Jornal Estado de Minas

COVID-19

Senadores colocam lupa em contrato de vacina firmado pelo governo Bolsonaro

O contrato bilionário do governo federal com a Bharat Biotech, laboratório indiano responsável por produzir a vacina contra a COVID-19 Covaxin, firmado em fevereiro deste ano, estará no centro das discussões da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da pandemia nesta semana.



Os parlamentares querem entender o motivo de o Executivo ter disponibilizado R$ 1,614 bilhão para adquirir 20 milhões de doses do imunizante, que até hoje não recebeu autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para uso emergencial no país, e esclarecer por que o governo usou a Precisa Medicamentos, representante do laboratório no Brasil, como intermediária no processo de compra, ignorando os meios oficiais de negociação.

Dos depoimentos previstos para os próximos dias, o do sócio-administrador da Precisa, Francisco Emerson Maximiano, na quarta-feira, é tido como um dos mais relevantes entre os senadores. Para alguns dos integrantes do colegiado, a Covaxin não é o problema maior, mas a maneira como o governo se portou para comprar o produto desenvolvido pela Bharat Biotech.

  Há pouco mais de uma semana, o Estado de Minas mostrou que a CPI conta com um documento que informa que um terço do valor do contrato, pouco mais de R$ 500 milhões, seria repassado à Precisa, que nega ter recebido ou que receberá essa quantia. O objetivo, com isso, seria acelerar o processo de contratação da Covaxin. Em nenhuma das outras negociações para compra de vacinas contra a COVID-19 o Executivo adotou essa estratégia.





Os senadores também estão incomodados com algumas contradições do governo na aquisição da Covaxin e na compra de outras vacinas. Quando o contrato com a Bharat Biotech foi fechado, o produto ainda não tinha iniciado a terceira fase de testes no país, que é a etapa final para se demonstrar a eficácia de uma vacina e que antecede a concessão do registro sanitário de um imunizante para que ele possa ser disponibilizado à população. Os estudos clínicos de fase 3 da Covaxin só tiveram início em 14 de maio e a fabricante ainda não disponibilizou os resultados.

Desde fevereiro, a vacina indiana não tem qualidade, segurança ou eficácia atestadas pela Anvisa. No início deste mês, a agência autorizou a importação excepcional de uma quantidade determinada de doses da Covaxin (4 milhões), que é diferente do uso emergencial, e estabeleceu uma série de condições para a aplicação do produto, como a de que ele só poderá ser utilizado no Brasil após entrega e avaliação pela Anvisa dos dados referentes a dois meses de acompanhamento de segurança do estudo clínico de fase 3.

Além disso, estima-se que o governo pagou R$ 80,70 em cada uma das doses do imunizante indiano que foram contratadas, o que faz da vacina a mais cara entre as que já foram compradas pelo Executivo.

Hipocrisia

Esses detalhes são motivo de reclamação entre os parlamentares porque, ao longo de 2020, o presidente Jair Bolsonaro declarou constantemente que só compraria as vacinas que recebessem aval da Anvisa. O exemplo do imunizante produzido pela Pfizer foi o mais emblemático.



Apesar das reiteradas tentativas da farmacêutica norte-americana de estabelecer um contrato com o Brasil, o governo ignorou as ofertas da empresa por pelo menos dois meses e deixou de responder a no mínimo 50 e-mails. Quando finalmente escutou a proposta da Pfizer, Bolsonaro reclamou das “condições excessivas” impostas pela empresa e se sustentou na falta de autorização da Anvisa para não concluir o acordo.

O senador Humberto Costa (PT-PE), que integra o colegiado, diz que Bolsonaro deveria ter investido melhor o R$ 1,614 bilhão que destinou para o contrato com a Bharat Biotech. Segundo ele, é estranho que o presidente tente dificultar a conclusão de contratos de vacinas mais baratas que a Covaxin e que já apresentaram as estatísticas referentes a eficácia e segurança, mas aposte em um produto com qualidade ainda desconhecida.

“Aparentemente, ele usou dois pesos e duas medidas. Comprou uma vacina mais cara mesmo antes de ter a aprovação da Anvisa e da utilização desse imunizante em outros lugares. Temos que identificar quais fatores levaram a essa situação. Houve pressão para que essa vacina fosse rapidamente objeto de negociação? Se sim, por que aconteceu? É isso que precisamos investigar”, destaca.





Também membro da CPI, Otto Alencar (PSD-BA) acrescenta que o colegiado precisa de explicações convincentes sobre a participação de um terceiro personagem nas negociações entre o Brasil e o laboratório indiano. “Normalmente, o contato é feito por um ministro ou até mesmo por um chanceler, o que não aconteceu nesse caso. Temos de esclarecer isso”, frisa o parlamentar. “Precisamos da apuração. Afinal, os depoimentos dados até aqui já demonstraram que houve negacionismo, ações erradas, má alocação da receita do Ministério da Saúde e esse pode ser mais um caso. Não há dúvidas de que alguém será responsabilizado por isso”, acrescenta.

Agenda cheia

Os depoimentos da CPI nesta semana

Terça-feira
Deputado Osmar Terra (MDB-RS)

Quarta-feira
Francisco Emerson Maximiano, sócio-administrador da Precisa Medicamentos

Quinta-feira
Filipe Martins, assessor internacional da Presidência da República

Sexta-feira
Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional e coordenadora do Movimento Alerta
Pedro Hallal, epidemiologista, pesquisador e professor da Universidade Federal de Pelotas

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