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Estado de Minas 'BRIMOS'

Temer, Haddad, Maluf: como descendentes de libaneses chegaram aos mais altos postos da política brasileira

Livro recém-lançado conta as histórias de famílias sírio-libanesas cujos descendentes chegaram à política brasileira, como os Boulos, Feghali, Haddad, Kassab, Maluf e Temer, e busca responder como aconteceu esta bem-sucedida ascensão ao poder.


08/08/2021 17:33 - atualizado 09/08/2021 12:31


Jerje Maluf mostra foto do 'brimo' distante Paulo Maluf durante entrevista ao autor Diogo Bercito no Líbano(foto: Divulgação)
Jerje Maluf mostra foto do 'brimo' distante Paulo Maluf durante entrevista ao autor Diogo Bercito no Líbano (foto: Divulgação)

A partir de pequenos e humildes vilarejos no Líbano, parentes com o mesmo sobrenome de políticos que chegaram a cargos importantes no Brasil acompanham estas trajetórias como quem segue uma novela — como fazem os Temer de Btaaboura, povoado de onde emigraram os pais do ex-presidente Michel Temer (MDB).

Lá, a chegada de Temer ao Planalto foi comemorada com festa organizada pelo então prefeito — e parente distante do emedebista — e rendeu uma grande placa para a rua com nome de Michel Tamer, conforme a grafia original do sobrenome.

O jornalista e pesquisador brasileiro Diogo Bercito viu a placa e a empolgação dos parentes de Temer com seus próprios olhos: ele já viajou diversas vezes para o Oriente Médio e, em 2018, foi para o Líbano fazer entrevistas especialmente para o livro que acaba de lançar, Brimos: Imigração sírio-libanesa no Brasil e seu caminho até a política (Editora Fósforo).

Mestre em estudos árabes pela Universidade Autônoma de Madri, na Espanha, e pela Universidade Georgetown, nos Estados Unidos, Bercito cultiva há anos relações com famílias libanesas envolvidas na política brasileira e conhece "por nome e rosto" parentes destas personalidades no Líbano.

As viagens e conversas foram uma das formas de investigar a íntima e pouca conhecida relação entre o Líbano e o Brasil, onde está provavelmente a maior comunidade de nascidos e descendentes de libaneses fora do país no Oriente Médio, segundo estimativas dos respectivos governos. São os "brimos", como os imigrantes que ainda aprendiam o português se chamavam, trocando o "b" pelo "p" de primos.

No livro recém-lançado, o autor conta as histórias de famílias cujos descendentes chegaram à política, como os Boulos, Feghali, Haddad, Kassab, Maluf e Temer, e busca responder como aconteceu esta bem-sucedida ascensão ao poder.

"Em relação ao percentual de libaneses no Brasil, o percentual de políticos (nessa comunidade) é alto. É um grupo migratório que investiu na política de uma maneira excepcional", explica o autor, atualmente doutorando na Universidade Georgetown e ex-correspondente do jornal Folha de S. Paulo em Jerusalém e Madri.

"Sempre achei interessante que há políticos de origem sírio-libanesa de direita, esquerda, centro, extremos. Não é minha área de pesquisa, mas minha impressão é que os italianos, por exemplo, ficaram muito marcados em movimentos sindicais no começo do século 20. Já para os sírio-libaneses, não existe tanto um padrão (de orientação política)", afirma Bercito em entrevista à BBC News Brasil.


Diogo Bercito sempre teve um interesse 'inexplicável' pela cultura árabe, mas agora desconfia de um dos motivos: ele pode ter essa origem também(foto: Divulgação)
Diogo Bercito sempre teve um interesse 'inexplicável' pela cultura árabe, mas agora desconfia de um dos motivos: ele pode ter essa origem também (foto: Divulgação)

O autor explica que a participação de sírios-libaneses na política brasileira é grande não só para cargos de relevância nacional, como a Presidência, governo e prefeitura de São Paulo, mas também em cargos locais espalhados pelo Brasil — acompanhando a histórica dispersão desses imigrantes no país.

No Congresso Nacional, Bercito cita uma pesquisa do historiador Sérgio Tadeu de Niemeyer Lamarão que mostrou que, entre 1945 e 1999, o Brasil teve 163 deputados federais e senadores com sobrenomes sírios e libaneses, atrás apenas de 236 parlamentares de origem italiana.

No livro, Bercito dedica capítulos às histórias de políticos e suas famílias, mas se aprofunda também no contexto histórico que levou à massiva imigração para o Brasil a partir do final do século 19 — estima-se que, entre 1880 e 1969, 140 mil árabes atravessaram o oceano para tentar uma vida melhor por aqui, a maioria deles libaneses e sírios.

Eles deixavam para trás problemas na agricultura, o frenético crescimento populacional, a falta de trabalho, os efeitos de guerras, entre tantos outros motivos para a emigração daquele território, dominado pelo Império Otomano até 1922. A delimitação e independência da Síria e do Líbano só veio na década de 1940, o que gera algumas incertezas sobre a origem precisa de muitos destes imigrantes em anos anteriores.

O avô e o pai do ex-ministro e prefeito de São Paulo Fernando Haddad deixaram o vilarejo de Ain Ata fugindo da pobreza e dos efeitos nocivos da Segunda Guerra Mundial. Décadas antes, os pais de Michel Temer saíram de Btaabura depois que a produção de tabaco foi deslocada para outros polos.


Michel Temer aparece entre retratos família na casa de Nizar Temer em Btaaboura(foto: Divulgação)
Michel Temer aparece entre retratos família na casa de Nizar Temer em Btaaboura (foto: Divulgação)

A migração destas e outras milhares de pessoas trouxe o Brasil ao número de 7 a 10 milhões de pessoas de origem libanesa, segundo seus governos. Bercito diz que pesquisadores consideram essa cifra exagerada, mas afirma que ainda assim o Brasil é onde provavelmente está a maior comunidade com esta origem fora do Líbano.

Argentina e Estados Unidos foram também destinos importantes destes imigrantes.

Para o livro, o autor tentou entrevistas com todos os principais personagens políticos, conseguindo efetivamente conversar com Gilberto Kassab (PSD), Guilherme Boulos (PSOL) e Jandira Feghali (PCdoB). Além da política, porém, o livro aborda também as histórias de intelectuais como a síria Salwa Salama Atlas, de dezenas de periódicos e jornais produzidos pela comunidade no Brasil, e também de instituições de renome como o Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.

Investimento na educação

A maior parte dos libaneses que chegaram ao Brasil nos principais anos de migração eram cristãos, sobretudo de vertentes orientais como os maronitas e greco-ortodoxos. Segundo explica o livro, imigrantes muçulmanos tiveram em geral uma experiência diferente, com integração mais lenta e menos êxito econômico.

E, diferentemente de outros grupos de imigrantes, como os italianos, os sírio-libaneses não chegaram ao Brasil com apoio dos respectivos governos, deixando de ter, portanto, suporte na busca por abrigo, empregos e propriedades. Mas isso foi também uma certa vantagem: eles conseguiram se espalhar pelo país com relativa liberdade.

Assim, esparramando-se pelo Brasil e atuando inicialmente no comércio ambulante, os imigrantes construíram a fama de que, "por menor que fosse uma vila, os 'turcos' estavam ali" — a alcunha pejorativa se formou uma vez que os imigrantes viajavam com um passaporte do Império Otomano na época em que o Líbano não existia como Estado.

Depois dos mascates, o próximo passo para estas famílias foi abrir suas próprias lojas e negócios, como ocorreu com as famílias de Fernando Haddad (PT) e Paulo Maluf (PP).

O ex-prefeito e governador de São Paulo representa uma outra história típica: teve a educação priorizada pela família, o que às vezes era viável para apenas um dos filhos. O irmão mais velho de Maluf assumiu os negócios do pai enquanto aquele estudava.


Livro conta a pouco explorada história de milhares de pessoas que imigraram para o Brasil(foto: Divulgação)
Livro conta a pouco explorada história de milhares de pessoas que imigraram para o Brasil (foto: Divulgação)

Paulo se formou como engenheiro na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), instituição de prestígio que impulsionou diversas personalidades e políticos de origem libanesa, formados também em outras faculdades.

"Os primeiros migrantes fizeram um esforço excepcional em colocar os filhos primeiro em escolas de elite; depois em universidades de elite, principalmente em profissões liberais como direito, medicina, engenharia. Foi de caso pensado: era um investimento que toda família fazia — nem todo mundo podia estudar, às vezes tinha o filho que ia estudar. Era algo que trazia muito orgulho", explica Bercito.

A inclusão de Paulo Maluf no livro, aliás, desagradou outros entrevistados e membros da comunidade, por seu histórico de acusações, condenações e prisões por corrupção.

"Na época das entrevistas, Maluf estava preso, então as pessoas apontavam para toda a controvérsia que ele representou para a comunidade. Mas eu acho que era impossível escrever esse livro sem o Maluf; o livro poderia ser só sobre o Maluf, inclusive, porque acho que ele é o grande personagem dos libaneses — mesmo não tendo chegado à Presidência", diz o autor.

"A maneira com que ele usou a etnia, como trouxe pessoas de origem sírio-libanesa para o entorno dele, e a maneira que outras pessoas usaram isso para condená-lo, é uma pessoa que representa todo o livro. Mas ele é o que traz mais consenso, entre a esquerda e a direita, de que foi alguém que causou dano para a comunidade", afirma Bercito, que aborda também no livro os estereótipos que ao longo dos anos associaram os libaneses à corrupção.

'Brimos' célebres visitaram o Líbano


Assad Haddad, parente distante de Fernando Haddad, em igreja do povoado de Ain Ata; avô do petista foi herói no vilarejo(foto: Divulgação)
Assad Haddad, parente distante de Fernando Haddad, em igreja do povoado de Ain Ata; avô do petista foi herói no vilarejo (foto: Divulgação)

Já no vilarejo de Hadath, origem de sua família, Maluf foi recebido como um "messias" em suas visitas, quando foi carregado no ombro de brimos e foi motivo de festanças, segundo conta o livro. Temer e Haddad também visitaram os povoados de origem dos pais e foram recebidos com honrarias.

Diogo Bercito diz que, embora Maluf e Temer tenham suas histórias e presenças celebradas, o nome Haddad ressoa no povoado de Ain Ata de uma forma diferente: lá, o avô do petista, o padre greco-ortodoxo Habib al-Haddad, é venerado por um ato considerado heroico. Ele demoveu o Exército colonial francês de bombardear o vilarejo conversando, ao lado de outros anciãos, com o general.

Enquanto traça as trajetórias de nomes célebres no Brasil de origem sírio-libanesa, Bercito tenta também encontrar pistas sobre sua história pessoal: há indícios de que ele é descendente de um parente libanês — assunto que ele detalha no livro, mas não vamos contar na íntegra para não estragar a surpresa.

Isso, segundo ele, talvez esclareça seu interesse "inexplicável" e antigo pela cultura e história árabe, algo que ele diz pretender explorar por toda a vida.

"Vejo essa parte do livro como um apelo: tenho a esperança de que alguém que tenha informações, ou tenha ouvido falar deste meu parente possa entrar em contato", diz o escritor sobre a busca por sua própria história.

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