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Estado de Minas entrevista/Paulo Brant/Vice-governador de Minas

Paulo Brant: 'Precisamos de um Estado forte, republicano e eficiente'

"O sistema de mercado é bom, temos que privilegiar o investimento privado, mas o Estado é fundamental. Sou francamente contra o Estado mínimo"


23/08/2021 04:00 - atualizado 22/08/2021 22:18

(foto: Ramon Lisboa/EM/D.A Press)

Ferrenho defensor de uma conjunção entre mercado livre e Estado forte, o vice-governador de Minas Gerais, Paulo Brant, está de volta ao PSDB. Na semana passada, oficializou o retorno ao partido de onde saiu em 2015. Desde março do ano passado, quando deixou o Novo, estava sem legenda. Agora, para deixar o que chama de “limbo político”, decidiu retomar as conexões partidárias. E, para empunhar a bandeira do apoio ao empreendedorismo em paralelo à redução das desigualdades, escolheu a social-democracia tucana. “Praticamente 1/4 da população de Minas vive abaixo da linha da pobreza. Não vai ser com o neoliberalismo que vamos resolver”, diz Brant, em entrevista ao Estado de Minas. “A visão hegemônica de que ‘meu partido é dono do governo’ gerou certo distanciamento”, sustenta, ao tratar da relação da antiga sigla com deputados estaduais.

As divergências com a sigla de Romeu Zema atingiram o ápice em meio ao debate sobre o reajuste no salário das forças de segurança, que precisava de aval do Legislativo. Brant participou das negociações com o setor e sustentava que as diretrizes do Novo não podiam se sobrepor aos interesses do governo. “À época, disse que havíamos negociado por um ano e precisávamos defender o projeto. Surgiu um ruído de que à época fui contra o reajuste, mas foi exatamente o contrário. Dizia que, entre o partido e o governo, sou do governo”. Ainda sem futuro político definido, o vice-governador recusou convite do PDT antes de voltar ao PSDB. Agora, participará dos debates internos que vão definir os rumos da agremiação em solo mineiro.


O que levou o senhor a, em março do ano passado, deixar o Novo?

Tenho grande admiração pelo governador e pelas pessoas do Novo, sérias e do bem. Me considero liberal, definição que hoje está muito confusa. As pessoas acham que liberal é aquele que acha que o mercado resolve tudo, o neoliberal, e não sou. Sou liberal no sentido profundo do termo: alguém que ama a minha liberdade e a liberdade de todos. Criar um ambiente amigável para os pequenos, médios e grandes investidores é uma doutrina que gosto, mas tinha algumas divergências com o Novo. Uma, em relação à ideologia: o sistema de mercado é bom, temos que privilegiar o investimento privado, mas o Estado é fundamental. Sou francamente contra o Estado mínimo, principalmente em um país como o Brasil, com a sociedade com o grau de desigualdade que tem. Precisamos de um Estado forte, republicano, transparente e eficiente. Mas tem que ser um Estado com protagonismo. Também (houve divergência) na forma de conduzir a política. Nunca fui político de participar da vida partidária, mas sempre acreditei na política como espaço onde as ideias diferentes convergem buscando consenso. Durante um ano, negociamos com todos os sindicatos e entidades da área de segurança para construir aquela proposta (de reajuste) enviada à Assembleia. E, quando chegou ao Legislativo, o Novo começou a criticar o governo e a fazer um movimento para que o projeto fosse vetado. À época, disse que havíamos negociado por um ano e precisávamos defender o projeto. Saí do partido exatamente por isso. Surgiu um ruído de que à época fui contra o reajuste, mas foi exatamente o contrário. Dizia que, entre o partido e o governo, sou do governo.

Por que, depois de um ano e meio sem filiação partidária, retornou ao PSDB?

Fiquei sem partido, mas continuei a ajudar o governo, que é de gente séria, decente e correto. Muito do que o governo faz, eu concordo; se não, sairia. Política se faz com partidos, e eu estava fora. Estava, de certa forma, um pouco no limbo político. Achei que, dada a grave situação do país, não podia me omitir. Pelo menos enquanto durar o mandato, tenho que entrar no jogo da política. Escolhi o PSDB basicamente por conta da visão que a legenda tem, que acho mais moderna, da social-democracia. Não uma social-democracia europeia, mas contemporânea e adaptada ao Brasil. É uma doutrina que preza muito pelo empreendedor, investimento privado e criatividade, junto a medidas do governo para colaborar na redução de desigualdades e melhorar a igualdade de oportunidade. Praticamente 1/4 da população de MG vive abaixo da linha da pobreza. Não vai ser com o neoliberalismo que vamos resolver. Queremos uma economia privada pujante, que MG receba investimentos privados e que micro, pequenos e médios empresários progridam. Isso é necessário, mas não suficiente para combater a pobreza.

