Na decisão, Moraes afirma que uma série de elementos colocariam Jefferson como parte do núcleo político de uma organização criminosa que tem como objetivo "desestabilizar as instituições republicanas" e que vem sendo investigada pela Polícia Federal (PF) no chamado inquérito das "milícias digitais".
Nesse sentido, a petição da PF que solicitou a prisão elenca uma série de entrevistas e postagens de Jefferson que "incitaram a prática de crimes" e "ofenderam a dignidade e o decoro de ministros do STF, senadores e integrantes de CPI da Covid-19".
"Se sou ele (Bolsonaro), já teria fechado o Supremo", disse Jefferson, por exemplo, em entrevista à rádio Jovem Pan, no final de julho.
Simpatizantes do ex-deputado reagiram nas redes sociais defendendo que suas falas são protegidas pela liberdade de expressão e classificando a decisão de Moraes de abusiva e autoritária.
Juristas ouvidos pela BBC News Brasil se dividem sobre a legalidade da prisão. Eles consideram que as manifestações de Jefferson podem sim configurar graves crimes, mas há controvérsia sobre se o ministro fundamentou adequadamente a necessidade da prisão preventiva - detenção que pode ser decretada mesmo antes de um processo criminal, caso o investigado esteja ameaçando a ordem pública, atrapalhando investigações ou tentando fugir.
Outro ponto que divide os especialistas é o fato de a prisão ter sido decretada sem pedido prévio da Procuradoria-Geral da República (PGR). Entenda a seguir os argumentos a favor e contra a prisão.
1) Fundamentação da prisão preventiva
Para uma pessoa ser detida antes de ser condenada em um processo criminal, o juiz deve apresentar elementos que justifiquem a prisão preventiva.
Em sua decisão, Moraes diz que a prisão de Jefferson é necessária para garantir a ordem pública e o adequado andamento da investigação devido aos "fortes indícios de materialidade e autoria" de crimes previstos no Código Penal, como calúnia, difamação, injúria, incitação ao crime, apologia ao crime ou criminoso, associação criminosa e denunciação caluniosa.
Ele cita ainda possíveis delitos previstos na Lei de Segurança Nacional, como "rentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito", e também o potencial desrespeito à lei que prevê crimes de preconceito e racismo, como o ato de "praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional".
Porém, na avaliação do professor de direito processual penal da Universidade de São Paulo (USP) Gustavo Badaró, o ministro não explicou na sua decisão por que a realização desses crimes justificaria a prisão preventiva.
"Acho que está mal fundamentada. Embora ao longo da decisão haja clara referência à reiteração de condutas que possam constituir crimes - e crimes graves - na parte em que fundamenta a necessidade da prisão, limita-se a indicar quais crimes seriam estes. O STF tem aceito a prisão preventiva para a garantia da ordem pública, com a finalidade de evitar a reiteração delitiva (repetição dos crimes), o que poderia ter sido invocado nesse caso, mas não o foi", disse à BBC News Brasil.
"As afirmações do Roberto Jefferson são horríveis, repugnantes, irresponsáveis e inadmissíveis, mas o devido processo legal tem que valer para todos, culpados ou inocentes, amigos ou inimigos. Senão, será a força bruta", argumentou ainda.
Já o professor de direito penal da FGV Davi Tangerino considera que, ainda que a fundamentação da prisão preventiva tenha sido limitada, há elementos suficientes na decisão para justificar a detenção.
"Fundamento (para prendê-lo) há sim. Os fatos mostram indícios mais do que suficientes de crimes graves. Penso que o porquê de prender preventivamente deveria ter sido mais explicitado: concretamente, qual o risco de mantê-lo em liberdade? Mas, como um todo, a decisão para em pé", argumentou Tangerino.
2) Ausência da PGR
Assim como o inquérito das Fake News, a investigação que apura a atuação de "milícias digitais" é alvo de controvérsia jurídica por ter sido iniciada em decisão direta do STF, sem que fosse solicitada pelo procurador-geral da República, Augusto Aras - ou seja, sem a participação do Ministério Público, que é a instituição responsável por investigar e denunciar criminalmente no país, segundo a Constituição Federal.
No entanto, julgamento do STF de junho de 2020 considerou o inquérito das Fake News legal, abrindo precedente para essa outra investigação.
A avaliação foi que o Supremo pode abrir inquérito quando ataques criminosos são cometidos contra a própria Corte e seus membros, representando ameaças contra os Poderes instituídos, o Estado de Direito e a democracia.
No caso da prisão de Jefferson, o pedido partiu da PF e Moraes chegou a consultar a opinião da PGR, dando 24 horas para Aras se posicionar.
O procurador-geral, porém, só se manifestou depois do prazo, quando a prisão já havia sido decretada. Segundo nota divulgada pela PGR, seu entendimento foi "que a prisão representaria uma censura prévia à liberdade de expressão, o que é vedado pela Constituição Federal".
"Em respeito ao sigilo legal, não serão disponibilizados detalhes do parecer, que foi contrário à medida cautelar, a qual atinge pessoa sem prerrogativa de foro junto aos tribunais superiores", disse ainda a nota, em uma crítica ao fato de Jefferson estar sendo investigado no STF, e não na primeira instância judicial, como ocorre com as pessoas sem foro especial.
Na avaliação de Davi Tangerino, o fato de Jefferson ter praticado condutas contra o STF permite a Moraes decretar a prisão, mesmo sem ele ter foro privilegiado, seguindo o precedente do inquérito das Fake News.
Ele considera a prisão legal porque não partiu exclusivamente de Moraes, mas foi decretada após solicitação da Polícia Federal.
"Houve pedido da PF. Mais complicado, em tese, teria sido se a PGR tivesse se oposto, antes da prisão", avalia o professor.
O professor da USP Gustavo Badaró, por sua vez, considera que a atuação da PGR seria indispensável para a legalidade da prisão. Ele ressalta que o artigo 282 do Código de Processo Penal estabelece que, na fase de investigação, o juiz não pode decretar a prisão de ofício, ou seja, sem um requerimento prévio.
"Embora algumas pessoas entendam que a mera representação da autoridade policial equivale a esse requerimento, a mim não aparece. Justamente por isso é que depois que a autoridade representa vai para o Ministério Público (se manifestar). E o Ministério Público pode concordar ou não com aquela representação", afirma.
Para Badaró, a decisão de Moraes reflete o que tem sido entendido como uma postura omissa de Aras na função de investigar crimes cometidos por Bolsonaro e seus aliados. O procurador-geral da República é visto hoje por boa parte do meio jurídico como um aliado do presidente.
"A Justiça Criminal é uma disputa de poder, não aceita vácuo. Se o PGR não atua, o STF vai atuar de ofício. Mas daí não vale a lógica de que um erro justifica o outro", diz Badaró.
"Até porque o problema de o juiz não poder decretar medida de ofício sem requerimento do órgão acusador é exatamente preservar a imparcialidade, para não colocá-lo numa posição de antecipar uma visão punitiva, quando o papel do juiz não é ser punitivista nem defensor, o papel dele é ser julgador", reforça.
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