A decisão da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), que permitiu que o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), não compareça à CPI da COVID abre caminho para que os outros nove governadores convocados também não deponham.
Embora a decisão da ministra tenha sido somente para o caso de Lima, ela cria precedente para que os outros governadores façam pedidos semelhantes.
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CPI da COVID pede condução coercitiva do empresário Carlos WizardCPI da COVID aprova quebra de sigilo de Ernesto Araújo e Eduardo PazuelloCPI da COVID: Bolsonaro critica Rosa Weber por liberar Wilson Lima de deporcpiCOVIDRegra de indicação para STF deixa aberto 'caminho da politização do Supremo', diz professor da USPNo caso de Lima, Weber decidiu que o comparecimento do governador é facultativo porque ele não é testemunha, mas investigado, e portanto tem o direito de não produzir provas contra si mesmo - algo que poderia ocorrer durante um depoimento.
Além disso, há um outro fator que deve fazer com que os governadores acabem não depondo na CPI: há discussão em andamento no STF sobre se CPIs podem convocar chefes do Executivo para depor sendo que não há previsão legal para isso.
A Constituição Federal prevê apenas a convocação de titulares de órgãos subordinados ao presidente da República, portanto governadores e prefeitos não estariam inclusos.
Como explicou à BBC News Brasil o constitucionalista Wallace Corbo, professor de direito da FGV-Rio, "o poder público está limitado ao que é autorizado pela Constituição ou pelas leis".
Governadores de 18 Estados já entraram com uma ação no STF questionando a possibilidade de convocação, mas Rosa Weber não decidiu sobre o pedido - que deve ser analisado de forma mais ampla pelo STF, segundo ela.
O presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), disse nesta quinta que a comissão deve recorrer da decisão do STF sobre o caso de Lima.
Como o não comparecimento de governadores afeta a estratégia de Bolsonaro?
A CPI inicialmente seria criada para investigar ações e omissões do governo federal no combate à pandemia de COVID-19, mas senadores governistas conseguiram que a pauta fosse ampliada para investigar também o uso dos recursos federais enviados aos Estados e municípios.
A convocação de governadores faz parte da narrativa do governo do presidente Jair Bolsonaro de dizer que a responsabilidade pela atual situação da pandemia no Brasil é dos Estados e municípios. O Brasil já teve quase 480 mil mortes por COVID-19 até agora.
Segundo o cientista político Rafael Cortez, sócio da Tendências Consultoria Integrada, a decisão do STF enfraquece essa estratégia do governo de "socializar as perdas" políticas geradas pela investigação da CPI.
"O não depoimento de governadores é um resultado contrário a essa estratégia do governo", afirma Cortez. "Como não há vácuo de assunto do ponto de vista do debate, o foco da CPI e das discussões públicas continua sendo as ações do governo federal."
Para ele, embora os bolsonaristas possam incluir na narrativa a ideia de que o "STF está sendo um obstáculo" na investigação, essa é uma argumentação que só atinge o eleitorado mais fiel ao presidente.
"Serve mesmo para animar aquele eleitorado muito cativo, que dificilmente iria mudar de ideia de qualquer forma", afirma o cientista político.
Desgastes e táticas
Cortez diz que a estratégia de tentar mudar o foco da CPI para os Estados e Municípios não parece estar tendo o efeito esperado pelo presidente.
"Até porque a maioria dos governadores não são figuras concorrentes com Bolsonaro. Eles podem até enfrentar problemas locais em seus Estados, mas isso não tira o desgaste que a CPI gera para o presidente", afirma.
Dos nove governadores convocados à CPI, cinco são de partidos que compõem a base do governo no Congresso, sendo quatro do PSL, o partido que elegeu Bolsonaro e continua votando com o governo.
"O governo segue constrangido, até porque o Brasil segue com um quadro pandêmico bastante perverso", diz o cientista político.
Convocar os governadores, diz, é uma tentativa de recuperar a capacidade de pautar o debate público que sempre foi alta para Bolsonaro, mas acabou enfraquecida pela CPI.
"O bolsonarismo sempre teve a capacidade de criar fatos políticos com declarações, de tirar peso de temas mais delicados com polêmicas", explica Cortez. "Me parece que a CPI tem mostrado uma outra dimensão, uma dificuldade que o governo tem tido de definir quais temas vão ser discutidos."
Senadores governistas negam que a convocação seja uma estratégia política.
O senador Marcos Rogério (DEM-RO) disse nesta quinta-feira (10/06) que o objetivo não é político, mas "investigar o uso de recursos nos Estados".
Convocação dos governadores permite convocação do presidente?
