Jornal Estado de Minas

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TSE pode declarar Bolsonaro inelegível em 2022? Entenda o que está em jogo com investigação

Após ataques reiterados de Jair Bolsonaro (sem partido) ao sistema de urnas eletrônicas e à legitimidade das eleições, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) reagiu e tomou duas decisões com potencial de impactar a candidatura do presidente da República à reeleição no ano que vem.





 

Os ministros da Corte decidiram por unanimidade pedir ao Supremo Tribunal Federal (STF) que investigue Bolsonaro por disseminação de fake news contra a urna eletrônica. Na mesma sessão, na segunda-feira (2/8), o TSE votou pela abertura de um inquérito administrativo para investigar ataques ao sistema eletrônico de votação e à legitimidade da eleição de 2022.

 

Mas quais são os possíveis desdobramentos dessas investigações? Bolsonaro pode ser impedido de se candidatar, se for comprovado abuso de poder ou propaganda eleitoral antecipada?

A BBC News Brasil ouviu fontes do TSE e ex-ministros da Corte e, segundo eles, o inquérito administrativo pode em tese abrir caminho para impedir a candidatura de Bolsonaro, mas isso depende das provas que serão coletadas e de eventual iniciativa de partidos políticos, que poderiam usar evidências, caso sejam obtidas na investigação, para impugnar a chapa do presidente.

 

"Após as investigações, o TSE pode oficiar ao Ministério Público o material colhido. Eventualmente, o tribunal pode concluir que houve procedimentos ilegais, por exemplo, de campanha fora de época. O inquérito pode resultar na inelegibilidade, dependendo da gravidade", disse Carlos Velloso, ex-presidente do TSE, à BBC News Brasil.





 

O ex-ministro Marcelo Ribeiro, que foi atuou por mais de sete anos no TSE, destaca que a Corte permite que irregularidades cometidas antes da eleição possam ser utilizadas para pedir a inelegibilidade de um candidato.

 

"Os registros para a candidatura à eleição de 2022 serão feitos em agosto do ano que vem. E é da jurisprudência do tribunal que fatos anteriores à eleição possam ser considerados. Se você provar que houve prática de ato ilícito e que ele visava a eleição, isso pode levar até à inelegibilidade do candidato", disse Ribeiro.

 

Já a inclusão de Bolsonaro no chamado "inquérito das fake news", que tramita no STF, pode, eventualmente, resultar em processo penal contra o presidente, mas essa possibilidade é mais remota, porque depende da apresentação de denúncia pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, e de autorização de dois terços da Câmara dos Deputados.

 

Aras é considerado aliado de Bolsonaro, assim como Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara e um dos líderes do Centrão, bloco informal de legendas que hoje apoia o governo federal e garante sua sustentação política.





 

Procurado pela BBC News Brasil, o Palácio do Planalto não respondeu até a publicação desta reportagem.

 

Na terça-feira (3/8), Bolsonaro reagiu dizendo "não vai aceitar intimidações" por parte do TSE. "Vou continuar exercendo meu direito de cidadão, de liberdade de expressão, de criticar, de ouvir, e atender, acima de tudo, a vontade popular", disse em conversa com apoiadores no Palácio da Alvorada.


Bolsonaro reagiu às ofensivas do TSE dizendo que sua 'briga' é com ministro Roberto Barroso, não com o restante do tribunal (foto: TSE)

Abuso de poder econômico e político

Portanto, é o inquérito administrativo que, na avaliação de ministros e ex-ministros do TSE, tem maior potencial de impactar os planos políticos de Bolsonaro.

 

As investigações vão ser conduzidas até outubro pelo corregedor-geral eleitoral, o ministro Luís Felipe Salomão, que também integra o Superior Tribunal de Justiça. Quando Salomão terminar seu mandato como corregedor, o ministro Mauro Campbell assumirá o cargo e as investigações.





 

Na decisão de abertura do inquérito, Salomão diz que vai "apurar fatos que possam configurar abuso do poder econômico e político, uso indevido dos meios de comunicação social, corrupção, fraude, condutadas vedadas a agentes públicos e propaganda extemporânea, relativamente aos ataques contra o sistema eletrônico de votação e à legitimidade das eleições 2022".

 

A BBC News Brasil apurou que há entre ministros do TSE a expectativa de que sejam coletadas evidências de que Bolsonaro cometeu abuso de poder político e econômico, usando o cargo de presidente para desacreditar o sistema eleitoral e fazer propaganda antecipada.

