Em depoimento à CPI da Covid nesta terça (22/06), o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS) citou dados falsos sobre a pandemia, como vinha fazendo ao longo de 2020.
Médico e ex-ministro da Cidadania, Terra foi chamado a depor por fazer parte do suposto "gabinete paralelo" que assessorava o presidente sobre a pandemia. Documentos entregues à CPI pelo governo mostram que o deputado esteve em diversas reuniões no Planalto para tratar de assuntos relacionados à covid-19.
Em seu depoimento, o deputado afirmou que a estratégia da Suécia de não fazer lockdown foi um sucesso e que o país foi um dos que menos tiveram mortes no mundo.A informação não é verdadeira. Sem isolamento, Suécia sofria já no final de 2020 com covid-19 fora de controle, UTIs lotadas e debandada de profissionais de saúde, como mostrou a BBC.
O deputado foi rapidamente corrigido pelos senadores, que lembraram que o país teve mais mortes por milhão de habitantes que os outros países escandinavos - Noruega, Finlândia e Dinamarca.
Lembraram também que, após a estratégia fracassada de combate à covid-19, o primeiro-ministro do país, Stefan Löfven, sofreu uma moção de desconfiança na segunda (21) e tem uma semana para apresentar sua renúncia.
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Previsões erradas e a China
Para justificar as as previsões erradas que fez sobre a pandemia, o deputado citou as curvas de contaminação da China e da Coreia do Sul.
"Eram os dados que a gente tinha na época", afirmou à CPI. O deputado também afirmou que a diferença entre os dois países asiáticos e o Brasil foi o "surgimento de novas cepas".
Mais uma vez, a informação não é correta. Embora o surgimento de novas cepas tenha de fato agravado a pandemia no Brasil no fim de 2020, a China e a Coreia do Sul conseguiram conter a pandemia no início do ano porque adotaram estratégias diferentes do Brasil, baseadas em evidências científicas.
A China - que tem dimensões continentais e a maior população do mundo - adotou um lockdown nacional, com cidades maiores do que São Paulo totalmente fechadas, circulação interrompida em rodovias e outras medidas de restrição de circulação.
A Coreia do Sul - que é um país menor - implementou um sistema de testagem em massa e rastreamento de contatos, com quarentena de todas as pessoas que tiveram contato com infectados e o incentivo ao distanciamento social voluntário e generalizado da população.
O discurso de Terra na CPI contradisse inclusive falas passadas suas: ele já havia negado a possibilidade de surgimento de novas cepas.
Em 27 de maio de 2020, em entrevista ao canal Rede Vida, ele afirmou, sem mostrar evidências, que o vírus não sofreria mutações e não seria capaz de contaminar novamente quem já tinha sido contaminado.
"Não, isso não existe em epidemia, num período curto de epidemia, senão a epidemia não acabava nunca", afirmou.
No entanto, diversos estudos científicos já registraram casos que uma pessoa se contaminou pela segunda vez com covid-19. Além disso, com o descontrole da pandemia e o alto número de contaminações, surgiram diversas variantes diferentes da doença desde então.
Na CPI, Terra afirmou que nunca defendeu "tese de imunidade de rebanho".
Em 12 de dezembro de 2020, no entanto, o deputado defendia que o país atingiria imunidade de rebanho sem vacinas. "É bem provável que em algumas semanas cheguemos a imunidade coletiva, ou imunidade de rebanho", disse ele.
O vídeo desta fala foi exibido pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI, que exibiu diversos outros vídeos do deputado falando sobre o assunto.
'Isolamento aumenta o contágio'
Terra também afirmou que o "isolamento aumenta o contágio dentro de casa", o que não é verdade.
"O que nós estávamos tentando fazer era qual a melhor maneira de se mitigar, de salvar vidas que não é o isolamento. O isolamento aumenta o contágio dentro de casa", afirmou Terra.
Epidemiologistas, infectologistas, sociedades científicas e a OMS (Organização Mundial de Saúde) apontam desde o início da pandemia que o isolamento social é essencial para evitar a ampliação do contágio de covid-19.
Em março, o infectologista Marcos Boulos, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), alertou em entrevista à BBC News Brasil que a curva de óbitos poderia chegar a 500 mil mortos no país em alguns meses se o isolamento social não fosse cumprido rigorosamente.
Sem isolamento generalizado e sem medidas firmes de restrição de circulação, o país atingiu esse número de mortos neste mês de junho, dois meses antes do previsto.
"Ano passado, quando o isolamento deu um pouquinho certo, as pessoas realmente se isolaram e usaram máscaras. Hoje, essas medidas estão absolutamente desacreditadas. Mesmo com fases e decretos mais rígidos, o nível de isolamento é pequeno e a circulação está grande. A população está tendo um desapego à vida", disse Boulos à BBC em março.
'Não há gabinete paralelo'
Osmar Terra reconheceu que teve diversos encontros com o presidente Jair Bolsonaro, mas disse que "não existe gabinete paralelo".
Afirmou "não se lembrar" se tratou ou não sobre assuntos específicos, como a questão da imunidade de rebanho sem vacinas. Também disse que não se recorda exatamente de quando falou de pandemia com Bolsonaro pela primeira vez.
"Essa relação que tenho com o presidente é de amizade, assim como ele tem com muitos outros deputados. Quando, de vez em quando, o presidente me pergunta alguma coisa, eu falo."
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O que a CPI pode fazer?
- chamar testemunhas para oitivas, com o compromisso de dizer a verdade
- convocar suspeitos para prestar depoimentos (há direito ao silêncio)
- executar prisões em caso de flagrante
- solicitar documentos e informações a órgãos ligados à administração pública
- convocar autoridades, como ministros de Estado — ou secretários, no caso de CPIs estaduais — para depor
- ir a qualquer ponto do país — ou do estado, no caso de CPIs criadas por assembleias legislativas — para audiências e diligências
- quebrar sigilos fiscais, bancários e de dados se houver fundamentação
- solicitar a colaboração de servidores de outros poderes
- elaborar relatório final contendo conclusões obtidas pela investigação e recomendações para evitar novas ocorrências como a apurada
- pedir buscas e apreensões (exceto a domicílios)
- solicitar o indiciamento de envolvidos nos casos apurados
O que a CPI não pode fazer?
Embora tenham poderes de Justiça, as CPIs não podem:
- julgar ou punir investigados
- autorizar grampos telefônicos
- solicitar prisões preventivas ou outras medidas cautelares
- declarar a indisponibilidade de bens
- autorizar buscas e apreensões em domicílios
- impedir que advogados de depoentes compareçam às oitivas e acessem
- documentos relativos à CPI
- determinar a apreensão de passaportes
A história das CPIs no Brasil
CPIs famosas no Brasil
1992: CPMI do Esquema PC Farias - culminou no impeachment de Fernando Collor
1993: CPI dos Anões do Orçamento (Câmara) - apurou desvios do Orçamento da União
2000: CPIs do Futebol - (Senado e Câmara, separadamente) - relações entre CBF, clubes e patrocinadores
2001: CPI do Preço do Leite (Assembleia de MG e outros Legislativos estaduais, separadamente) - apurar os valores cobrados pelo produto e as diretrizes para a formulação dos valores
2005: CPMI dos Correios - investigar denúncias de corrupção na empresa estatal
2005: CPMI do Mensalão - apurar possíveis vantagens recebidas por parlamentares para votar a favor de projetos do governo
2006: CPI dos Bingos (Câmara) - apurar o uso de casas de jogo do bicho para crimes como lavagem de dinheiro
2006: CPI dos Sanguessugas (Câmara) - apurou possível desvio de verbas destinadas à Saúde
2015: CPI da Petrobras (Senado) - apurar possível corrupção na estatal de petróleo
2015: Nova CPI do Futebol (Senado) - Investigar a CBF e o comitê organizador da Copa do Mundo de 2014
2019: CPMI das Fake News - disseminação de notícias falsas na disputa eleitoral de 2018
2019: CPI de Brumadinho (Assembleia de MG) - apurar as responsabilidades pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão