Jornal Estado de Minas

SAÚDE

Câmara vota nesta terça (8) PL sobre cultivo da maconha para uso medicinal


Cerca de 13 milhões de brasileiros podem ser beneficiados se o PL 399/2015, que trata de liberação de cultivo da maconha (Cannabis sativa) para fins medicinais no Brasil, for aprovado. A Câmara dos Deputados vota o projeto nesta terça-feira (8/6). Se for aprovado, segue para o Senado.




A estimativa é da ABRACE Esperança, uma associação sem fins lucrativos, localizada em João Pessoa (PB), autorizada desde 2017 pela Justiça a cultivar e fornecer derivados da maconha aos seus associados em forma de óleos e pomadas.

Atualmente, a ABRACE tem 18 mil associados, 1.700 deles são moradores de Minas Gerais que fazem uso diário de medicamentos à base de canabidiol. Além da ABRACE, apenas a APEPI (Apoio à Pesquisa e Pacientes de Cannabis Medicinal), outra associação sem fins lucrativos, tem autorização judicial para cultivo e fornecimento de medicamentos derivados da cannabis no Brasil. 

“A ABRACE entende que uma regulamentação como o PL 399 propiciará acesso aos mais 13 milhões de brasileiros que poderiam se beneficiar da terapêutica canábica, pois prevê que outras associações possam ter cultivo de cannabis”, informa ao Estado de Minas a assessoria de imprensa da ABRACE.





Alto Custo e burocracia

De acordo com a Advogada especialista em Direito Médico e da Saúde, Isabelle Freire da Silva, os medicamentos à base de canabidiol atualmente possuem um custo elevado, o que praticamente impede que a maioria das pessoas tenham acesso.

“Com a divulgação dos benefícios dos efeitos do uso da cannabis medicinal nos pacientes diagnosticados com autismo, mal de Parkinson, mal de Alzheimer, esclerose múltipla, depressão, outras enfermidades neurológicas, como também doenças oncológicas, houve uma demanda crescente em busca da medicação à base de canabidiol”, ressalta.

O uso do canabidiol (CBD) para fins medicinais foi aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)  em 3 de dezembro de 2019, contudo, mesmo com essa autorização, a medicação permanece inacessível financeiramente para a maioria da população em razão do alto custo.



“Cumpre esclarecer que o Projeto de Lei 399/15, que tramita na Câmara dos Deputados, visa viabilizar a comercialização de medicamentos que contenham extratos, substratos ou partes da planta cannabis sativa em sua formulação. O objetivo do texto que legaliza o cultivo é tornar os medicamentos à base de Cannabis mais acessíveis à população, tendo em vista que a importação eleva os preços finais”, aponta a dra. Isabelle Freire, ressaltando que o projeto não autoriza o uso recreativo, permitindo, apenas, a produção de insumos para fins medicinais e industriais.

Quase 2 mil mineiros são associados à ABRACE e usam regularmente medicamentos à base de canabidiol (foto: César Matos/ABRACE)


“Existem alternativas judiciais para que os pacientes tenham direito a um tratamento eficaz com a cannabis medicinal. Uma das opções é pleitear o fornecimento pelo SUS. Antes disso, é preciso fazer a solicitação administrativa na farmácia de alto custo e estar de posse com a documentação, que comprove a recusa do fornecimento da medicação. Importante também demostrar que o medicamento possui registro na Anvisa”, esclarece a advogada especialista em Direito Médico.

“O paciente precisa ter um relatório médico claro e contundente, demostrando que já fez uso de outros medicamentos e não obteve melhoras, e que apenas o uso do canabidiol produzirá o efeito esperado. Deve-se comprovar também que o paciente não possui condições financeiras suficientes para comprar o medicamento por ser de alto custo”, indica.





Dra. Isabelle Freire também aponta uma possibilidade de custeio do medicamento aos pacientes que possuem plano de saúde por meio de processo judicial.

“Aos pacientes que possuem plano de saúde, há a possibilidade de demandar judicialmente a operadora para que esta forneça o medicamento prescrito, sendo necessário comprovação que o plano se negou a fornecer o tratamento, além do relatório médico, da receita médica e, por fim, a comprovação do registro na Anvisa”, explica.

