A cúpula da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da COVID-19, no Senado, ainda quer ouvir o atual ministro da Defesa, general Braga Netto, mas trabalha em ter os votos necessários dentro do grupo majoritário formado por senadores de oposição e independentes ao governo, o chamado G7 (ou G6). O requerimento chegou a ser pautado no primeiro dia de retorno das sessões, em 3 de agosto, mas foi retirado de pauta diante da iminência de derrota.
A oitiva do general é na condição de ex-ministro da Casa Civil, período no qual ele foi coordenador do Comitê de Crise para Supervisão e Monitoramento dos Impactos da COVID-19 - um "gabinete de crise" criado pelo governo para articular e monitorar as ações interministeriais de enfrentamento à pandemia. A ideia é ouvi-lo o quanto antes. Senadores do G7, incluindo a cúpula, querem a conclusão do relatório, a ser entregue por Renan Calheiros (MDB-AL), até meados de setembro.
Antes, a previsão era fim de setembro, o que já era uma antecipação, tendo em vista que a CPI pode funcionar até 5 de novembro. A avaliação geral é de que a CPI já tem provas o suficiente para boa parte dos capítulos. Poucos novos elementos foram levados por depoentes à comissão nas últimas duas semanas, sinal de que é preciso encerrar. Os materiais probatórios que já chegaram (e ainda chegam) à CPI, por outro lado, são significativos para embasar o relatório.
No dia da votação do requerimento de Braga Netto, dois integrantes do G7 estavam contrários ao requerimento: Otto Alencar (PSD-BA) e Tasso Jereissati (PSDB-CE). Na ocasião, os requerimentos foram votados em conjunto, menos o do general. O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), autor do pedido, antes da votação, defendeu a oitiva.
"Em 16 de março de 2020, o então Ministro da Casa Civil, Braga Netto, foi designado como coordenador do comitê de crise de combate à COVID. Esta é a figura que precisa ser convocada para sentar naquela cadeira e explicar por que ele, como coordenador, dotado de todos os poderes necessários, foi incapaz de evitar esse desastre. Ele é referido em vários momentos, ele efetivamente fazia parte direta da cadeia de comando e é indispensável que se faça a sua oitiva", afirmou.
Clima de crise institucional
Há um receio por parte de alguns senadores de ouvi-lo. Além de ser ministro da Defesa, o clima de crise institucional vivido hoje envolve os militares. Braga Netto e os três comandantes das Forças enviaram uma nota oficialmente direcionado ao presidente Omar Aziz (PSD-AM), mas vista como um recado a toda a comissão, depois que o senador afirmou que os bons militares estariam envergonhados com o "lado podre das Forças". A declaração se deu em meio ao surgimento do nome de diversos militares em negociações de vacina contra COVID-19 alvo de suspeitas da CPI.
Vieira, no dia 3 de agosto, quando defendia o requerimento, inclusive afirmou: "Fazendo um registro: não há nenhum tipo de desapreço ou de diminuição das Forças Armadas; é um cidadão que ocupou um cargo militar e que ocupa hoje um cargo civil". O senador Eduardo Braga (MDB-AM), que já integrou o chamado G7, falou em seguida sobre o contexto político brasileiro e pediu para que o requerimento fosse colocado para votação em outra oportunidade.
"Creio que, se for do entendimento da maioria, o General Braga Netto terá que vir aqui num momento em que estejamos prontos para fazer as perguntas e fazer a conclusão sobre o depoimento do General Braga Netto", afirmou.
O senador Otto alencar afirmou que se a matéria fosse para votação, votaria de forma contrária. Ele citou um dos trechos do requerimento, que apresentava dentre as justificativas para ouvi-lo, uma reunião ocorrida em maio, com o presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Barra Torres, e Braga Netto, na qual foi apresentada uma minuta relativa à distribuição da cloroquina no Sistema Único de Saúde (SUS) no combate à COVID-19, o que, na prática, facilitava o acesso ao remédio sem eficácia comprovada no combate à doença, passando "por cima" da bula.
