido de impeachment como resultado da CPILuiz Carlos Heinze assume vaga de Ciro Nogueira na CPI da COVIDEmbora seja chamado de “governista” em conteúdos feitos pela agência de notícias do Senado Federal, Girão argumenta ter postura independente. Congressista há dois anos e meio, critica ações do chefe do Executivo federal ante medidas de combate à pandemia. “Aglomerações do presidente sem o uso de máscara, assim como declarações dele e de alguns ministros contra a China mais atrapalham do que ajudam na corrida pelas vacinas”, afirma.
Como o senhor define a sua postura na CPI? Se considera governista?
Minha postura é absolutamente independente. Não só pelas posturas públicas que tenho adotado na CPI a partir de requerimentos de minha autoria, que buscam informações sobre a agenda do presidente da República, que tem causado aglomerações e sem uso de máscara, dando exemplo ruim à população nesta pandemia. Também não tenho indicação de cargos no governo nem recebi recursos de emendas parlamentares extras. As minhas são apenas as impositivas e constitucionais. Tive muitos votos públicos contrários à posição do governo, como a indicação, do presidente, de Kassio Nunes Marques ao STF. E, também, na flexibilização de armas, fui dos articuladores para a derrubada dos decretos presidenciais. Na CPI, estamos trabalhando para buscar a verdade, esclarecer os fatos, extrair ensinamentos que ajudem na construção de um Brasil melhor e olhar com equilíbrio para as eventuais omissões e ações do governo federal, assim como também para rastrear a corrupção nas dezenas de bilhões de reais de verbas federais enviadas a estados e município. Esse requerimento, aliás, de minha autoria, foi subscrito por 45 senadores e também deu origem a essa CPI. A sociedade espera uma resposta a partir de uma CPI que deveria ser independente, ampla e justa — o que definitivamente não está sendo a partir da escandalosa parcialidade de relator e presidente durante as sessões que tivemos até agora. Já houve, inclusive, a antecipação do julgamento deles antes mesmo de começar a CPI, com declarações dadas à imprensa, dizendo quem é o culpado e quem é o inocente.
Poderia apontar os erros e acertos do governo federal no combate à pandemia?
Apontar erros e acertos dos Executivos federal, estadual e municipal é o caminho mais curto e fácil, mas não é produtivo ficar somente neste ponto. É evidente que medidas como isolamento físico, uso de máscaras e álcool em gel devem ser adotadas e incentivadas por todos nós. Mas é preciso aprofundar nossa busca e questionar, enquanto cidadãos e profissionais: por que politizamos tanto esta pandemia? Por que não conseguimos nos unir para atingirmos o único objetivo, que é a proteção da sociedade? Ao procurar responder estas questões, talvez encontremos os erros e acertos de cada um e as soluções para que não se repitam. Na comissão, ainda estamos cruzando as falas trazidas nas oitivas e comparando com dados que ainda estão sendo enviados. Não quero cometer o erro de colegas de fazer uma antecipação do julgamento com declarações dadas à imprensa, dizendo quem é o culpado e quem é o inocente. Estamos na comissão para fazer o trabalho com responsabilidade até o final, dando amplo direito de defesa e ao contraditório aos investigados. Mas é inegável: aglomerações do presidente sem o uso de máscara, assim como declarações dele e de alguns ministros contra a China mais atrapalham do que ajudam na corrida pelas vacinas.
O senhor já participou de reuniões no Palácio do Planalto para definir estratégias em relação à COVID como fazem outros senadores?
Nunca participei de reuniões no Planalto. Eles sabem que sou independente, assim como (sabem) os oposicionistas – todos os integrantes do G7 – que também não me chamam para suas reuniões por isso. Não faço o jogo da situação ou da oposição. Quero a apuração de toda a verdade, e não apenas uma parte da verdade. Vejo uso politiqueiro e palanque para 2022 nesta CPI. Penso que isso é desumano no momento em que ainda perdemos vidas, (e há) desemprego e fome por causa da pandemia. Precisamos urgentemente de pacificação, serenidade, mais diálogo e menos intolerância. O show de agressividade e parcialidade desta CPI está fazendo a sua credibilidade derreter na opinião pública a cada dia. A CPI teria que ser técnica, e não pirotécnica como tem sido.
Como avalia a postura do relator Renan Calheiros?
Infelizmente, escandalosamente parcial. (É) um dos motivos pelos quais vem derretendo a credibilidade junto aos brasileiros. Há uma situação que não tem como resolver. Ele é pai de um governador (Renan Filho, AL). E esta CPI, em seu escopo, deve investigar também gestores estaduais que receberam bilhões de reais do governo federal no enfrentamento à COVID 19. Deveria ter se declarado impedido, mas não o fez. O fato é que isso faz o povo desacreditar na CPI, vendo, na prática, apenas fins politiqueiros nela já que o relator, que é o coração e o pulmão de uma comissão, não pode fazer meio relatório. Ou se faz um relatório ou não se faz. E esse conflito flagrante de interesses dele não tem solução
O que o senhor espera dos depoimentos dos governadores?
Que tragam dados e esclarecimentos quanto às ações implementadas no combate à pandemia e (ajudem a) compreender como foram empregados os recursos federais disponibilizados para este fim.
O senhor se envolveu em um pequeno bate-boca com Omar Aziz, que o chamou de oportunista após pedir a convocação de prefeitos – tema que ficou fora da pauta. O incidente já está superado?
Na verdade não foi um bate-boca, porque eu o deixei colocar tudo pra fora e decidi não retrucar. Ele agrediu sozinho. Estava desequilibrado e fora de si. Quem age assim, com violência, é porque está sofrendo. Sempre respeitei e respeitarei todas as pessoas. Não há nenhuma justificativa para a atitude do senador Aziz, já que é meu direito cobrar a convocação dos governadores e prefeitos, por ser o autor do requerimento gerador desta CPI, junto ao (requerimento) do senador Randolfe (Rodrigues). Aziz deixa de cumprir seu papel de presidente da comissão ao não acolher meu plano de trabalho e não atender meus requerimentos de convocação. Como está em falta, quando cobrado, reage daquela forma, totalmente em desacordo com as posturas de um parlamentar. Temos e devemos ter divergências políticas, essência da democracia, mas jamais partir para agressões pessoais. Demonstra despreparo e falta de civilidade. A sociedade não merece espetáculo degradante entre parlamentares. Não responderei porque o mesmo perdeu a razão. Não foi um debate de ideias acalorado, e sim ofensas pessoais.
Durante a oitiva de Dimas Covas, o senhor utilizou a morte de Nelson Sargento, já vacinado com duas doses da Coronavac, para questionar a eficácia das vacinas. O diretor do Butantan, então, respondeu que é preciso levar em conta fatores individuais. Porquê o senhor recorreu a alguém que tinha morrido poucas horas antes? Se arrepende da citação?
Não me arrependo. Não fui desrespeitoso e tudo depende da intenção da pergunta. O objetivo dos questionamentos é, também, suscitar eventuais preconceitos da população para que, com as respostas de um cientista, se possa esclarecer a opinião pública ainda resistente a ver que o processo de vacinação é fundamental, independentemente de alguns resultados encarados como negativos. Doutor Dimas Covas trouxe as informações necessárias para que as pessoas se sintam seguras no processo de vacinação.
Como o senhor espera ficar conhecido nacionalmente depois da CPI?
Não espero nenhum reconhecimento. Trabalho com o estrito sentimento do cumprimento do dever e em respeito à minha consciência. Desta vida, ao partirmos, nada levamos. Somente nossa consciência.
Depoimentos como o de Luiz Henrique Mandetta dão indícios de que havia, no Palácio do Planalto, um gabinete paralelo responsável por orientar Bolsonaro ante a pandemia. O senhor acredita na existência desse grupo?
Não tenho relações com o governo que permitam fazer esta avaliação.
O senhor está no primeiro mandato e já integra uma CPI com repercussão nacional. Por que fez questão de participar?
Primeiro, porque um dos requerimentos geradores é de minha autoria. Segundo, porque entendo que poderia e posso contribuir para que a CPI seja um espaço para a busca de fatos que permitam tirar lições, buscando sempre a verdade.
Onde a CPI vai chegar?
Espero que produza um relatório imparcial e verdadeiro, que contenha ensinamentos para que, no futuro, não repitamos os erros de hoje.