A médica pediatra Mayra Pinheiro, conhecida como “Capitã cloroquina” foi vacinada contra a covid-19 em uma unidade de Saúde do Distrito Federal. Ela é secretária do Ministério da Saúde e ganhou o apelido graças à sua atuação na defesa pelo medicamento sem eficácia contra a doença causada pelo novo coronavírus. No último sábado, o Supremo Tribunal Federal autorizou a quebra de sigilo de Mayra Pinheiro e dos ex-ministros Eduardo Pazuello e Ernesto Araújo.
Alvo da CPI, Mayra Pinheiro publicou uma foto em suas redes sociais em que segura um cartão de vacinação com seu nome e a identificação de que recebeu a primeira dose do imunizante da AstraZeneca/Oxford. “Devidamente vacinada contra a covid-19”, disse ela no post. No cartão, consta a data do último domingo, 13 de junho.
Convocada pela CPI da Covid no Senado para depor em maio, Mayra Pinheiro reforçou a defesa do tratamento precoce — bandeira amplamente defendida pelo presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido) e por seus apoiadores. O presidente já chegou a dizer, no ano passado, que não precisaria tomar a vacina porque já teve o vírus.
Questionamentos à OMS
Em suas lives nas redes sociais e em falas a apoiadores, Bolsonaro defende continuamente o uso de cloroquina, hidroxicloroquina e ivermectina contra a covid-19. Questionada se recebeu ordens do presidente para falar a favor dos medicamentos, Mayra afirmou na CPI que não foi orientada por ele, mas defendeu a autonomia dos médicos para prescrever os tratamentos.
“Estamos diante de uma doença grave, que tem provocado colapso dos sistemas de saúde e a morte de milhões de pessoas em todo o mundo. A tomada de decisão nesse cenário de incertezas exige respeito à autonomia médica concedida pelo Conselho Federal de Medicina”, disse ela, na ocasião.
Ela também disse que o Brasil não era obrigado a seguir a orientação da OMS, que recomendava que os medicamentos não fossem utilizados para tratar a covid-19. “A OMS retirou a orientação desses medicamentos para tratamento da covid baseada em estudos que foram feitos com qualidade metodológica questionável com o uso da medicação na fase tardia da doença onde todos nós já sabemos que não há benefícios para os pacientes”, pontuou
A secretária falou, no entanto, contra a imunização de rebanho, que consiste em permitir que uma população seja infectada pelo vírus para que desenvolvam imunidade. “Induzir a imunidade através do efeito rebanho é extremamente perigoso. Para grandes populações, você não sabe quantas pessoas vão precisar ser submetidas a esse tipo de teoria e ela pode induzir milhares de óbitos. Então eu não concordo com isso de forma generalizada. Em pequenos grupos populacionais, isso pode ser usado”, afirmou.
Segundo especialistas, a tese da imunidade de rebanho foi adotada pelo governo no momento em que criticou o uso de máscaras e incentivou a população a ignorar o isolamento social. Averiguar a extensão dessa estratégia no governo de Jair Bolsonaro é um dos eixos das investigações da CPI da Covid.
Mayra Pinheiro também foi questionada se já havia sido imunizada e disse que contraiu covid próximo da data prevista para se vacinar, por isso precisaria esperar um mês para tomar a vacina.
Origem da vacina
Mayra Pinheiro foi imunizada com a vacina AstraZeneca/Oxford, que é produzida no Brasil pela Fiocruz. Não é possível saber, no entanto, se a vacina foi produzida no Brasil ou importada.Quando depôs na CPI da Covid, Mayra também foi questionada sobre um áudio, reproduzido pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) em que aparece falando contra a Fiocruz. Ela dizia que havia um “pênis na porta da Fiocruz” e tapetes com a figura de Che Guevara.
“Eles têm um pênis na porta da Fiocruz. Todos os tapetes das portas são a figura do Che Guevara, as salas são figurinhas do Lula Livre, Marielle Vive. É um órgão que tem um poder imenso, porque durante anos eles controlaram, através do movimento sanitarista, que foi todo construído pela esquerda, a saúde do país”, disse ela no áudio. Na CPI, ela reafirmou o que disse e acrescentou que era “uma constatação de um fato”.
O que é uma CPI?
As comissões parlamentares de inquérito (CPIs) são instrumentos usados por integrantes do Poder Legislativo (vereadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores) para investigar fato determinado de grande relevância ligado à vida econômica, social ou legal do país, de um estado ou de um município. Embora tenham poderes de Justiça e uma série de prerrogativas, comitês do tipo não podem estabelecer condenações a pessoas.
Para ser instalado no Senado Federal, uma CPI precisa do aval de, ao menos, 27 senadores; um terço dos 81 parlamentares. Na Câmara dos Deputados, também é preciso aval de ao menos uma terceira parte dos componentes (171 deputados).
Há a possibilidade de criar comissões parlamentares mistas de inquérito (CPMIs), compostas por senadores e deputados. Nesses casos, é preciso obter assinaturas de um terço dos integrantes das duas casas legislativas que compõem o Congresso Nacional.
O que a CPI da COVID investiga?
Instalada pelo Senado Federal em 27 de abril de 2021, após determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), a CPI da COVID trabalha para apurar possíveis falhas e omissões na atuação do governo federal no combate à pandemia do novo coronavírus. O repasse de recursos a estados e municípios também foi incluído na CPI e está na mira dos parlamentares.
