As sessões da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da COVID-19 serão retomadas na próxima terça-feira, 3 de agosto, depois de 15 dias de recesso parlamentar. Durante esse período, equipes técnicas dos senadores de oposição e independentes ao governo, que integram o grupo majoritário, atuaram para analisar documentos e compilar informações sobre as principais frentes de investigação.
Houve, inclusive, a divisão de sete núcleos envolvendo, por exemplo, fake news no âmbito da pandemia, ações negacionistas, suspeitas de corrupção em hospitais federais no Rio de Janeiro e os escândalos envolvendo suspeitas de corrupção em negociações de vacinas contra COV ID-19 que tiveram atuação de intermediários, em vez de laboratórios produtores.
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Omar Aziz sobre Bolsonaro: ''Até no ato de defecar o presidente mente''Aziz sobre senadores que combinaram perguntas com Mayra: 'Vamos cobrar'Partidos pedem ao TSE interpelação de Bolsonaro por ataque ao sistema eleitoralOmar Aziz: 'Hoje é mais difícil o Bolsonaro cancelar alguém na CPI'Alessandro Vieira: 'Participação de Bolsonaro na cadeia de comando é clara'O mais importante para os parlamentares é seguir o dinheiro, e a principal preocupação agora é documental; com elaboração de análises das quebras já feitas para ver o que se consegue identificar dos atores já nomeados em depoimentos na comissão. Além disso, é preciso definir as tipificações penais de cada um dos envolvidos (análise com equipe de seis juristas).
As quebras de sigilo são muitas, e no recesso essa análise avançou, com conclusão de relatórios da Receita Federal, por exemplo, mas precisa avançar ainda mais agora.
Em relação às suspeitas envolvendo as negociações de vacinas, o senador Humberto Costa (PT-PE) afirma que nas próximas duas semanas a comissão deve focar nisso “para tentar unir todas as pontas e fechar algumas questões em termos do relatório”. Um dos principais casos é o envolvendo a empresa americana Davati Medical Supply.
O vendedor autônomo de vacinas Luiz Paulo Dominghetti relatou ter recebido um pedido de propina de US$ 1 por dose de vacina ao tentar vender 400 milhões de doses de imunizante da AstraZeneca do ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde Roberto Dias.
O vendedor autônomo de vacinas Luiz Paulo Dominghetti relatou ter recebido um pedido de propina de US$ 1 por dose de vacina ao tentar vender 400 milhões de doses de imunizante da AstraZeneca do ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde Roberto Dias.
Outro caso de importância é o da empresa Precisa Medicamentos, que fechou um contrato de R$ 1,6 bilhão com o ministério para venda de 20 milhões de doses da vacina Covaxin, do laboratório indiano Bharat Biotech. As suspeitas nesse caso chegam ao líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR).
Em relação ao envolvimento do presidente no caso, visto que ele foi informado das suspeitas de irregularidades ainda em março, não é uma preocupação dos senadores do grupo majoritário na CPI, que avaliam que a questão está bem embasada, apesar de ser necessário deixar de forma mais clara quem lucraria com o negócio.
Em relação ao envolvimento do presidente no caso, visto que ele foi informado das suspeitas de irregularidades ainda em março, não é uma preocupação dos senadores do grupo majoritário na CPI, que avaliam que a questão está bem embasada, apesar de ser necessário deixar de forma mais clara quem lucraria com o negócio.
INTERMEDIÁRIOS
As suspeitas em relação às negociações de vacina chegaram a figuras como o ex-secretário-executivo coronel Elcio Franco e o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello. Os senadores começaram a observar, por exemplo, a existência de dois grupos formados por militares e pessoas indicadas pelo Centrão que disputavam as negociações de vacina.
De forma geral, os senadores de oposição e independentes ao governo que integram a comissão não têm preocupação com as provas que foram compiladas até o momento. Em discussão sobre o relatório, eles falam que o estudo apresentado pela diretora da Anistia Internacional, a médica Jurema Werneck, é o caminho para responsabilizar o presidente Jair Bolsonaro, o ex-ministro Pazuello e Elcio Franco.
O estudo mostrou que, no primeiro ano de pandemia, 120 mil mortes poderiam ter sido evitadas. Os senadores pensam em usá-lo como uma "espinha dorsal" das acusações contra os três, incluindo em torno do estudo as outras informações – como a demora na aquisição de vacina, as negociações suspeitas com intermediários e o incentivo a medicamentos sem eficácia comprovada, para mostrar que a postura gerou mortes.
O estudo mostrou que, no primeiro ano de pandemia, 120 mil mortes poderiam ter sido evitadas. Os senadores pensam em usá-lo como uma "espinha dorsal" das acusações contra os três, incluindo em torno do estudo as outras informações – como a demora na aquisição de vacina, as negociações suspeitas com intermediários e o incentivo a medicamentos sem eficácia comprovada, para mostrar que a postura gerou mortes.
FAKE NEWS
As suspeitas de corrupção na negociação de vacinas é uma das frentes, e a mais importante, por atingir Bolsonaro naquilo que ele jura não ter em seu governo. Mas existem outros núcleos vistos como muito importantes pelos senadores. Para dar conta de tudo a tempo, a CPI terá que atuar com vários braços, enquanto realiza as oitivas diárias. Apesar de terem até 5 de novembro para votar o relatório final, a expectativa é que tudo esteja concluído até meados de outubro.
Uma outra frente importante, que até antes do recesso havia avançado muito pouco, é relativa à disseminação de informações falsas no âmbito da pandemia. Apesar de o assunto esbarrar no chamado “gabinete paralelo”, a ideia é que ela seja um capítulo à parte no relatório final. Para os senadores, a existência do gabinete está muito clara há algum tempo e o objetivo agora é mostrar quem lucrou com indicação de tratamentos e medicamentos refutados pela ciência.
Assim, durante o recesso, o grupo formado para se dedicar ao assunto definiu uma lista de sites bolsonaristas para ser alvo de quebra de sigilo bancário na próxima terça-feira, como revelado pelo Estado de Minas na última quinta-feira. Na sexta-feira (30), foi apresentado pelo senador Humberto Costa o pedido de quebra de sigilo bancário de oito pessoas e empresas ligadas a esses sites que, segundo requerimento, disseminam fake news. Dentre eles, o senador pediu a quebra de sigilo da rádio Jovem Pan e do blogueiro Allan dos Santos, do site Terça Livre. Ele foi alvo do inquérito das fake news, no Supremo Tribunal Federal (STF). Esse grupo elaborou lista com 21 influenciadores e 11 parlamentares federais que divulgaram informações falsas durante a pandemia.
Outra frente que avançou durante o recesso, e precisa ser concluída, é a relativa aos hospitais federais e organizações sociais (OSs) do Rio de Janeiro. As suspeitas foram levantadas com o depoimento do ex-governador Wilson Witzel. Na última sexta, o senador Humberto Costa disse que “há muitos indícios de que há atos de corrupção envolvendo vários hospitais”.
Questão agora é provar corrupção
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da COVID-19 gera desgastes diários ao Palácio do Planalto desde o seu início. Quando as suspeitas de corrupção começaram a aparecer, isso foi ainda mais potencializado. Enquanto isso, o presidente Jair Bolsonaro assistiu a uma queda de popularidade. Analistas consultados pelo Estado de Minas apontam que as provas coletadas pela CPI contra integrantes do governo já são muitas, mas pontuam que se porventura os senadores não conseguirem, de forma clara e com provas, responsabilizar os envolvidos, a vitória será de Bolsonaro.
Analista político do portal Inteligência Política, Melillo Dinis avalia que a CPI terá a consolidação dos desgastes do presidente e do governo, levando mais pressão sobre o Palácio do Planalto e os eleitores de Bolsonaro. Entretanto, afirma que tudo precisa estar amarrado para se sustentar. “Se não tiver nada, ele (Bolsonaro) sai ganhando. O problema não é prova nem narrativa, é se a maioria dos senadores da CPI optarem pelo espetáculo. O momento agora é de aprofundar as investigações, juntar as provas, senão haverá um fiasco”, disse.
O importante é que as responsabilizações estejam claras no relatório, segundo Melillo, mesmo que no âmbito dos outros poderes, como na Procuradoria-Geral da República (PGR), chefiada por Augusto Aras, que tem postura alinhada ao presidente, não haja ações com base nas conclusões da CPI.
Analista político e sócio da Hold Assessoria Legislativa, André César afirma que a pressão sobre o Palácio continua nessa segunda etapa dos trabalhos da CPI. Ele diz acreditar que ao final do processo, a comissão terá uma vasta documentação que irá provar diversos ilícitos cometidos por parte do governo, mas pondera que se isso porventura não acontecer, “Bolsonaro faz golaço”. “O que já se tem em relação à primeira fase, que se trata de gabinete paralelo, negacionismo, já há informação para jogar elementos importantes probatórios. O grande nó agora é provar que houve corrupção. Esse é o jogo, e eles correm contra o tempo. Eles sabem que ou ganha de 10 a 0, ou perde de 1 a 0. E perder de 1 a 0 é goleada de Bolsonaro”, afirma.
O analista ressalta, ainda, que um relatório assertivo e negativo ao governo irá gerar impacto na popularidade do presidente, que está em queda. E mesmo que não haja uma ação por parte dos outros poderes, como PGR, não há prejuízo aos trabalhos da CPI. “O trabalho vai estar feito”, diz. Assim, mesmo sem ação no âmbito da Câmara, como abertura de processo de impeachment, os desgastes gerados pela CPI, somado às outras situações que o país passa hoje, como o aumento da fome, deixam o presidente muito fraco para a disputa eleitoral de 2022. “Ele vira um chaveirinho na disputa”, garante.