Médico por formação e integrante do Tribunal de Contas da União desde 2015, o ministro Vital do Rêgo confia na seriedade da instituição para deliberar sobre o rumoroso documento produzido pelo auditor Alexandre Marques, com supostos indícios de supernotificação no registro de mortes por COVID-19.
O documento foi mencionado pelo presidente Jair Bolsonaro, em um sinal preocupante de que informações inverídicas e não oficiais, tratadas no âmbito do tribunal, chegam por canais paralelos ao Palácio do Planalto.
“O que há de mais grave nesse episódio é a possibilidade de se confundir um ato isolado com um posicionamento institucional, o que nunca ocorreu”, esclareceu o ministro.
Nesta entrevista ao Estado de Minas, Vital do Rêgo detalha os trabalhos do TCU na fiscalização dos atos e omissões do governo federal na gestão de recursos para o combate à pandemia e como esse acervo serve de base de dados para a CPI da COVID no Senado.
“O que há de mais grave nesse episódio é a possibilidade de se confundir um ato isolado com um posicionamento institucional, o que nunca ocorreu”, esclareceu o ministro.
Nesta entrevista ao Estado de Minas, Vital do Rêgo detalha os trabalhos do TCU na fiscalização dos atos e omissões do governo federal na gestão de recursos para o combate à pandemia e como esse acervo serve de base de dados para a CPI da COVID no Senado.
O que há de mais grave no intuito de produzir um documento apócrifo sobre as mortes por COVID, valendo-se da autoridade do TCU?
Inicialmente, é preciso apurar, respeitando o direito de defesa, em que circunstâncias se deu todo o episódio. A divulgação de um parecer como se fosse oficial, mas que reflete a opinião pessoal de um auditor, com informações sensíveis que tratam do número de mortes por COVID-19, sem respaldo técnico e que não integra nenhum processo do TCU, configura-se, por si só, um ato de extrema gravidade. É importante enfatizar que em momento algum o TCU verificou a supernotificação do número de casos.
Qual a expectativa em relação à investigação que foi aberta?
Antes de tudo, é bom dizer que o caso foi rapidamente identificado pela presidência do TCU. Imediatamente o auditor foi afastado e cautelarmente retirado das suas funções por 60 dias. A presidente do Tribunal, ministra Ana Arraes, instituiu comissão de processo administrativo, com três auditores de controle externo, para avaliar, no prazo de 60 dias, a conduta do auditor. A presidente já solicitou à Polícia Federal a abertura de inquérito para apurar eventuais ilícitos penais praticados pelo auditor.
Como médico, de que maneira o senhor derrubaria a tese defendida no relatório apócrifo?
Por exemplo, o TCU tem criticado a falta de uma política nacional de testagem, que dificulta a identificação da doença e leva à subnotificação, na medida em que não se tem um diagnóstico clínico e laboratorial que confirme a doença. Como médico, é demais, para mim, imaginar que haveria algo orquestrado ou um conluio entre o gestor local e os médicos para, na dúvida, notificarem a morte como COVID em vez de apontarem a doença que, de fato, causou a morte.
Como vê a perda de tantos brasileiros na pandemia? Os governos deveriam ter sido mais céleres nas decisões? Que exemplo no mundo poderia ser seguido no Brasil?
A morte de 500 mil brasileiros gera profunda tristeza e indignação. Sem dúvida, medidas mais céleres e eficazes, como as adotadas por países que melhor lidaram com a pandemia, poderiam ter contribuído para um cenário de menor gravidade.
O TCU está colaborando com a CPI? De que forma?
Sim. O TCU está oferecendo suporte técnico e tem apoiado diretamente os trabalhos. Para a CPI da Pandemia, foram requisitados dois auditores que estão dedicados exclusivamente à comissão. Aos primeiros sinais da força com que a pandemia estava chegando, o TCU prontamente se organizou. Desde então, o TCU autuou mais de 120 processos, muitos concluídos ou em andamento, que apuram a responsabilidade de gestores dos recursos destinados à pandemia. Esses trabalhos estão à disposição para servirem de subsídios para a CPI.
Não faltou, nesta crise sanitária, uma coordenação nacional das ações de governo? A quem caberia fazer isso?
Sim, a atuação do Tribunal tem mostrado isso. Eu poderia destacar a falta de centralização das ações e planejamento coordenado como mais um grave problema. Foi montada uma estrutura com essa finalidade, mas as fiscalizações do TCU apontaram que esses órgãos não vêm exercendo a contento suas atribuições de planejador central para a elaboração de cenários, identificação de riscos e estabelecimento de ações necessárias ao combate da pandemia de COVID-19.