Uso de medicamentos à base de canabidiol é autorizado pela ANVISA, mas tem custo alto e acesso burocrático (foto: César Matos/ABRACE)


O que prevê o PL 399/15

O projeto de Lei 399 foi apresentado em plenário no dia 23 de fevereiro de 2015 pelo Deputado Fábio Mitidieri (PSD-SE) e prevê alteração  na Lei 11.343/06, que institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, para viabilizar a comercialização de medicamentos que contenham partes da planta cannabis.

Pela proposta, o plantio será feito por empresas farmacêuticas e de pesquisa e o comércio só poderá ocorrer se existir comprovação de sua eficácia terapêutica atestada em laudo médico para todos os casos de indicação de seu uso, e apenas com autorização da Anvisa.





O projeto de lei permite o cultivo de sementes ou mudas certificadas e plantas com até 1% de THC. O texto também proíbe o comércio da planta, chá ou sementes. E não autoriza o uso recreativo da maconha. O relator do projeto, deputado Luciano Ducci (PSB-PR), apresentou parecer favorável à proposta apresentada na última sexta-feira (4/6) e o projeto deverá entrar na pauta de votação da Câmara de Deputados nesta segunda-feira (7/6).

Cultivo de maconha na ABRACE Esperança (foto: César Matos/ABRACE)

O uso do canabidiol no Brasil

Desde 2014, o Conselho Federal de Medicina autoriza a prescrição de remédios com canabidiol. Em 2015, a Anvisa retirou a proibição do uso de canabidiol e, em 2016, autorizou remédios com THC. Em 2017, ocorreu o registro do Metavyl, à base de cannabis. E, a partir de 2020, a venda de produtos com cannabis em farmácias passou a ser autorizada mediante apresentação de uma série de documentos e de indicação específica de uso do medicamento.

O plantio da cannabis para uso medicinal, entretanto, continua proibido. E a autorização para importação de remédios é cara e exige uma série de documentos. Se aprovado pela Câmara, o projeto ainda precisa ser analisado pelo Senado.





Associações

As associações foram a forma encontrada para viabilizar o acesso a medicamentos à base de canabidiol. Apenas a Associação Brasileira Cannabis Esperança (Abrace) e a APEPI – Apoio à Pesquisa e Pacientes de Cannabis Medicinal – possuem autorização para plantio de cannabis e produção de medicamentos à base de canabidiol no Brasil.

Outras associações de pacientes e parentes de pacientes que precisam de medicamentos à base de canabidiol oferecem apoio jurídico e acesso a um custo mais acessível aos medicamentos. A AMA%2bME, por exemplo, noticiou em seu site que um de seus associados, um garoto de 8 anos, conseguiu, por meio de seu representante legal, o direito ao plantio, cultivo, extração e posse do óleo das plantas de cannabis sativa.

A autorização foi concedida por meio de decisão liminar do Tribunal de Justiça de Minas Gerais

Pacientes de Minas Gerais

O Estado de Minas conversou com alguns pacientes que fazem uso regular de óleo à base de canabidiol (CBD) no tratamento de diversas doenças. Todos são moradores de Belo Horizonte e região metropolitana, mas preferem não ter seus nomes divulgados devido ao preconceito que ainda cerca as pessoas que fazem uso do medicamentos.



"Algumas pessoas, se souberem que uso um medicamento à base de maconha, vão pensar que eu sou maconheiro, que sou um drogado. E não é nada disso. O medicamento não causa nenhum barato, mas melhorou demais a minha condição clínica", conta um paciente, um homem de 51 anos, que teve redução drástica nas crises de epilepsia.

Uma das pacientes de Minas Gerais, que mora em Belo Horizonte e utiliza o óleo à base de canabidiol, relata a melhora que obteve nos efeitos colaterais do tratamento oncológico. “Com o óleo eu consigo dormir melhor, tenho menos problema de refluxo e me sinto mais disposta”.

