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Estado de Minas POLÍTICA

Motoboy diz ter feito saques para empresa na mira da CPI da COVID

Marcio Queiroz de Morais, que prestava serviço para a VTLog, relatou transporte de grandes quantias em dinheiro; empresa tem contrato com a Saúde investigado


28/08/2021 17:20 - atualizado 28/08/2021 18:02

CPI da COVID-19 investiga VTCLog, que tem contrato para armazenar e distribuir insumos de saúde, como vacinas(foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado)
CPI da COVID-19 investiga VTCLog, que tem contrato para armazenar e distribuir insumos de saúde, como vacinas (foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado)
Funcionário da empresa VTC Operadora Logística (VTCLog) por mais de 20 anos, o motoboy Marcio Queiroz de Morais confirmou ao Estadão que sacou milhares de reais em espécie para a companhia. O nome do ex-empregado consta de um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) em posse da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da COVID-19, no Senado, que investiga a empresa.

"Eu já saí de lá, não trabalho mais lá. Eu sacava e levava o dinheiro, só isso. Era motoboy", afirmou Morais em conversa por telefone. Ele disse que nunca entregou dinheiro fora da rota bancos-sede da empresa. E contou detalhes do trabalho, com os percursos feitos de moto. "(O dinheiro era guardado) na mochila. 100 (mil reais), 50 (mil). Chegou até 200 mil", revelou. Quem recebia os valores? "De lá (da empresa), eu não sei para quem levava, não, entendeu?", afirmou.

O relatório do Coaf em poder da CPI mostra que Morais fez, num período de apenas dois meses saques em dinheiro vivo num total de R$ 450 mil. As retiradas ocorreram entre janeiro e fevereiro de 2018, mesmo ano em que a VTCLog fechou contrato com o Ministério da Saúde para assumir a logística de armazenamento e distribuição de medicamentos e vacinas comprados pela pasta. Atualmente, a empresa é responsável, por exemplo, pelo transporte da vacina contra a COVID-19.

Morais contou que trabalhou para a VTCLog por mais de 20 anos, até "2017, 2018". Sacava os valores em uma agência bancária no Aeroporto Internacional de Brasília e em outra, do Bradesco, no Setor Comercial, e levava o dinheiro vivo para o setor financeiro da empresa.

O relatório do Coaf aponta que saques de altos valores em espécie faziam parte da rotina da VTCLog. Entre 2018 e julho de 2021, R$ 4,793 milhões foram sacados em espécie de agências bancárias em Brasília.

Saque em dinheiro não é proibido no Brasil, mas existem iniciativas para coibir a prática, muitas vezes utilizada para lavagem de dinheiro. A Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, por exemplo, acaba de aprovar um projeto que proíbe transações com dinheiro em espécie em quatro formas distintas: operações acima de R$ 10 mil, pagamento de boletos acima de R$ 5 mil reais; circulação acima de R$ 100 mil (ressalvado o transporte por empresas de valores), e posse acima de R$ 300 mil, salvo em situações específicas.

O texto foi formulado com base nas Novas Medidas contra a Corrupção, elaboradas pela Transparência Internacional Brasil com a participação de mais de 200 especialistas e de representantes de diferentes setores da sociedade civil. Segundo a Agência Senado, na justificativa do projeto, o senador Flávio Arns (Podemos-PR) explica que o trânsito de dinheiro em espécie "facilita a lavagem de recursos em atividades de corrupção, facilita a sonegação fiscal e, ademais, oportuniza a prática de crimes, como assaltos a bancos, arrombamentos de caixas eletrônicos, entre outros".

Além de Morais, outro motoboy também fazia saques em espécie para a empresa. Na quarta-feira, 25, o Jornal de Brasília publicou reportagem na qual Ivanildo Gonçalves da Silva também confirma ter transportado milhões para a VTCLog. Silva será ouvido pela CPI da Covid. Procurado, ele não quis se manifestar.

Em seu requerimento, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) afirma que Silva "é responsável por nada menos do que 5% de toda movimentação atípica feita pela VTClog". Após a publicação da reportagem no Estadão, o senador disse que também vai convocar Morais para prestar depoimento. "Nós estamos vendo indícios de uma grande operação financeira em dinheiro vivo. É algo atípico. Há características de pagamento de propina", afirmou Randolfe.

DNA

A VTCLog pertence ao grupo Voetur e entrou na mira da CPI da Covid por suspeita de irregularidades em um aditivo de R$ 18 milhões em um contrato atual com o Ministério da Saúde. A empresa é a encarregada do transporte de medicamentos e também a atual responsável pela distribuição de vacinas no Programa Nacional de Imunizações (PNI).

Em outros contratos, assinados em 1997 e 2003 com o Ministério da Saúde, a Voetur é suspeita de superfaturar R$ 16 milhões (em valores corrigidos). Conforme revelou o Estadão, o prejuízo foi indicado em parecer da área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU).

O grupo Voetur foi criado nos anos 1990 pelo empresário Carlos Alberto de Sá. O nome do empresário também consta do relatório do Coaf, como o responsável por pedidos de provisionamento de saques. 

VTCLog afirma que 'inexistem irregularidades' em transação

 

A quebra dos sigilos fiscais e telemáticos (de mensagens) da VTCLog foi pedida por Randolfe e Alessandro Vieira (CIdadania-SE). Atendendo ao pedido da comissão, estes dados chegaram à CPI no dia 12 de agosto - no pedido, Randolfe solicitou informações retroativas ao começo de 2020, enquanto Vieira pediu dados telefônicos e telemáticos desde abril de 2020, e informações financeiras e fiscais desde 2018.

Ao mesmo tempo, Humberto Costa (PT-PE) solicitou ao Coaf informações sobre relatórios envolvendo a empresa a partir de janeiro de 2018. Todos estes requerimentos foram aprovados.

Ao pedir a quebra de sigilo, Vieira mencionou o fato de que a VTCLog tem "histórico de contratos com a administração pública, e já protagonizou investigações por superfaturamento e suspeitas de corrupção". Segundo Vieira, a empresa é suspeita de ligações com Roberto Dias, o ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde envolvido nas negociações para a compra da vacina indiana Covaxin.

A mesma opinião foi expressa por Randolfe Rodrigues no requerimento. "Considerando que esta comissão parlamentar de inquérito está apurando graves denúncias envolvendo o Departamento de Logística do Ministério da Saúde e o então Diretor Roberto Dias, é importante aprofundar as informações que o conectam aos sócios da VTCLog", escreveu Randolfe.

Em nota ao Estadão, a empresa disse que toda sua movimentação bancária está escriturada em registros contábeis, "inexistindo quaisquer irregularidades". E ressaltou que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli atendeu a seu pedido para delimitar o período da quebra dos sigilos de março de 2020 em diante. Toffoli também determinou que a CPI apenas analise os dados em sessão reservada. Foi a primeira decisão do STF nesse sentido envolvendo a comissão.

"A empresa reitera que a origem das suas receitas são comprovadamente lícitas, decorrentes de serviços efetivamente prestados, citando como exemplo que é responsável pela distribuição de todas as vacinas fornecidas pelo Governo Federal", informou em nota. A VTCLog também informou que tomará "as medidas judiciais cabíveis quanto aos vazamentos ilegais e criminosos dos seus dados protegidos por sigilo".

Histórico


Até 2018, a logística de materiais como vacinas e medicamentos era feita no Ministério da Saúde por um órgão da própria pasta, a Central Nacional de Armazenagem e Distribuição de Imunobiológicos (Cenadi), que tinha contratos com várias empresas terceirizadas, entre elas a própria VTCLog. O galpão principal ficava no Rio de Janeiro.

Sob a justificativa de redução de gastos, o então ministro, o deputado Ricardo Barros (PP-PR), decidiu desmobilizar a Cenadi e promover uma licitação para concentrar em uma única empresa a logística do Ministério da Saúde. A primeira colocada acabou inabilitada, e a VTCLog assumiu o contrato com o Ministério da Saúde em março de 2018, no valor de R$ 97 milhões. O contrato é válido até 2023. O deputado também é alvo da CPI da Covid.

Na época, a VTCLog disse não ter qualquer relação com o ex-ministro. "Informamos que os contratos da empresa com o poder público são e sempre foram objetos de processos licitatórios devidamente fiscalizados pelos órgãos de controle", afirmou a empresa.


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