O senhor sente que ficou deslocado das decisões do governo após deixar o Novo?

Do ponto de vista das discussões políticas, eu mesmo me afastei. Como havia uma divergência de fundo quanto à concepção do relacionamento com o Legislativo, me afastei. Mas em algumas áreas, continuei trabalhando e tendo excelente relacionamento com secretários e dirigentes de órgãos, especialmente no Desenvolvimento Econômico, na atração de investimentos, na Cultura, no Meio Ambiente e na Agricultura.

O governo Zema tem acumulado atritos junto a deputados estaduais. O que fez a relação com o Legislativo se deteriorar tanto?

O principal é uma característica do Novo que acho que algumas pessoas do partido já reconhecem. É o que alguns cientistas políticos chamam de partido hegemonista, ideia de que a sigla é a dona do governo. O episódio do reajuste do setor de segurança refletiu isso: o governo decidiu fazer um acordo com as forças de segurança, e o partido falou ‘não’. E prevaleceu a opinião do partido. Isso é um equívoco grande: o partido é uma instituição da sociedade civil, que pode ganhar ou perder a eleição. Mas, uma vez governo, tem que criar um arco de alianças com outros segmentos. A visão hegemônica de que ‘meu partido é dono do governo’ gerou certo distanciamento. O coração do governo só é acessível aos membros do Novo. Isso, na política, é o pecado original. O Novo tem dois deputados. Em uma Assembleia com 77, para conseguir maioria, é preciso 38, que têm que participar do governo. Eles foram eleitos. Era uma relação respeitosa, amigável, de certo ponto, mas com certo distanciamento. Isso gerou uma série de problemas. Há uma outra coisa que acho ruim: a reeleição, e sou filosoficamente contra, Não sou contra a reeleição do Zema, que faz bom governo e tem todo o direito de se candidatar. Mas acho que as reeleições fazem mal ao país. O governante com essa perspectiva, inconscientemente, tem um incentivo ruim. O que só vai gerar efeitos a longo prazo, com algum desgaste político, tende a ser colocado de lado. Quando falo de (consequências da) reeleição, é basicamente do Executivo, que tem o comando da máquina pública. A reeleição do parlamentar é razoável, e eles vão ganhando maturidade.

Ao se filiar ao PSDB, o senhor disse não ter a menor ideia do cargo a que vai concorrer em 2022. Sua nova legenda tem a liderança de governo na ALMG. Pensa em continuar como vice para 2022?

A democracia é feita de partidos, e como estou dentro de um, vou colocar minhas ideias nas discussões do PSDB. É um governo bom, que organizou as finanças e tem feito muitas coisas corretas. O daqui para frente depende. Para os próximos anos, o contexto é diferente. A relação do governo do estado com o governo federal vai ter que ser definida. Defendo enfaticamente a construção de uma alternativa a Lula e Bolsonaro: além da questão ideológica, acho que essas lideranças populistas estão desagregando a sociedade. O futuro governo brasileiro tem que gerar paz e coesão social e buscar construir consensos. Quem tem que dialogar com o Novo é o PSDB. Tenho que colocar minhas ideias, mas acho que o PSDB vai considerar a questão nacional e, obviamente, vai querer que em uma eventual aliança, as ideias do Novo sejam levadas em conta. E o PSDB tem a ideia da social-democracia, que é a defesa da economia de mercado e um Estado amigo do empreendedor, mas que não descure da gravíssima questão da desigualdade. Evidentemente, tenho que seguir o consenso e a maioria formada no PSDB.

Seu partido tem nomes como João Doria (SP) e Eduardo Leite (RS). O PSD tenta atrair Rodrigo Pacheco, enquanto Mandetta tenta se viabilizar no DEM. Não há temor por pulverização do centro? É possível evitar uma profusão de candidaturas?

Em um primeiro momento, a pulverização é boa, desde que haja convergência em um segundo momento. O fato de o PSDB ter prévias e, em princípio, ter três ou quatro candidatos, é bom. De certa forma, manifesta uma força do partido. Duas coisas serão fundamentais: que o processo das prévias seja respeitoso e republicano, para não gerar desgastes. E, escolhido o candidato do PSDB, que o partido não entre na discussão impondo esse nome, e a gente faça a escolha da melhor alternativa. (Há) o movimento do (Gilberto) Kassab, Rodrigo Pacheco é um bom nome. A construção tem que ser feita com um pouco de humildade.

Em algum momento do governo, houve choque entre as suas ideias e o pensamento essencialmente liberal de integrantes do Executivo, que estão no Novo?

Em alguns momentos, sim, mas felizmente foi uma divergência que se deu em campo muito respeitoso. Um exemplo: no início do governo, houve grande enxugamento de secretarias, e uma proposta que praticamente acabaria com a Secretaria de Cultura, que estaria vinculada à Educação. Há até alguma lógica teórica, mas a Educação tem trabalho tão gigantesco de gerir toda a rede, que a Cultura sumiria. (Houve), algumas vezes, discussões em relação ao papel do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG) e (sobre) Ciência e Tecnologia. São espaços que entendo que, se o governo não atuar, o setor privado não vai fazer. O governo tem que ter protagonismo em algumas atividades, na infraestrutura e na Ciência e Tecnologia. Quem faz Ciência são as universidades, os centros de pesquisa e as empresas, mas o governo tem papel de gerar conexões e inspirar. O governo não pode se omitir e falar “vou cuidar de Saúde e Educação. O resto, é o setor privado”. Seria o caos. Precisamos de governo e, hoje, os governos no Brasil não são fortes, mas grandes, obesos. É preciso um governo forte, flexível, com gente qualificada e bem remunerada.

O senhor disse que a relação com o governador continua intacta e, inclusive, afirmou que, após contar sobre a decisão de voltar ao PSDB, conversaram por muito tempo. Com que frequência ocorrem esses bate-papos? Quais os problemas do estado mais discutidos?

A frequência já foi maior. Hoje, é mais ou menos, uma vez por mês ou a cada 20 dias. São conversas entre nós dois, que giram em torno de assuntos da ordem do dia e da política nacional. O governador — e é o estilo dele — não tem muito apetite pela discussão política. Ele reconhece que hoje é político, mas não é um assunto que o entusiasma. Conversamos sobre possibilidades e sobre o Novo e as divergências internas. É um partido ainda pequeno, de pessoas muito bem-intencionadas, mas que não estão conseguindo gerar uma harmonia e, internamente, produzir um consenso. Divergências sempre existirão, e ainda bem. Temos a liberdade de expressar pensamentos. O Novo está tendo grande dificuldade, talvez por imaturidade — é um partido muito jovem —, de passar por cima das divergências de ideias e construir consenso. Se formos enfatizar as diferenças, não vamos chegar ao consenso. Zema é uma pessoa que convido para frequentar minha casa. É de bem, honrado, decente e bem-intencionado. São histórias de vida diferentes, e isso não é ruim. Temos que gostar, e não agredir, a diferença. Pessoas livres, diferentes, que se expressam, podem dialogar e construir projetos de país. Essa é a arte da política, e estamos exercendo pouco no Brasil. Estamos brigando demais.

Com Kalil e Zema monopolizando os espaços, há espaço para uma 3° via em MG?

Em tese, sim. Hoje, claramente, estão duas candidaturas fortes colocadas. O governo é muito bem avaliado, e o governador Zema também. Kalil é um prefeito muito bem avaliado e BH tem peso enorme, não só pelo tamanho do eleitorado, como pela capacidade de formar opinião. Hoje, em toda pergunta de política e Economia, só há uma resposta: depende. É muita incerteza. A evolução do quadro nacional pode, de certa forma, influenciar o movimento. Às vezes, subestimamos nossa importância, mas MG é o segundo colégio eleitoral e é muito grande em peso político e simbólico. Qualquer candidatura nacional vai querer ter um reflexo na eleição estadual. É um jogo muito complexo.

Como o senhor avalia a gestão do presidente Jair Bolsonaro? O que explica a alta rejeição?

No governo, há alguns bolsões de bons trabalhos, (como) o da ministra da Agricultura (Tereza Cristina) e o das Minas e Energia (Bento Albuquerque). Mas a liderança de Bolsonaro é absolutamente inadequada, pois contribui para separar, dividir e gerar guerra. É uma liderança que insufla a divergência e a briga entre as pessoas. Em alguns ambientes que vou, onde há prevalência de pessoas que gostam do presidente, tenho a impressão de que estamos em vias de ser invadidos pelos comunistas. Essa visão de que todo mundo que não é Bolsonaro é comunista. Não é assim. É uma visão da Guerra Fria. A liderança que divide é nociva, tóxica e envenena a sociedade. Não vou brigar com alguém por ser (a favor) de Bolsonaro ou de Lula. Respeito e penso diferente. Se não, vira uma sociedade ingovernável. O grande defeito de Bolsonaro é a incapacidade de gerar convergência e ambiente pacífico. A economia não opera no vazio. Quanto mais sectária a sociedade, mais problema terá a economia. A economia não é aquela coisa teórica que os neoliberais pensam.





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