Ela acredita que a aprovação do PL 399 vai baratear os custos do medicamento. “A consulta com os médicos para obter a receita é muito cara. Eu não encontrei nenhum médico no SUS com essa especialidade, mas, como precisava do medicamento, tive de pagar uma consulta particular a um valor muito alto”, relatou a paciente de 72 anos.





Dalton Nogueira, de 53, diagnosticado com epilepsia refratária, conta que conseguiu o óleo por meio de importação e critica o custo altíssimo do medicamento.

“Custa mais de R$ 2.800”, reclama. A esposa dele conta ao EM que após o uso do primeiro frasco ele apresentou melhora significativa das convulsões e das dores que tinha no corpo.

“Ele também tinha perda de memória muito grande, devido ao problema neurodegenerativo que ele tem, e voltou a ter uma memória boa depois do uso do óleo”, relata.

Ela diz que durante um tempo, devido ao alto custo e à dificuldade para obter o medicamento, Dalton precisou ficar sem o óleo à base de canabidiol e que os sintomas apresentaram piora.

“Ele demorou a conseguir um outro vidro por causa da dificuldade e durante o tempo que ficou sem o medicamento ele voltou a sentir dores, cansaço e as convulsões também aumentaram. Com o uso novamente do óleo CBD houve uma melhora muito grande, inclusive de memória, estado de humor e dores pelo corpo, que é devido às convulsões”, ressalta a esposa, que também espera ansiosa pela aprovação do PL 399 para obtenção do medicamento a um custo mais acessível.



A psicóloga especialista em neuropsicologia Rossana Lara relata melhora em um paciente da cidade de Lavras que faz uso do óleo CBD. “Foi demonstrado que o estado de humor da pessoa melhorou demais, e também a atenção e raciocínio lógico”.
 

Contrários

Entre quem é contra o PL, estão em sua maioria pessoas que acreditam que a autorização para cultivo da planta beneficiará o uso recreativo da maconha.

A representante da ONG Amor Exigente, Janicleide Xavier, de acordo com a agência Câmara de Notícias, teme que a proposta possibilite a ampliação do uso da maconha. Ela conta que perdeu o filho há três anos, depois que ele passou a usar maconha para acabar com dores de cabeça insistentes.

“Ele teve surtos psicóticos, teve sua primeira internação e foi diagnosticado com esquizofrenia após fumar maconha. O que me preocupa é que, no nosso Brasil, as pessoas não estão preparadas para achar que o remédio pode ser usado para fins medicinais. Brasileiro sempre dá um jeito de fazer gambiarra com tudo”, lamenta.



 

Enquete 

No site da Câmara dos Deputados, a votação on-line sobre o projeto de Lei 399/15 apresenta aprovação da maioria das pessoas. De acordo com a enquete, 55% concorda totalmente com a proposta e 39% discorda totalmente; 5% concorda na maior parte e 1% discorda na maior parte.


Enquete da Câmara dos Deputados apresenta maioria favorável ao PL 399. Reprodução desse domingo (6/6). (foto: Site da Câmara dos Deputados/Reprodução)

Uso veterinário

O dono de um cão da raça pincher conta que conseguiu recuperar a saúde do animal, que estava desenganado pelos veterinários e já tinha a eutanásia indicada.

Pincher estava com orientação para eutanásia, mas se recuperou depois do uso do óleo à base de canabidiol (foto: Arquivo Pessoal)


“O meu cachorro já estava há quase três meses sem andar, ele tinha sido diagnosticado com leishmaniose, com câncer nos ossos e reumatismo. Sem condições financeiras pra fazer todos os exames para saber realmente o que o cachorro tinha, já tinha sido orientado pra fazer eutanásia. Aí entramos com o tratamento de leishmaniose, mas não estava tendo resultado e eu não queria sacrificá-lo. Aí eu peguei esse óleo e dei uma gotinha pra ele, que estava muito fraco, magro, com as patas inchadas, sem andar. Ele usou durante quinze dias, melhorou, o pelo voltou a crescer, ele voltou a andar e aí entramos com um tratamento de câncer e ele usa um remédio para reumatismo. Usei no máximo 15 dias o tratamento com canabidiol, até porque é muito caro e a gente não tem condições de manter, mas ele se recuperou”.




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