Caso estas provas venham a ser obtidas de fato, elas poderiam em tese ser usadas, no ano que vem, pelo Ministério Público Eleitoral ou por partidos políticos de oposição para embasar ação de impugnação da candidatura da chapa de Bolsonaro. Havendo um pedido de impugnação, os ministros do TSE decidiriam se Bolsonaro seria ou não inelegível, após ouvir as partes e o Ministério Público.





 

"A mensagem é a seguinte: quem quiser falar, fale, mas se chegar à conclusão de que houve abuso, tem muitos partidos e candidatos (que podem agir). Basta que um represente contra a chapa de Bolsonaro e peça para usar as provas do inquérito", disse o ex-ministro do TSE Marcelo Ribeiro.

 

Segundo fontes do TSE, ministros da Corte consideram que a transmissão ao vivo feita por Bolsonaro em 29 de julho pode configurar abuso de poder ao convocar a imprensa a acompanhar a divulgação de vídeos e notícias falsas sobre supostas fraudes na eleição de 2018.

 

Durante a live, que durou mais de duas horas, Bolsonaro usou vídeos antigos de internet, já desmentidos por órgãos oficiais, para sugerir a existência de fraudes em eleições. "Não temos provas, vou deixar bem claro, mas indícios", disse Bolsonaro.





 

Segundo um ex-corregedor do TSE ouvido pela BBC News Brasil, outro exemplo de abuso de poder econômico seria o uso por Bolsonaro de aeronaves da Força Aérea para comparecer a motociatas e outros protestos, "incitando a população contra o Judiciário, o Legislativo e a legitimidade das eleições."


Para um ex-corregedor do TSE, uso de transporte da Força Aérea para participar de manifestações contra Legislativo, Judiciário e urna eletrônica pode configurar abuso de poder econômico por Bolsonaro (foto: Reuters)

Oitiva de ministro da Justiça e perícia

A BBC News Brasil apurou que uma das primeiras medidas da corregedoria do TSE será chamar o atual ministro da Justiça, Anderson Torres, além de Eduardo Gomes da Silva, coronel do Exército e atual assessor do Planalto, para depor.

 

Os dois participaram da live polêmica de Bolsonaro. Também devem ser determinadas perícias oficiais nos vídeos divulgados durante a transmissão, para verificar sua veracidade. Eventualmente, podem ser decretadas quebras de sigilos e oitivas de outras autoridades, mas ainda não há previsão para isso ocorrer.





 

"O ministro Salomão fez questão de dizer, na abertura do inquérito, que ele poderá usar medidas cautelares, ou seja, pode produzir material de prova", destacou Ribeiro.

 

Os ex-ministros do TSE ouvidos pela BBC News Brasil dizem que o tribunal não pode, de ofício, declarar a inelegibilidade de Bolsonaro com base no inquérito. O corregedor deverá encaminhar os achados ao Ministério Público Eleitoral.

Mas, há ceticismo no TSE de que Aras, que foi indicado por Bolsonaro ao cargo de procurador-geral, apresente alguma representação contra o presidente ou sua chapa. Para os ministros, a expectativa mais plausível é que as evidências, caso coletadas, sejam usadas por partidos políticos adversários para pedir a impugnação da candidatura.

 

Os registros das chapas serão feitos em agosto e, em seguida, abre-se prazo para partidos, coligações e o Ministério Público contestarem.

 

Marcelo Ribeiro afirma que o TSE pode, dependendo das provas, rejeitar o registro da candidatura, declarando a inelegibilidade ou, se o julgamento ocorrer após o registro ou a eleição, cassar a candidatura ou o mandato.





 

"Há uma demonstração de que as instituições não estão satisfeitas de ficarem só sendo atacadas. Vão preparar um material, e esse material, se contiver provas de crimes eleitorais, pode gerar inelegibilidade ou cassação do mandato", disse o ex-ministro do TSE.

Bolsonaro reage atacando Barroso

Em carta, todos os ex-presidentes do TSE e quase todos os atuais ministros do Supremo defenderam a segurança das urnas eletrônicas (foto: TSE)

Na terça-feira (3/8), Bolsonaro reagiu às ofensivas do TSE com mais ataques ao presidente do tribunal, Luís Roberto Barroso, a quem criticou por considerá-lo "dono da verdade". Ele disse que sua "briga" é especificamente com Barroso, não com os demais membros do tribunal.

 

"O ministro Barroso presta um desserviço à nação brasileira. Cooptando gente de dentro do Supremo, querendo trazer para si, ou de dentro do TSE, como se fosse uma briga minha contra o TSE ou contra o Supremo. Não é contra o TSE nem contra o Supremo. É contra um ministro do Supremo, que é também presidente do Tribunal Superior Eleitoral, querendo impor a sua vontade", disse.





 

Bolsonaro voltou ainda a reafirmar, mais uma vez sem apresentar evidências de suas suspeitas, de que "não serão admitidas eleições duvidosas". "O Brasil vai ter eleição ano que vem. Eleições limpas, democráticas."

 

O presidente declarou ainda que, caso Barroso continue "insensível" à demanda por voto impresso, ele poderá promover uma manifestação. "Se o povo assim o desejar, porque eu devo lealdade ao povo. Uma concentração na (Avenida) Paulista para darmos o último recado para aqueles que ousam açoitar a democracia. Se o povo estiver comigo, nós vamos fazer com que a vontade popular seja cumprida."

 

A BBC News Brasil apurou que, ao longo do fim de semana, os ministros do TSE e do Supremo conversaram entre si para estabelecer uma estratégia coordenada de reação às investidas do presidente ao sistema eleitoral.





 

O temor entre eles é que Bolsonaro, talvez inspirado no ex-presidente americano Donald Trump, esteja tentando minar a confiança da população nas eleições, para contestar um eventual resultado negativo.

 

Foi durante essas conversas no fim de semana, feitas por telefone, que ficou combinada a divulgação de uma carta em defesa da urna eletrônica, assinada por todos os ex-presidentes do TSE desde 1988 e quase todos os atuais ministros do Supremo.

 

No documento, os ministros afirmam que, desde que o sistema foi implantado, em 1996, jamais foi "documentado episódio de fraude". Eles argumentam ainda que as urnas eletrônicas são auditáveis em todas as etapas do processo, "antes, durante e depois das eleições".





 

"Com a abertura do inquérito administrativo ontem, o TSE quis dar resposta às acusações de que teria havido fraude em 2018 e de que pode haver fraude em 2022. O presidente (Bolsonaro) já disse que não tem como provar que houve. E não pode mesmo", disse à BBC News Brasil o ex-presidente do TSE Carlos Velloso, que implantou o sistema eletrônico quando comandou o tribunal.

 

"O Supremo perdeu a paciência e o TSE também. Foi uma reação a um contínuo ataque de Bolsonaro, principalmente ao último em que ele instou o povo a ir para a rua e delegou a direção do país às massas, pedindo que elas embarquem no que ele pretende. É um ato antidemocrático", afirmou um ex-corregedor-geral eleitoral.

 

Mas a avaliação dos ministros ouvidos pela BBC News Brasil é que, apesar da resposta contundente do TSE, Bolsonaro e apoiadores possivelmente continuarão com a estratégia de questionar a legitimidade das urnas eletrônicas.





 

"O Trump fez isso, contestou a eleição e as instituições democráticas dos Estados Unidos. Aqui segue-se o exemplo", criticou Velloso.

 

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O que é uma CPI?

As comissões parlamentares de inquérito (CPIs) são instrumentos usados por integrantes do Poder Legislativo (vereadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores) para investigar fato determinado de grande relevância ligado à vida econômica, social ou legal do país, de um estado ou de um município. Embora tenham poderes de Justiça e uma série de prerrogativas, comitês do tipo não podem estabelecer condenações a pessoas.


Para ser instalado no Senado Federal, uma CPI precisa do aval de, ao menos, 27 senadores; um terço dos 81 parlamentares. Na Câmara dos Deputados, também é preciso aval de ao menos uma terceira parte dos componentes (171 deputados).

Há a possibilidade de criar comissões parlamentares mistas de inquérito (CPMIs), compostas por senadores e deputados. Nesses casos, é preciso obter assinaturas de um terço dos integrantes das duas casas legislativas que compõem o Congresso Nacional.





O que a CPI da COVID investiga?

Instalada pelo Senado Federal em 27 de abril de 2021, após determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), a CPI da COVID trabalha para apurar possíveis falhas e omissões na atuação do governo federal no combate à pandemia do novo coronavírus. O repasse de recursos a estados e municípios também foi incluído na CPI e está na mira dos parlamentares.

O presidente do colegiado é Omar Aziz (PSD-AM). O alagoano Renan Calheiros (MDB) é o relator. O prazo inicial de trabalho são 90 dias, podendo esse período ser prorrogado por mais 90 dias.


Saiba como funciona uma CPI

Após a coleta de assinaturas, o pedido de CPI é apresentado ao presidente da respectiva casa Legislativa. O grupo é oficialmente criado após a leitura em sessão plenária do requerimento que justifica a abertura de inquérito. Os integrantes da comissão são definidos levando em consideração a proporcionalidade partidária — as legendas ou blocos parlamentares com mais representantes arrebatam mais assentos. As lideranças de cada agremiação são responsáveis por indicar os componentes.





Na primeira reunião do colegiado, os componentes elegem presidente e vice. Cabe ao presidente a tarefa de escolher o relator da CPI. O ocupante do posto é responsável por conduzir as investigações e apresentar o cronograma de trabalho. Ele precisa escrever o relatório final do inquérito, contendo as conclusões obtidas ao longo dos trabalhos. 

Em determinados casos, o texto pode ter recomendações para evitar que as ilicitudes apuradas não voltem a ocorrer, como projetos de lei. O documento deve ser encaminhado a órgãos como o Ministério Público e a Advocacia-Geral da União (AGE), na esfera federal.

Conforme as investigações avançam, o relator começa a aprimorar a linha de investigação a ser seguida. No Congresso, sub-relatores podem ser designados para agilizar o processo.

As CPIs precisam terminar em prazo pré-fixado, embora possam ser prorrogadas por mais um período, se houver aval de parte dos parlamentares

O que a CPI pode fazer?

  • chamar testemunhas para oitivas, com o compromisso de dizer a verdade
  • convocar suspeitos para prestar depoimentos (há direito ao silêncio)
  • executar prisões em caso de flagrante
  • solicitar documentos e informações a órgãos ligados à administração pública
  • convocar autoridades, como ministros de Estado — ou secretários, no caso de CPIs estaduais — para depor
  • ir a qualquer ponto do país — ou do estado, no caso de CPIs criadas por assembleias legislativas — para audiências e diligências
  • quebrar sigilos fiscais, bancários e de dados se houver fundamentação
  • solicitar a colaboração de servidores de outros poderes
  • elaborar relatório final contendo conclusões obtidas pela investigação e recomendações para evitar novas ocorrências como a apurada
  • pedir buscas e apreensões (exceto a domicílios)
  • solicitar o indiciamento de envolvidos nos casos apurados

O que a CPI não pode fazer?

Embora tenham poderes de Justiça, as CPIs não podem:

  • julgar ou punir investigados
  • autorizar grampos telefônicos
  • solicitar prisões preventivas ou outras medidas cautelares
  • declarar a indisponibilidade de bens
  • autorizar buscas e apreensões em domicílios
  • impedir que advogados de depoentes compareçam às oitivas e acessem
  • documentos relativos à CPI
  • determinar a apreensão de passaportes

A história das CPIs no Brasil

A primeira Constituição Federal a prever a possibilidade de CPI foi editada em 1934, mas dava tal prerrogativa apenas à Câmara dos Deputados. Treze anos depois, o Senado também passou a poder instaurar investigações. Em 1967, as CPMIs passaram a ser previstas.





Segundo a Câmara dos Deputados, a primeira CPI instalada pelo Legislativo federal brasileiro começou a funcionar em 1935, para investigar as condições de vida dos trabalhadores do campo e das cidades. No Senado, comitê similar foi criado em 1952, quando a preocupação era a situação da indústria de comércio e cimento.

As CPIs ganharam estofo e passaram a ser recorrentes a partir de 1988, quando nova Constituição foi redigida. O texto máximo da nação passou a atribuir poderes de Justiça a grupos investigativos formados por parlamentares.

CPIs famosas no Brasil

1975: CPI do Mobral (Senado) - investigar a atuação do sistema de alfabetização adotado pelo governo militar

1992: CPMI do Esquema PC Farias - culminou no impeachment de Fernando Collor

1993: CPI dos Anões do Orçamento (Câmara) - apurou desvios do Orçamento da União

2000: CPIs do Futebol - (Senado e Câmara, separadamente) - relações entre CBF, clubes e patrocinadores

2001: CPI do Preço do Leite (Assembleia de MG e outros Legislativos estaduais, separadamente) - apurar os valores cobrados pelo produto e as diretrizes para a formulação dos valores

2005: CPMI dos Correios - investigar denúncias de corrupção na empresa estatal

2005: CPMI do Mensalão - apurar possíveis vantagens recebidas por parlamentares para votar a favor de projetos do governo

2006: CPI dos Bingos (Câmara) - apurar o uso de casas de jogo do bicho para crimes como lavagem de dinheiro

2006: CPI dos Sanguessugas (Câmara) - apurou possível desvio de verbas destinadas à Saúde

2015: CPI da Petrobras (Senado) - apurar possível corrupção na estatal de petróleo

2015: Nova CPI do Futebol (Senado) - Investigar a CBF e o comitê organizador da Copa do Mundo de 2014

2019: CPMI das Fake News - disseminação de notícias falsas na disputa eleitoral de 2018

2019: CPI de Brumadinho (Assembleia de MG) - apurar as responsabilidades pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão
 





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