O presidente do colegiado é Omar Aziz (PSD-AM). O alagoano Renan Calheiros (MDB) é o relator. O prazo inicial de trabalho são 90 dias, podendo esse período ser prorrogado por mais 90 dias.
Saiba como funciona uma CPI
Após a coleta de assinaturas, o pedido de CPI é apresentado ao presidente da respectiva casa Legislativa. O grupo é oficialmente criado após a leitura em sessão plenária do requerimento que justifica a abertura de inquérito. Os integrantes da comissão são definidos levando em consideração a proporcionalidade partidária — as legendas ou blocos parlamentares com mais representantes arrebatam mais assentos. As lideranças de cada agremiação são responsáveis por indicar os componentes.
Na primeira reunião do colegiado, os componentes elegem presidente e vice. Cabe ao presidente a tarefa de escolher o relator da CPI. O ocupante do posto é responsável por conduzir as investigações e apresentar o cronograma de trabalho. Ele precisa escrever o relatório final do inquérito, contendo as conclusões obtidas ao longo dos trabalhos.
Em determinados casos, o texto pode ter recomendações para evitar que as ilicitudes apuradas não voltem a ocorrer, como projetos de lei. O documento deve ser encaminhado a órgãos como o Ministério Público e a Advocacia-Geral da União (AGE), na esfera federal.
Conforme as investigações avançam, o relator começa a aprimorar a linha de investigação a ser seguida. No Congresso, sub-relatores podem ser designados para agilizar o processo.
As CPIs precisam terminar em prazo pré-fixado, embora possam ser prorrogadas por mais um período, se houver aval de parte dos parlamentares
O que a CPI pode fazer?
- chamar testemunhas para oitivas, com o compromisso de dizer a verdade
- convocar suspeitos para prestar depoimentos (há direito ao silêncio)
- executar prisões em caso de flagrante
- solicitar documentos e informações a órgãos ligados à administração pública
- convocar autoridades, como ministros de Estado — ou secretários, no caso de CPIs estaduais — para depor
- ir a qualquer ponto do país — ou do estado, no caso de CPIs criadas por assembleias legislativas — para audiências e diligências
- quebrar sigilos fiscais, bancários e de dados se houver fundamentação
- solicitar a colaboração de servidores de outros poderes
- elaborar relatório final contendo conclusões obtidas pela investigação e recomendações para evitar novas ocorrências como a apurada
- pedir buscas e apreensões (exceto a domicílios)
- solicitar o indiciamento de envolvidos nos casos apurados
O que a CPI não pode fazer?
Embora tenham poderes de Justiça, as CPIs não podem:
- julgar ou punir investigados
- autorizar grampos telefônicos
- solicitar prisões preventivas ou outras medidas cautelares
- declarar a indisponibilidade de bens
- autorizar buscas e apreensões em domicílios
- impedir que advogados de depoentes compareçam às oitivas e acessem
- documentos relativos à CPI
- determinar a apreensão de passaportes
A história das CPIs no Brasil
A primeira Constituição Federal a prever a possibilidade de CPI foi editada em 1934, mas dava tal prerrogativa apenas à Câmara dos Deputados. Treze anos depois, o Senado também passou a poder instaurar investigações. Em 1967, as CPMIs passaram a ser previstas.
Segundo a Câmara dos Deputados, a primeira CPI instalada pelo Legislativo federal brasileiro começou a funcionar em 1935, para investigar as condições de vida dos trabalhadores do campo e das cidades. No Senado, comitê similar foi criado em 1952, quando a preocupação era a situação da indústria de comércio e cimento.
As CPIs ganharam estofo e passaram a ser recorrentes a partir de 1988, quando nova Constituição foi redigida. O texto máximo da nação passou a atribuir poderes de Justiça a grupos investigativos formados por parlamentares.
CPIs famosas no Brasil
1975: CPI do Mobral (Senado) - investigar a atuação do sistema de alfabetização adotado pelo governo militar
1992: CPMI do Esquema PC Farias - culminou no impeachment de Fernando Collor
1992: CPMI do Esquema PC Farias - culminou no impeachment de Fernando Collor
1993: CPI dos Anões do Orçamento (Câmara) - apurou desvios do Orçamento da União
2000: CPIs do Futebol - (Senado e Câmara, separadamente) - relações entre CBF, clubes e patrocinadores
2001: CPI do Preço do Leite (Assembleia de MG e outros Legislativos estaduais, separadamente) - apurar os valores cobrados pelo produto e as diretrizes para a formulação dos valores
2005: CPMI dos Correios - investigar denúncias de corrupção na empresa estatal
2005: CPMI do Mensalão - apurar possíveis vantagens recebidas por parlamentares para votar a favor de projetos do governo
2006: CPI dos Bingos (Câmara) - apurar o uso de casas de jogo do bicho para crimes como lavagem de dinheiro
2006: CPI dos Sanguessugas (Câmara) - apurou possível desvio de verbas destinadas à Saúde
2015: CPI da Petrobras (Senado) - apurar possível corrupção na estatal de petróleo
2015: Nova CPI do Futebol (Senado) - Investigar a CBF e o comitê organizador da Copa do Mundo de 2014
2019: CPMI das Fake News - disseminação de notícias falsas na disputa eleitoral de 2018
2019: CPI de Brumadinho (Assembleia de MG) - apurar as responsabilidades pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão