Eduardo Girão (Podemos-CE) contesta o rótulo de defensor da gestão de Jair Bolsonaro (sem partido) nas sessões da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da COVID-19. Para provar seu viés independente, garante que não participa de reuniões no Palácio do Planalto para definir estratégias de atuação e questiona o relator da apuração, Renan Calheiros (MDB-AL), a quem classifica como “escandalosamente parcial. Segundo Girão, a CPI tem sido usada como palanque eleitoral e permeada por agressividade. “A CPI teria que ser técnica, e não pirotécnica como tem sido”, diz, em entrevista ao Estado de Minas.
Girão é autor do requerimento que estendeu o foco da CPI ao exame dos gastos de repasses da União feitos a estados e municípios. À época da instalação do colegiado, perdeu a disputa pela presidência para Omar Aziz (PSD-AM). Na semana passada, Aziz chamou o colega cearense de “oportunista pequeno” em debate sobre acordo que adiou a votação de ofícios para pedir depoimentos de prefeitos. “Ele agrediu sozinho. Estava desequilibrado e fora de si”, dispara o filiado ao Podemos.
Embora seja chamado de “governista” em conteúdos feitos pela agência de notícias do Senado Federal, Girão argumenta ter postura independente. Congressista há dois anos e meio, critica ações do chefe do Executivo federal ante medidas de combate à pandemia. “Aglomerações do presidente sem o uso de máscara, assim como declarações dele e de alguns ministros contra a China mais atrapalham do que ajudam na corrida pelas vacinas”, afirma.
Como o senhor define a sua postura na CPI? Se considera governista?
Minha postura é absolutamente independente. Não só pelas posturas públicas que tenho adotado na CPI a partir de requerimentos de minha autoria, que buscam informações sobre a agenda do presidente da República, que tem causado aglomerações e sem uso de máscara, dando exemplo ruim à população nesta pandemia. Também não tenho indicação de cargos no governo nem recebi recursos de emendas parlamentares extras. As minhas são apenas as impositivas e constitucionais. Tive muitos votos públicos contrários à posição do governo, como a indicação, do presidente, de Kassio Nunes Marques ao STF. E, também, na flexibilização de armas, fui dos articuladores para a derrubada dos decretos presidenciais. Na CPI, estamos trabalhando para buscar a verdade, esclarecer os fatos, extrair ensinamentos que ajudem na construção de um Brasil melhor e olhar com equilíbrio para as eventuais omissões e ações do governo federal, assim como também para rastrear a corrupção nas dezenas de bilhões de reais de verbas federais enviadas a estados e município. Esse requerimento, aliás, de minha autoria, foi subscrito por 45 senadores e também deu origem a essa CPI. A sociedade espera uma resposta a partir de uma CPI que deveria ser independente, ampla e justa — o que definitivamente não está sendo a partir da escandalosa parcialidade de relator e presidente durante as sessões que tivemos até agora. Já houve, inclusive, a antecipação do julgamento deles antes mesmo de começar a CPI, com declarações dadas à imprensa, dizendo quem é o culpado e quem é o inocente.
Poderia apontar os erros e acertos do governo federal no combate à pandemia?
Apontar erros e acertos dos Executivos federal, estadual e municipal é o caminho mais curto e fácil, mas não é produtivo ficar somente neste ponto. É evidente que medidas como isolamento físico, uso de máscaras e álcool em gel devem ser adotadas e incentivadas por todos nós. Mas é preciso aprofundar nossa busca e questionar, enquanto cidadãos e profissionais: por que politizamos tanto esta pandemia? Por que não conseguimos nos unir para atingirmos o único objetivo, que é a proteção da sociedade? Ao procurar responder estas questões, talvez encontremos os erros e acertos de cada um e as soluções para que não se repitam. Na comissão, ainda estamos cruzando as falas trazidas nas oitivas e comparando com dados que ainda estão sendo enviados. Não quero cometer o erro de colegas de fazer uma antecipação do julgamento com declarações dadas à imprensa, dizendo quem é o culpado e quem é o inocente. Estamos na comissão para fazer o trabalho com responsabilidade até o final, dando amplo direito de defesa e ao contraditório aos investigados. Mas é inegável: aglomerações do presidente sem o uso de máscara, assim como declarações dele e de alguns ministros contra a China mais atrapalham do que ajudam na corrida pelas vacinas.
O senhor já participou de reuniões no Palácio do Planalto para definir estratégias em relação à COVID como fazem outros senadores?
Nunca participei de reuniões no Planalto. Eles sabem que sou independente, assim como (sabem) os oposicionistas – todos os integrantes do G7 – que também não me chamam para suas reuniões por isso. Não faço o jogo da situação ou da oposição. Quero a apuração de toda a verdade, e não apenas uma parte da verdade. Vejo uso politiqueiro e palanque para 2022 nesta CPI. Penso que isso é desumano no momento em que ainda perdemos vidas, (e há) desemprego e fome por causa da pandemia. Precisamos urgentemente de pacificação, serenidade, mais diálogo e menos intolerância. O show de agressividade e parcialidade desta CPI está fazendo a sua credibilidade derreter na opinião pública a cada dia. A CPI teria que ser técnica, e não pirotécnica como tem sido.
Como avalia a postura do relator Renan Calheiros?
Infelizmente, escandalosamente parcial. (É) um dos motivos pelos quais vem derretendo a credibilidade junto aos brasileiros. Há uma situação que não tem como resolver. Ele é pai de um governador (Renan Filho, AL). E esta CPI, em seu escopo, deve investigar também gestores estaduais que receberam bilhões de reais do governo federal no enfrentamento à COVID 19. Deveria ter se declarado impedido, mas não o fez. O fato é que isso faz o povo desacreditar na CPI, vendo, na prática, apenas fins politiqueiros nela já que o relator, que é o coração e o pulmão de uma comissão, não pode fazer meio relatório. Ou se faz um relatório ou não se faz. E esse conflito flagrante de interesses dele não tem solução
O que o senhor espera dos depoimentos dos governadores?
Que tragam dados e esclarecimentos quanto às ações implementadas no combate à pandemia e (ajudem a) compreender como foram empregados os recursos federais disponibilizados para este fim.
O senhor se envolveu em um pequeno bate-boca com Omar Aziz, que o chamou de oportunista após pedir a convocação de prefeitos – tema que ficou fora da pauta. O incidente já está superado?
Na verdade não foi um bate-boca, porque eu o deixei colocar tudo pra fora e decidi não retrucar. Ele agrediu sozinho. Estava desequilibrado e fora de si. Quem age assim, com violência, é porque está sofrendo. Sempre respeitei e respeitarei todas as pessoas. Não há nenhuma justificativa para a atitude do senador Aziz, já que é meu direito cobrar a convocação dos governadores e prefeitos, por ser o autor do requerimento gerador desta CPI, junto ao (requerimento) do senador Randolfe (Rodrigues). Aziz deixa de cumprir seu papel de presidente da comissão ao não acolher meu plano de trabalho e não atender meus requerimentos de convocação. Como está em falta, quando cobrado, reage daquela forma, totalmente em desacordo com as posturas de um parlamentar. Temos e devemos ter divergências políticas, essência da democracia, mas jamais partir para agressões pessoais. Demonstra despreparo e falta de civilidade. A sociedade não merece espetáculo degradante entre parlamentares. Não responderei porque o mesmo perdeu a razão. Não foi um debate de ideias acalorado, e sim ofensas pessoais.
Durante a oitiva de Dimas Covas, o senhor utilizou a morte de Nelson Sargento, já vacinado com duas doses da Coronavac, para questionar a eficácia das vacinas. O diretor do Butantan, então, respondeu que é preciso levar em conta fatores individuais. Porquê o senhor recorreu a alguém que tinha morrido poucas horas antes? Se arrepende da citação?
Não me arrependo. Não fui desrespeitoso e tudo depende da intenção da pergunta. O objetivo dos questionamentos é, também, suscitar eventuais preconceitos da população para que, com as respostas de um cientista, se possa esclarecer a opinião pública ainda resistente a ver que o processo de vacinação é fundamental, independentemente de alguns resultados encarados como negativos. Doutor Dimas Covas trouxe as informações necessárias para que as pessoas se sintam seguras no processo de vacinação.
Como o senhor espera ficar conhecido nacionalmente depois da CPI?
Não espero nenhum reconhecimento. Trabalho com o estrito sentimento do cumprimento do dever e em respeito à minha consciência. Desta vida, ao partirmos, nada levamos. Somente nossa consciência.
Depoimentos como o de Luiz Henrique Mandetta dão indícios de que havia, no Palácio do Planalto, um gabinete paralelo responsável por orientar Bolsonaro ante a pandemia. O senhor acredita na existência desse grupo?
Não tenho relações com o governo que permitam fazer esta avaliação.
O senhor está no primeiro mandato e já integra uma CPI com repercussão nacional. Por que fez questão de participar?
Primeiro, porque um dos requerimentos geradores é de minha autoria. Segundo, porque entendo que poderia e posso contribuir para que a CPI seja um espaço para a busca de fatos que permitam tirar lições, buscando sempre a verdade.
Onde a CPI vai chegar?
Espero que produza um relatório imparcial e verdadeiro, que contenha ensinamentos para que, no futuro, não repitamos os erros de hoje.