"Eu acho que essa questão do crime sanitário, do que aconteceu, já está com prova suficiente. (...) Quanto a essa questão de convocação do ministro da Defesa a respeito do tema que foi levantado, essa questão de colocar ou não na bula da hidroxicloroquina a indicação para o tratamento da COVID, discutida lá atrás - inclusive, já foi sobejamente levantado isso e nós discutimos em vários momentos essa questão, que é uma questão que, ao meu ver, está superada (...) -, eu respeito muito a posição do Senador Alessandro Vieira, mas me parece que não é o momento de se convocar", afirmou.
Vieira, então, retirou o item de pauta e afirmou que iria reelaborar o requerimento. "Considerando evidentemente que existe uma dúvida por parte dos colegas e uma incompreensão motivada ou não pela fala equivocada de um colega no sentido de que a convocação de Braga Netto se daria apenas por conta do decreto da bula, quando não é verdade. Eu vou pedir a retirada do requerimento e vou fazer a reapresentação dele para deixar mais claro para quem não se deu ao trabalho de analisar", pontuou.
O que é uma CPI?
As comissões parlamentares de inquérito (CPIs) são instrumentos usados por integrantes do Poder Legislativo (vereadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores) para investigar fato determinado de grande relevância ligado à vida econômica, social ou legal do país, de um estado ou de um município. Embora tenham poderes de Justiça e uma série de prerrogativas, comitês do tipo não podem estabelecer condenações a pessoas.
Para ser instalado no Senado Federal, uma CPI precisa do aval de, ao menos, 27 senadores; um terço dos 81 parlamentares. Na Câmara dos Deputados, também é preciso aval de ao menos uma terceira parte dos componentes (171 deputados).
Há a possibilidade de criar comissões parlamentares mistas de inquérito (CPMIs), compostas por senadores e deputados. Nesses casos, é preciso obter assinaturas de um terço dos integrantes das duas casas legislativas que compõem o Congresso Nacional.
O que a CPI da COVID investiga?
Instalada pelo Senado Federal em 27 de abril de 2021, após determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), a CPI da COVID trabalha para apurar possíveis falhas e omissões na atuação do governo federal no combate à pandemia do novo coronavírus. O repasse de recursos a estados e municípios também foi incluído na CPI e está na mira dos parlamentares.
O presidente do colegiado é Omar Aziz (PSD-AM). O alagoano Renan Calheiros (MDB) é o relator. O prazo inicial de trabalho são 90 dias, podendo esse período ser prorrogado por mais 90 dias.
Saiba como funciona uma CPI
Após a coleta de assinaturas, o pedido de CPI é apresentado ao presidente da respectiva casa Legislativa. O grupo é oficialmente criado após a leitura em sessão plenária do requerimento que justifica a abertura de inquérito. Os integrantes da comissão são definidos levando em consideração a proporcionalidade partidária — as legendas ou blocos parlamentares com mais representantes arrebatam mais assentos. As lideranças de cada agremiação são responsáveis por indicar os componentes.
Na primeira reunião do colegiado, os componentes elegem presidente e vice. Cabe ao presidente a tarefa de escolher o relator da CPI. O ocupante do posto é responsável por conduzir as investigações e apresentar o cronograma de trabalho. Ele precisa escrever o relatório final do inquérito, contendo as conclusões obtidas ao longo dos trabalhos.
Em determinados casos, o texto pode ter recomendações para evitar que as ilicitudes apuradas não voltem a ocorrer, como projetos de lei. O documento deve ser encaminhado a órgãos como o Ministério Público e a Advocacia-Geral da União (AGE), na esfera federal.
Conforme as investigações avançam, o relator começa a aprimorar a linha de investigação a ser seguida. No Congresso, sub-relatores podem ser designados para agilizar o processo.
As CPIs precisam terminar em prazo pré-fixado, embora possam ser prorrogadas por mais um período, se houver aval de parte dos parlamentares
O que a CPI pode fazer?
- chamar testemunhas para oitivas, com o compromisso de dizer a verdade
- convocar suspeitos para prestar depoimentos (há direito ao silêncio)
- executar prisões em caso de flagrante
- solicitar documentos e informações a órgãos ligados à administração pública
- convocar autoridades, como ministros de Estado — ou secretários, no caso de CPIs estaduais — para depor
- ir a qualquer ponto do país — ou do estado, no caso de CPIs criadas por assembleias legislativas — para audiências e diligências
- quebrar sigilos fiscais, bancários e de dados se houver fundamentação
- solicitar a colaboração de servidores de outros poderes
- elaborar relatório final contendo conclusões obtidas pela investigação e recomendações para evitar novas ocorrências como a apurada
- pedir buscas e apreensões (exceto a domicílios)
- solicitar o indiciamento de envolvidos nos casos apurados
O que a CPI não pode fazer?
Embora tenham poderes de Justiça, as CPIs não podem:
- julgar ou punir investigados
- autorizar grampos telefônicos
- solicitar prisões preventivas ou outras medidas cautelares
- declarar a indisponibilidade de bens
- autorizar buscas e apreensões em domicílios
- impedir que advogados de depoentes compareçam às oitivas e acessem
- documentos relativos à CPI
- determinar a apreensão de passaportes
A história das CPIs no Brasil
A primeira Constituição Federal a prever a possibilidade de CPI foi editada em 1934, mas dava tal prerrogativa apenas à Câmara dos Deputados. Treze anos depois, o Senado também passou a poder instaurar investigações. Em 1967, as CPMIs passaram a ser previstas.
Segundo a Câmara dos Deputados, a primeira CPI instalada pelo Legislativo federal brasileiro começou a funcionar em 1935, para investigar as condições de vida dos trabalhadores do campo e das cidades. No Senado, comitê similar foi criado em 1952, quando a preocupação era a situação da indústria de comércio e cimento.
As CPIs ganharam estofo e passaram a ser recorrentes a partir de 1988, quando nova Constituição foi redigida. O texto máximo da nação passou a atribuir poderes de Justiça a grupos investigativos formados por parlamentares.
CPIs famosas no Brasil
1975: CPI do Mobral (Senado) - investigar a atuação do sistema de alfabetização adotado pelo governo militar
1992: CPMI do Esquema PC Farias - culminou no impeachment de Fernando Collor
1992: CPMI do Esquema PC Farias - culminou no impeachment de Fernando Collor
1993: CPI dos Anões do Orçamento (Câmara) - apurou desvios do Orçamento da União
2000: CPIs do Futebol - (Senado e Câmara, separadamente) - relações entre CBF, clubes e patrocinadores
2001: CPI do Preço do Leite (Assembleia de MG e outros Legislativos estaduais, separadamente) - apurar os valores cobrados pelo produto e as diretrizes para a formulação dos valores
2005: CPMI dos Correios - investigar denúncias de corrupção na empresa estatal
2005: CPMI do Mensalão - apurar possíveis vantagens recebidas por parlamentares para votar a favor de projetos do governo
2006: CPI dos Bingos (Câmara) - apurar o uso de casas de jogo do bicho para crimes como lavagem de dinheiro
2006: CPI dos Sanguessugas (Câmara) - apurou possível desvio de verbas destinadas à Saúde
2015: CPI da Petrobras (Senado) - apurar possível corrupção na estatal de petróleo
2015: Nova CPI do Futebol (Senado) - Investigar a CBF e o comitê organizador da Copa do Mundo de 2014
2019: CPMI das Fake News - disseminação de notícias falsas na disputa eleitoral de 2018
2019: CPI de Brumadinho (Assembleia de MG) - apurar as responsabilidades pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão