Brasília – A escalada de ataques ao Judiciário por parte do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) respingou na indicação de André Mendonça para cadeira no Supremo Tribunal Federal (STF). No comando da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Davi Alcolumbre, tem protelado a sabatina do ex-advogado-geral da União após o mandatário ter insistido em apresentar pedidos de impeachment contra ministros do STF, mas a pressão sobre o senador cresceu com a aprovação da recondução de Augusto Aras para a Procuradoria-Geral da República, que chegou ao Congresso posteriormente, mas foi pautada primeiro.
Apesar de o Parlamento aguardar a sinalização de um freio aos arroubos de Bolsonaro no próximo dia 7 de setembro, o aceno é de que a sabatina será pautada e que o apoio político é favorável. Enquanto isso, embora a indicação de Mendonça tenha sido enviada ao Senado em julho, o cargo está vago há quase dois meses. Senadores também têm cobrado que Alcolumbre dê andamento ao pleito.
"O atraso na sabatina é proposital, como forma de mandar recado ao presidente e a Mendonça"
Raquel Borsoi, analista de risco político da Dharma Politics
O senador Telmário Mota (Pros-RR), que integra a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ), afirma que a atitude de Davi Alcolumbre, ao não pautar a sabatina, é equivocada e compromete a imagem do Senado e da CCJ. “Insisto na fala que fiz no plenário. Aquela casa é plural, a comissão é plural, mas ela não é de decisão monocrática, a comissão é colegiada. Davi [Alcolumbre] está cometendo um erro e está faltando o presidente Pacheco tratar isso com maior positividade. Ele precisa tratar isso com a seriedade que o caso exige” Na avaliação de Telmário Mota, o presidente da CCJ não pode, “por motivos pessoais”, dificultar a sabatina mediante indicação do presidente da República. “Pacheco tem a obrigação de pressionar Davi para pautar. O presidente da CCJ passou dos limites. O Senado não é dele, a comissão não é dele, ele é apenas o presidente e está sendo irresponsável”, acrescenta.
Para Mota, Mendonça tem o que é preciso para ser ministro do STF. “Ele é um cara preparado, íntegro, do bem e centrado. Ele tem os pré-requisitos para ser ministro do STF. Até senadores de oposição o vêem com bons olhos. Conheci ele, já tivemos vários encontros institucionais”.
O senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), que também integra a CCJ, afirma que tem sido visto com desconfiança a demora para a marcação da sabatina de André Mendonça. “Acho que o presidente da CCJ não é o dono dela, não pode dispor do cargo a seu bel prazer. A maioria dos senadores querem sabatiná-lo, é nossa obrigação. Não podemos simplesmente fugir. Ele pode até ser reprovado, não há problemas, eu mesmo quero fazer perguntas difíceis. O que não pode é esse absurdo. Está muito errado o Davi Alcolumbre, as coisas precisam andar, é preciso compromisso com o país”.
Guimarães ressalta, também, entender que a CCJ está sendo “muito mal conduzida” e pontua que André Mendonça parece estar preparado para assumir uma cadeira no STF. “Ele é uma pessoa que tem uma boa formação, foi advogado geral da união, me parece que tem doutorado, é uma pessoa de notório saber jurídico”, diz o senador.
No entanto, entre seus colegas, o clima, segundo ele, é favorável à aprovação do nome do ex-ministro da Justiça e ex-advogado-geral da União. O senador insiste, portanto, que a melhor opção é fazer aquilo que está previsto na Constituição e apreciar o nome de Mendonça. “Não é correto um único senador decidir. É uma decisão colegiada, não colocar em votação é a mesma coisa de rejeitar. Quem rejeita é o plenário após o parecer da CCJ. Como o Davi vai falar por todos os 81 senadores? É um absurdo”. O presidente da CCJ, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) foi procurado pela reportagem, mas disse, por meio da sua assessoria, que prefere não se manifestar sobre o caso.
Recados Ricardo Caichiolo, cientista político do Ibmec-DF ressalta que os ataques de Bolsonaro ao Supremo esbarram na indicação de Mendonça para a Corte. Ele destaca duas ações vistas como recados diretos ao mandatário; a rejeição do pedido de impeachment por Rodrigo Pacheco contra o ministro do STF Alexandre de Moraes e o atraso proposital de Alcolumbre na convocação da sessão para a sabatina. “Foram duas mensagens diretas ao presidente, de contrariedade com relação ao que foi considerado por parlamentares como um comportamento beligerante e inconveniente”, observa.
Apesar disso, ele acredita que a tendência é de que, em breve, a indicação de Mendonça seja pautada e ele tenha o nome aprovado com certa folga. “Ainda que tenha sido especulada a indicação de Humberto Martins, presidente do STJ, para substituir o nome de Mendonça, nada indica uma reviravolta. Sobre a indicação, o presidente prometeu um ministro “terrivelmente evangélico”. De fato, André Mendonça encontra enorme respaldo na comunidade evangélica que, por sua vez, tem uma relação bastante próxima e de influência junto a vários senadores, que inclusive compõem a CCJ”, analisa.
Raquel Borsoi, analista de risco político da Dharma Politics, observa que Mendonça é um nome importante e estratégico ao presidente. Como o objetivo de Bolsonaro é repetir a prevalência do voto da ala evangélica no pleito de 2022, ele deverá cumprir a promessa feita ao grupo, acrescenta. O prognóstico, corrobora, é de que o nome deverá ser aprovado.
“É difícil que rejeitem uma indicação a não ser que tenham certeza de que todos rejeitarão. Mas, de fato, Alcolumbre é o ponto chave da questão. O atraso na sabatina é proposital, como forma de mandar recado ao presidente e a Mendonça. É um movimento de construir obstáculos no Senado tendo em vista os últimos posicionamentos do presidente. Mas em comparação com Aras, talvez o ex-AGU seja um nome mais caro que o próprio Aras. Alcolumbre está segurando o que talvez seja o mais estratégico para o presidente”, avalia.
O analista político do portal Inteligência Política Melillo Dinis concorda em que a confrontação adotada por Bolsonaro em relação à Corte dificulta a posição de Mendonça. “Apesar de seu conhecimento jurídico, foi transformado em um personagem de opereta nas notícias e nas análises pela própria folclorização que Bolsonaro deu à sua indicação. Nesse sentido, parece que a candidatura subiu no telhado, ao menos enquanto as tensões da cena política aguardam os rumos para definir se fica ou será substituído por alguém que consiga se firmar sobre a área movediça das relações institucionais a partir do mandatário”.