Atenção: matéria exclusiva publicada no Portal do Estadão em 8/5/2021.
A compra de máquinas pesadas virou uma obsessão do atual Congresso. No orçamento secreto de R$ 3 bilhões de recursos do Ministério de Desenvolvimento Regional que o governo terceirizou para deputados e senadores no final do ano passado, ao menos R$ 271,8 milhões foram para aquisição de tratores, retroescavadeiras e equipamentos agrícolas.
Os tratores foram os itens mais requisitados. As máquinas são destinadas a prefeituras para auxiliar nas obras em estradas nas áreas rurais e vias urbanas e nos projetos de cooperativas da agricultura familiar.
O esquema montado pela equipe do presidente Jair Bolsonaro para se aproximar do Congresso jogou nas mãos de um grupo de deputados e senadores os recursos do ministério comandado por Rogério Marinho (sem partido-RN).
Destinados geralmente a prefeituras de redutos dos parlamentares, as máquinas e equipamentos saíram na maioria das vezes acima do preço de referência estabelecido pelo próprio ministério, em cartilha válida para 2021.
São dezenas de motoniveladoras, retroescavadeiras, carretas agrícolas, pás carregadeiras e caminhões, entre outros itens. Os autores das indicações são 37 deputados e cinco senadores. Entre eles, estão o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) e o ex-líder do governo na Câmara Vitor Hugo (PSL-GO).
Dos recursos do "planilhão", o Ministério do Desenvolvimento Regional liberou R$ 2,8 milhões para a compra de quatro motoniveladoras em convênios indicados por Vitor Hugo. Pela tabela do governo, o custo dessas quatro máquinas sairia por R$ 500 mil a menos.
Do total de gastos com compras de máquinas e equipamentos agrícolas que a reportagem conseguiu rastrear, 361 itens têm valores acima dos preços de referência do governo, considerando a tabela deste ano. Não foi possível, porém, obter informações sobre uma boa parte das aquisições que serão feitas pelos órgãos vinculados ao ministério. A falta de detalhamento ocorreu especialmente nas compras da Companhia de Desenvolvimento do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) e do Departamento Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs).
Nos últimos dez anos, a ação orçamentária que inclui a compra de maquinários deu um salto em valores aplicados. O gasto passou de R$ 484 milhões em 2010 para R$ 4,5 bilhões em 2020, segundo ano de mandato de Bolsonaro. Pelo menos R$ 1 bilhão foi para a compra de equipamentos, incluindo tratores, no ano passado.
Dos R$ 132 milhões de compras de máquinas pesadas previstas no planilhão passíveis de análise, 81% do montante, isto é, R$ 107,1 milhões, foram para contratos identificados com preços acima da tabela do governo.
Parlamentares indicam preços e modelos
O deputado Charles Fernandes (PSD-BA), por exemplo, chegou a indicar até o CNPJ e o telefone para contato de uma associação beneficente à qual queria destinar uma retroescavadeira no interior da Bahia. O parlamentar escreveu que o item deve ser comprado por R$ 300 mil, o que supera em R$ 50 mil o preço de referência.
Por sua vez, o presidente da Câmara, Arthur Lira, pôde direcionar R$ 30 milhões só para o Dnocs. Com esse valor, o órgão está adquirindo 44 tratores agrícolas a preços superiores aos R$ 100 mil previstos na cartilha do ministério. No total, os itens custarão R$ 1,6 milhão a mais do que a referência.
Os documentos demonstram que Lira ainda direcionou recursos para o governo de Mato Grosso (a 2.300 quilômetros em linha reta do seu reduto eleitoral) comprar seis carretas agrícolas, por preço total de R$ 138.060. Pela tabela do governo, as máquinas custariam R$ 60 mil. No total, Lira manejou R$ 114 milhões do orçamento secreto de Bolsonaro. No caso dos recursos do orçamento secreto, além do sobrepreço, parte dos convênios foi assinada pelo governo federal mesmo com pendências legais.
Motoniveladoras
Máquina usada para nivelar terrenos, a motoniveladora foi um dos itens mais caros nas listas de compras indicadas por parlamentares. Com a "cota" do deputado Nelto (Podemos-GO) serão compradas quatro máquinas desse tipo por R$ 723 mil cada, quando o preço de referência é R$ 470 mil. O plano de compra nessas condições está aprovado pela Sudeco. O Estadão localizou a aprovação para a compra da mesma máquina, no mesmo dia, por R$ 584 mil cada.
Fora do acordo para os políticos operarem o orçamento secreto, o Estadão encontrou vários registros de compras de tratores e máquinas agrícolas que seguem o preço de referência. Um convênio do Ministério do Desenvolvimento com o município de Nanuque (MG), por exemplo, registra a compra de uma motoniveladora no valor de R$ 462 mil, pouco menos que a referência, de R$ 470 mil.