Senadores como o relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), e o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), se posicionaram contra a convocação dos governadores, que consideram inconstitucional e contrária ao regimento do Senado.
Além disso, Rodrigues argumenta que se a comissão tiver o depoimento de governadores, isso abrirá precedente para a convocação de qualquer chefe do poder Executivo, incluindo o presidente da República.
"Se nós pudermos convocar os governadores, por coerência tinha que ser convocado também o senhor presidente da República", afirmou Rodrigues . "A vedação para governador está no mesmo dispositivo da vedação para convocar o presidente da República", concluiu.
Por isso Rodrigues fez um requerimento de convocação de Bolsonaro, que ainda não foi votado pelos senadores.
"A cada depoimento e a cada documento recebido, torna-se mais cristalino que o presidente da República teve participação direta ou indireta nos graves fatos questionados por esta CPI", escreveu Rodrigues no pedido.
Quem foram os governadores convocados?
Até agora, a CPI aprovou convocação de nove governadores: Wilson Lima (PSC), Amazonas; Waldez Góes (PDT), Amapá; Ibaneis Rocha (MDB), Distrito Federal; Helder Barbalho (MDB), Pará; Wellington Dias (PT), Piauí; Marcos Rocha (PSL), Rondônia; Antonio Oliveira Garcia de Almeida (PSL), Roraima; Carlos Moisés (PSL), Santa Catarina e Mauro Carlesse (PSL), Tocantins.
Todos esses Estados tiveram operações da Polícia Federal para investigar se houve desvio de recursos públicos enviados pelo governo federal para combate à pandemia.
À CPI, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello afirmou que o Ministério da Saúde fez uma investigação sobre o uso de recursos no Estados, mas não encontrou nenhuma irregularidade.
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O que é uma CPI?
O que a CPI da COVID investiga?
Saiba como funciona uma CPI
O que a CPI pode fazer?
- chamar testemunhas para oitivas, com o compromisso de dizer a verdade
- convocar suspeitos para prestar depoimentos (há direito ao silêncio)
- executar prisões em caso de flagrante
- solicitar documentos e informações a órgãos ligados à administração pública
- convocar autoridades, como ministros de Estado — ou secretários, no caso de CPIs estaduais — para depor
- ir a qualquer ponto do país — ou do estado, no caso de CPIs criadas por assembleias legislativas — para audiências e diligências
- quebrar sigilos fiscais, bancários e de dados se houver fundamentação
- solicitar a colaboração de servidores de outros poderes
- elaborar relatório final contendo conclusões obtidas pela investigação e recomendações para evitar novas ocorrências como a apurada
- pedir buscas e apreensões (exceto a domicílios)
- solicitar o indiciamento de envolvidos nos casos apurados
O que a CPI não pode fazer?
Embora tenham poderes de Justiça, as CPIs não podem:
- julgar ou punir investigados
- autorizar grampos telefônicos
- solicitar prisões preventivas ou outras medidas cautelares
- declarar a indisponibilidade de bens
- autorizar buscas e apreensões em domicílios
- impedir que advogados de depoentes compareçam às oitivas e acessem
- documentos relativos à CPI
- determinar a apreensão de passaportes
A história das CPIs no Brasil
CPIs famosas no Brasil
1992: CPMI do Esquema PC Farias - culminou no impeachment de Fernando Collor
1993: CPI dos Anões do Orçamento (Câmara) - apurou desvios do Orçamento da União
2000: CPIs do Futebol - (Senado e Câmara, separadamente) - relações entre CBF, clubes e patrocinadores
2001: CPI do Preço do Leite (Assembleia de MG e outros Legislativos estaduais, separadamente) - apurar os valores cobrados pelo produto e as diretrizes para a formulação dos valores
2005: CPMI dos Correios - investigar denúncias de corrupção na empresa estatal
2005: CPMI do Mensalão - apurar possíveis vantagens recebidas por parlamentares para votar a favor de projetos do governo
2006: CPI dos Bingos (Câmara) - apurar o uso de casas de jogo do bicho para crimes como lavagem de dinheiro
2006: CPI dos Sanguessugas (Câmara) - apurou possível desvio de verbas destinadas à Saúde
2015: CPI da Petrobras (Senado) - apurar possível corrupção na estatal de petróleo
2015: Nova CPI do Futebol (Senado) - Investigar a CBF e o comitê organizador da Copa do Mundo de 2014
2019: CPMI das Fake News - disseminação de notícias falsas na disputa eleitoral de 2018
2019: CPI de Brumadinho (Assembleia de MG) - apurar as responsabilidades pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão