Brasília – Às vésperas da votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 135/2019, que implanta o voto impresso na urna eletrônica em 2022, marcada para hoje no plenário da Câmara dos Deputados, o presidente Jair Bolsonaro e o Tribunal Superior Eleitoral tiveram novo embate ontem. Pela manhã, o chefe do Executivo admitiu a derrota da proposta e culpou o presidente da corte, Luís Roberto Barroso, mais uma vez. “Se não tiver negociação antes, um acordo, vai ser derrotada a proposta porque o ministro Barroso apavorou alguns parlamentares. E tem parlamentar que deve alguma coisa na Justiça, que deve no Supremo, né. Então, o Barroso apavorou. Ele foi para dentro do Parlamento fazer reuniões com lideranças e praticamente exigindo que o Congresso não aprovasse o voto impresso". No fim da tarde, Barroso fez nova ofensiva contra Bolsonaro e apresentou a segunda notícia-crime ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra Bolsonaro, desta vez, por vazamento de inquérito sigiloso da Polícia Federal sobre invasão de hacker ao sistema do TSE em 2018.
Ao atacar Barroso ontem, Bolsonaro afirmou também que o STF declarou inconstitucional o voto impresso em 2017. "Barroso é um mentiroso, disse que é a volta do voto em papel, mas não é, é apenas a impressão dos votos. É desarmamentista, é trotskista. Ele é tudo o que não interessa ao estado democrático", criticou. A notícia-crime é um pedido de investigação no qual há relato de suposta conduta criminosa. Na semana passada, Bolsonaro divulgou nas redes sociais a íntegra do inquérito da PF que investiga apura suposto ataque ao sistema interno do tribunal. A notícia-crime será analisada no inquérito das fake news, que apura disseminação de conteúdo falso na internet e ameaças a ministros do STF. A investigação está sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes.
Na semana passada, Moraes atendeu a um pedido unânime do TSE e incluiu Bolsonaro entre os investigados no inquérito, ao acatar outra notícia-crime do TSE. A medida foi tomada porque, em 29 de junho, Bolsonaro usou sua live transmitida pela TV Brasil, que é pública, para atacar as urnas eletrônicas e divulgar fake news, já desmentidas por órgãos oficiais. Bolsonaro e o deputado Felipe Barros, que foi relator da comissão especial da Câmara que analisou e rejeitou a proposta de voto impresso, revelaram a invasão por um hacker ao sistema do TSE e que a ação teria levado ao acesso do código fonte das urnas. Eles não revelaram que o acesso ao código fonte não permite a ninguém alterar a votação, inclusive, após a assinatura de um termo de sigilo. O inquérito ainda não foi concluído pela PF.
No pedido enviado ao STF ontem, o TSE ressalta que há potencial de danos à Justiça eleitoral. “Por se tratar de conjunto de informações que deveriam ser de acesso restrito e podem causar danos à Justiça Eleitoral e ao próprio processo democrático de realização e apuração das eleições, solicita-se, ainda, a concessão de medida cautelar criminal com o objetivo de remover as referidas publicações das redes sociais”, afirmou o tribunal, em nota. O TSE avalia que a conduta do presidente e do deputado Filipe Barros pode ser enquadrada no Código Penal que trata como crime “divulgar, sem justa causa, informações sigilosas ou reservadas, assim definidas em lei, contidas ou não nos sistemas de informações ou banco de dados da administração pública”. A punição prevista é de um a quatro anos de prisão.
Para o tribunal, a nova ofensiva do presidente contra o sistema eletrônico de votação pode ter conexão com a atuação da milícia digital investigada no inquérito das fake news. “Isso porque a publicação das informações da Justiça Eleitoral encontra-se igualmente vinculada ao contexto de disseminação de notícias fraudulentas acerca do sistema de votação brasileiro, com o intuito de lesar ou expor a perigo de lesão a independência do Poder Judiciário e o Estado de direito”.
SEM PROVAS
O governo não apresentou ao STF provas de eventual fraude nas eleições de 2014 e 2018, como alega Bolsonaro. O Executivo foi questionado em ação impetrada na Corte pelo partido Rede. Na ação, a Rede solicitou que Bolsonaro e seus assessores sejam impedidos de acusar fraude nas eleições sem que apresentem lastro probatório do que dizem. Em resposta ao Supremo ontem, a Advocacia-Geral da União alega que a proibição de que o presidente acuse fraude no pleito geraria censura e solicita o arquivamento do caso.
A AGU alega que o mandado de segurança "pretende por meio do Poder Judiciário impor uma verdadeira censura ao direito fundamental da livre expressão do pensamento do cidadão Jair Messias Bolsonaro e, com isso, impedir a qualquer custo que discussões sobre a lisura do sistema eleitoral possa ser objeto de debate, muito embora isso já esteja em curso na Câmara dos Deputados (PEC 135/2019)".
O governo alega ainda que a discussão tem grande relevância e o Judiciário não pode sustar o debate em torno do caso. "É dizer, pretende-se impedir uma ampla discussão sobre um dos aspectos mais relevantes de uma república democrática", diz trecho da manifestação da AGU.
Chefe do Executivo admite derrota
Brasília – O presidente Jair Bolsonaro admitiu ontem que a proposta do voto impresso deve ser derrotada na Câmara e pôs a culpa no presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Luís Roberto Barroso. “Se não tiver negociação antes, vai ser derrotada a proposta porque o ministro Barroso apavorou alguns parlamentares”, afirmou. Já o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), disse que conversou com Bolsonaro e recebeu a garantia de que ele respeitará a decisão dos deputados. “Sobre o resultado do plenário, nossa expectativa é de que os poderes acatem com naturalidade e respeitem”, afirmou Lira, durante entrevista à rádio CBN. “O presidente Bolsonaro me garantiu que respeitaria o resultado”, acrescentou. “Temos uma média de 15 ou 16 partidos contrários ao voto impresso. Acho que as chances de aprovação podem ser poucas”, declarou o presidente da Câmara.
Lira disse que a decisão de levar a PEC ao plenário busca pacificar as eleições de 2022, após Bolsonaro afirmar que o pleito não ocorrerá caso o Congresso Nacional não aprove o voto impresso. .
Como se trata de uma PEC, para a mudança ser aprovada, é preciso o apoio de 308 dos 513 deputados em dois turnos de votação e, posteriormente, também em duas rodadas, os votos de 49 dos 81 senadores. A oposição divulgou um cálculo de parlamentares favoráveis e contrários à proposta. Segundo o levantamento, a proposta terá 329 votos contrários hoje, e 86 a favor. Outros 57 estão indecisos ou não responderam. Se a pesquisa se confirmar, o projeto será rejeita por ampla maioria. Arthur Lira se reuniu ontem com deputados da base e decidiu manter a votação.
DESFILE POLÊMICO
Bolsonaro receberá hoje um desfile de blindados e tanques de guerra na Esplanada dos Ministérios. A demonstração ocorre no mesmo dia em que a proposta de voto impressa será votada no plenário da Câmara e é vista como tentativa de demonstração de força do mandatário. Os veículos estacionarão em frente ao Palácio do Planalto, onde Bolsonaro e o ministro da Defesa, Walter Braga Netto, receberão convites para comparecer à “Demonstração Operativa”, que ocorrerá no dia 16, no Campo de Instrução de Formosa. Parlamentares da oposição ao governo consideram desfile intimidação ao Congresso Nacional no dia da decisão do plenário da Câmara dos Deputados sobre a adoção do voto impresso para as eleições do ano que vem. Eles prometeram recorrer ao Supremo Tribunal Federal para impedir o desfile. Bolsonaro tem insistido na mudança com alegação de ocorrência de fraude se a alteração no sistema de votação não for feita.
Apesar de ocorrer todo ano, é a primeira vez em que anunciam que os tanques passarão pelo Centro de Brasília. Os blindados da Marinha realizarão um treinamento em Formosa. Este ano, a operação contará também com a participação do Exército Brasileiro e da Força Aérea Brasileira.
Segundo a Marinha, pela manhã, o comboio com veículos blindados, armamentos e outros meios da Força de Fuzileiros da Esquadra, que partiu do Rio de Janeiro, passará por Brasília a caminho do Campo. A corporação destaca que a Operação Formosa tem o objetivo de assegurar o preparo do Corpo de Fuzileiros Navais como força estratégica, de pronto emprego e de caráter anfíbio e expedicionário, conforme previsto na Estratégia Nacional de Defesa.
A Operação Formosa, que ocorre na semana que vem, envolverá mais de 2,5 mil militares, da Marinha, do Exército e da Força Aérea, que simularão uma operação anfíbia, considerada a mais complexa das ações militares, empregando mais de 150 diferentes meios, entre aeronaves, carros de combate, veículos blindados e anfíbios, de artilharia e lançadores de mísseis e foguetes. Foram transportadas 1,5 mil toneladas de equipamentos do Rio de Janeiro para Brasília, num deslocamento de mais de 1.400 km.
Os partidos Rede e Psol entraram com mandato de segurança no STF para impedir o desfile, por considerá-lo intimidação ao Congresso. O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) anunciou também que entraria com ação popular para barrar o gasto de recursos públicos com o desfile militar na Esplanada. O presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), chamou o desfile de hoje de “trágica coincidência”. Ele afirmou: “Eu encaro isso como trágica coincidência. Não é que eu apoie essa demonstração. Bem verdade, eu procurei informações, essa operação Formosa acontece desde 88. Não é uma coisa inventada, mas também nunca houve desfile na Esplana dos Ministérios que foi parar na frente do Palácio do Planalto. Eu acredito que, com relação à votação da proposta do voto impresso, nós não deveremos ter problemas”.