Funcionário da empresa VTC Operadora Logística (VTCLog) por mais de 20 anos, o motoboy Marcio Queiroz de Morais confirmou ao Estadão que sacou milhares de reais em espécie para a companhia. O nome do ex-empregado consta de um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) em posse da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da COVID-19, no Senado, que investiga a empresa.
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'Não somos três poderes, somos dois', diz BolsonaroBolsonaro diz que há três alternativas: 'ser preso, morto ou ter a vitória'"Omissões estão bem provadas", diz senador Humberto CostaCPI busca entender saque e fiança milionários envolvendo contratos da SaúdeTrump enviará filho a conferência conservadora no BrasilO relatório do Coaf em poder da CPI mostra que Morais fez, num período de apenas dois meses saques em dinheiro vivo num total de R$ 450 mil. As retiradas ocorreram entre janeiro e fevereiro de 2018, mesmo ano em que a VTCLog fechou contrato com o Ministério da Saúde para assumir a logística de armazenamento e distribuição de medicamentos e vacinas comprados pela pasta. Atualmente, a empresa é responsável, por exemplo, pelo transporte da vacina contra a COVID-19.
Morais contou que trabalhou para a VTCLog por mais de 20 anos, até "2017, 2018". Sacava os valores em uma agência bancária no Aeroporto Internacional de Brasília e em outra, do Bradesco, no Setor Comercial, e levava o dinheiro vivo para o setor financeiro da empresa.
O relatório do Coaf aponta que saques de altos valores em espécie faziam parte da rotina da VTCLog. Entre 2018 e julho de 2021, R$ 4,793 milhões foram sacados em espécie de agências bancárias em Brasília.
Saque em dinheiro não é proibido no Brasil, mas existem iniciativas para coibir a prática, muitas vezes utilizada para lavagem de dinheiro. A Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, por exemplo, acaba de aprovar um projeto que proíbe transações com dinheiro em espécie em quatro formas distintas: operações acima de R$ 10 mil, pagamento de boletos acima de R$ 5 mil reais; circulação acima de R$ 100 mil (ressalvado o transporte por empresas de valores), e posse acima de R$ 300 mil, salvo em situações específicas.
O texto foi formulado com base nas Novas Medidas contra a Corrupção, elaboradas pela Transparência Internacional Brasil com a participação de mais de 200 especialistas e de representantes de diferentes setores da sociedade civil. Segundo a Agência Senado, na justificativa do projeto, o senador Flávio Arns (Podemos-PR) explica que o trânsito de dinheiro em espécie "facilita a lavagem de recursos em atividades de corrupção, facilita a sonegação fiscal e, ademais, oportuniza a prática de crimes, como assaltos a bancos, arrombamentos de caixas eletrônicos, entre outros".
Além de Morais, outro motoboy também fazia saques em espécie para a empresa. Na quarta-feira, 25, o Jornal de Brasília publicou reportagem na qual Ivanildo Gonçalves da Silva também confirma ter transportado milhões para a VTCLog. Silva será ouvido pela CPI da Covid. Procurado, ele não quis se manifestar.
Em seu requerimento, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) afirma que Silva "é responsável por nada menos do que 5% de toda movimentação atípica feita pela VTClog". Após a publicação da reportagem no Estadão, o senador disse que também vai convocar Morais para prestar depoimento. "Nós estamos vendo indícios de uma grande operação financeira em dinheiro vivo. É algo atípico. Há características de pagamento de propina", afirmou Randolfe.
DNA
A VTCLog pertence ao grupo Voetur e entrou na mira da CPI da Covid por suspeita de irregularidades em um aditivo de R$ 18 milhões em um contrato atual com o Ministério da Saúde. A empresa é a encarregada do transporte de medicamentos e também a atual responsável pela distribuição de vacinas no Programa Nacional de Imunizações (PNI).Em outros contratos, assinados em 1997 e 2003 com o Ministério da Saúde, a Voetur é suspeita de superfaturar R$ 16 milhões (em valores corrigidos). Conforme revelou o Estadão, o prejuízo foi indicado em parecer da área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU).
O grupo Voetur foi criado nos anos 1990 pelo empresário Carlos Alberto de Sá. O nome do empresário também consta do relatório do Coaf, como o responsável por pedidos de provisionamento de saques.
VTCLog afirma que 'inexistem irregularidades' em transação
A quebra dos sigilos fiscais e telemáticos (de mensagens) da VTCLog foi pedida por Randolfe e Alessandro Vieira (CIdadania-SE). Atendendo ao pedido da comissão, estes dados chegaram à CPI no dia 12 de agosto - no pedido, Randolfe solicitou informações retroativas ao começo de 2020, enquanto Vieira pediu dados telefônicos e telemáticos desde abril de 2020, e informações financeiras e fiscais desde 2018.
Ao mesmo tempo, Humberto Costa (PT-PE) solicitou ao Coaf informações sobre relatórios envolvendo a empresa a partir de janeiro de 2018. Todos estes requerimentos foram aprovados.
Ao pedir a quebra de sigilo, Vieira mencionou o fato de que a VTCLog tem "histórico de contratos com a administração pública, e já protagonizou investigações por superfaturamento e suspeitas de corrupção". Segundo Vieira, a empresa é suspeita de ligações com Roberto Dias, o ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde envolvido nas negociações para a compra da vacina indiana Covaxin.
A mesma opinião foi expressa por Randolfe Rodrigues no requerimento. "Considerando que esta comissão parlamentar de inquérito está apurando graves denúncias envolvendo o Departamento de Logística do Ministério da Saúde e o então Diretor Roberto Dias, é importante aprofundar as informações que o conectam aos sócios da VTCLog", escreveu Randolfe.
Em nota ao Estadão, a empresa disse que toda sua movimentação bancária está escriturada em registros contábeis, "inexistindo quaisquer irregularidades". E ressaltou que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli atendeu a seu pedido para delimitar o período da quebra dos sigilos de março de 2020 em diante. Toffoli também determinou que a CPI apenas analise os dados em sessão reservada. Foi a primeira decisão do STF nesse sentido envolvendo a comissão.
"A empresa reitera que a origem das suas receitas são comprovadamente lícitas, decorrentes de serviços efetivamente prestados, citando como exemplo que é responsável pela distribuição de todas as vacinas fornecidas pelo Governo Federal", informou em nota. A VTCLog também informou que tomará "as medidas judiciais cabíveis quanto aos vazamentos ilegais e criminosos dos seus dados protegidos por sigilo".
Histórico
Até 2018, a logística de materiais como vacinas e medicamentos era feita no Ministério da Saúde por um órgão da própria pasta, a Central Nacional de Armazenagem e Distribuição de Imunobiológicos (Cenadi), que tinha contratos com várias empresas terceirizadas, entre elas a própria VTCLog. O galpão principal ficava no Rio de Janeiro.
Sob a justificativa de redução de gastos, o então ministro, o deputado Ricardo Barros (PP-PR), decidiu desmobilizar a Cenadi e promover uma licitação para concentrar em uma única empresa a logística do Ministério da Saúde. A primeira colocada acabou inabilitada, e a VTCLog assumiu o contrato com o Ministério da Saúde em março de 2018, no valor de R$ 97 milhões. O contrato é válido até 2023. O deputado também é alvo da CPI da Covid.
Na época, a VTCLog disse não ter qualquer relação com o ex-ministro. "Informamos que os contratos da empresa com o poder público são e sempre foram objetos de processos licitatórios devidamente fiscalizados pelos órgãos de controle", afirmou a empresa.